terça-feira, 20 de maio de 2014

Livros e certezas



Naquele tempo, digital era o que tínhamos nas pontas dos dedos.
E o conhecimento também era digital: o passar dos dedos pelos livros e revistas.
Não estava ele, o conhecimento, em permanência ao nosso alcance. Na bibliotecas – privadas, dos amigos, das escolas, públicas… - era lá que íamos tirar dúvidas. Que, em não havendo telefones moveis para perguntar a um compincha ou professor, haveria que esperar o chegar a casa, ou ao café, ou ao clube, ou à escola, e esperar encontrá-los para perguntar.
A alternativa eram pequenos livros de bolso, estilo compêndios condensados, que traríamos connosco, contendo as informações mais pertinentes e mais difíceis de fixar.
Regra geral, tratavam-se de edições estrangeiras, que pouco havia disso em língua portuguesa: francês, inglês, castelhano… Mais a sério, com tudo explicadinho que não apenas as fórmulas e soluções rápidas, ficavam nos pesados tomos guardados nas estantes.

Uma ocasião tive que fazer um conjunto de fotografias mais complicadas. Implicavam o uso de anéis de extensão para macro e o uso de flash.
Claro está que não havia flashes “dedicados”. O mais que havia eram automatismos incorporados no flash, usando de uma célula foto-sensível, que regulava a duração do disparo luminoso. No caso esse sistema não se aplicava. E as tabelas inclusas na unidade também não.
Haveria que usar de uma fórmula que, não a sabendo eu de cor, era possível de deduzir do que constava no livrinho que nunca abandonava o meu saco.
Feito o trabalho e revelado o rolo, constatei que tudo tinha corrido bem.

Mas não gosto de usar algo que não entenda. Pelo menos os seus rudimentos. Pelo que, em chegando a casa, fui consultar um daqueles livros de lombada grossa mas que tudo explicam. E estava lá o que procurava.
Mas com uma fórmula ligeiramente diferente. O suficiente para que resultado, em a aplicando, fosse notoriamente diferente. Consultado outro e outro livro, encontrei mais duas fórmulas, muito parecidas, mas todas diferentes entre si, com resultados quase tão diferentes quanto o dia da noite.
Chateado com a situação, decidi inverter a ordem dos factores: deduzir eu a fórmula, a partir das bases teóricas todas e verificar qual delas a correcta.
Estranho ou não, acabei por constatar que a do tal livrinho de bolso estava certa. As demais incorriam no grave erro de serem… gralhas de impressão ou erros de tradução.

Talvez que tenha sido esse o dia em que perdi a ingenuidade sobre o conteúdo de livros, mesmo que técnicos e de valor reconhecido.
De então para cá, sem que se trate de radicalismos, tenho posto em causa o que vou lendo, comparando o que encontro com o que eu mesmo sei ou deduzo. E, em caso de dúvidas ou discrepâncias, procuro confirmações.
Com o advento da internete e do mundo digital, em que qualquer um publica o que entende, com ou sem fundamentos, as minhas cautelas são ainda maiores.
Mesmo que em sites certificados, de reconhecido mérito, o cepticismo sobrepõe-se e trato de fazer confirmações se algo me parece estranho. E, com o passar dos tempos e o aumento de certezas que vamos tendo, são cada vez mais as ocasiões em que encontro escritos que me incomodam. E da certeza do que está no papel passo à incerteza do pôr em dúvida.

Vem isto a propósito de um livro em mãos.
Acabei, há dias, um de Orwell, intitulado “Porque escrevo e outros ensaios”. Encheu-me as medidas e aprendi algo sobre o que eu mesmo escrevo (e fotografo).
Mas ter o meu saco de “ir e voltar do trabalho” sem um livro é quase como sair sem câmara ou caneta. E olhei p’ra pilha dos por ler e peguei num que, cabendo no saco, me faria saltar dos ensaios em geral para os ensaios sobre imagem em particular.
Azar o meu.
Publicado por editora de prestígio, escrito por autor que não conhecia, parecia-me apetitoso quando o comprei. E quando o peguei para ler.
Mas encontrei tanta contradição com o que eu mesmo sei – teorias e técnicas – que ainda não sei se irei lê-lo até ao fim. Mesmo indo apenas na página 40.
Ter um livro do qual se desiste a meio é sempre mau. Mas ler um livro que se sabe estar errado em diversos aspectos…
Não sei qual das duas situações é pior.
Não vou referir qual o livro em causa. Para além das questões legais, o autor não está por perto para contestar a minha opinião.
Saiba-se, no entanto, que o da imagem está certo em tudo o que nele li e que, em tempos bem recuados, me safou num momento de aperto em que tive que fazer umas fotografias macro com flash e… mas já contei isso, creio.

Nota: saiba-se que a fórmula em causa é esta, usada apenas se empregues tubos ou foles de extensão:
D = NG x 100 / f x (ER + 1)
Em que:
D – Distância flash/assunto, em centímetros;
NG – Número guia do flash em metros;
f – Abertura de diafragma escolhida;

ER – Escala de reprodução em decimais.

By me

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