quinta-feira, 14 de março de 2024

Na reforma e ângulos de visão




O texto que se segue é longo e não pretende ser, de forma alguma, dogmático. Apenas reflete o que penso e sinto, com um pouco daquilo que pouco sei. Qualquer opinião que lhe acrescente algo é seguramente bem-vinda.

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Como é que esta pobre 50mm faz parte do meu acervo?

Bem: se por um lado a obtive conjuntamente com uma Pentax K2, por outro lado não tenho melhor exemplar deste modelo.

Para além do que se vê, uma pancada e uma tentativa mal conseguida de reparação no anel frontal, também a focagem não é tão suave quanto se espera. Quanto à nitidez, aguardo por ter outro exemplar, em boas condições, para perceber ao certo se será de origem ou não o que sinto nela.

Faz ela parte das objectivas de 50mm que possuo, apesar de não ser nenhuma delas um item que use com frequência. Porque o seu ângulo de visão em Full Frame não me satisfaz, apesar de ser considerada normal ou standard.

Dizem-na assim e muitos o defendem, ou ligeiramente mais “curta”. Eu contesto-o e explico.

A visão tem dois factores importantes: a parte óptica, composta pelo globo ocular e seus elementos, e o que acontece no cérebro quando ela lá chega levada pelo nervo ocular.

O ângulo de luz que o cristalino (a nossa “lente”) permite chegar à retina é muito semelhante nos seres humanos. Fracções de grau de diferença apenas, em individuos saudáveis. As diferenças acontecem na retina, e na forma como o globo ocular, enquanto elemento móvel, se comporta.

A retina tem duas áreas principais de sensibilidade, que todos conhecem mais ou menos: a zona central, onde se é francamente sensível à cor e luz e que fornece a principal informação ao cérebro, com todos os detalhes possíveis, e a zona envolvente, a cujo resultado chamamos de “visão periférica” menos sensível em cor e detalhes, mas que nos informa do que acontece em redor. Estas duas zonas de informação são complementadas com ordens vindas do cérebro, que não comandamos, que levam o globo ocular a movimentar-se, por pouco que seja, para aumentar a área coberta pela zona de detalhe.

Só aqui, e sem aprofundar a questão, constatamos que a nossa visão no que a apenas luz concerne tem dois ângulos fixos e um terceiro variável. E este depende não apenas das questões fisiológicas mas do cérebro também.

Mas o cérebro tem também grande influência na visão. Para além de comandar o posicionamento do globo ocular, processa a informação recebida. E a forma como este processamento acontece depende de diversos factores.

Desde logo se estamos atentos ou não. Podemos, ao estarmos atentos, ignorar as informações provenientes da visão periférica, reduzindo bastante o nosso relacionamento com o mundo circundante. Podemos estar concentrados em qualquer outra coisa (pensamentos, sons, paladares...) e nenhuma atenção prestarmos ao que vemos, só regressando a tal se a visão periférica nos der uma informação de alarme. Podemos ainda estar muito concentrados em apenas parte da visão detalhada, como o perceber pormenores de algo muito pequeno e próximo ou algo muito distante como um navio no horizonte e só considerarmos parte da informação detalhada que a retina nos fornece. E tudo isto redunda em “ângulos de visão” diferentes na percepção visual.

Mas temos ainda uma terceira vertente que isso condiciona: a personalidade do individuo. Se for pessoa muito participativa no que o cerca, terá uma abordagem visual ampla. Se tiver uma abordagem mais de espectador ou observador, terá uma conexão visual com o mundo de menor ângulo. Se for alguém que se preocupe com os detalhes da vida terá mais atenção ao que for pequeno e com menor ângulo, se for pessoa preocupada com os grandes problemas ou questões terá uma visão mais abrangente ou com maior ângulo.

Não se pode deixar de parte a questão de se ser mais ou menos tímido ou mais ou menos sociável, condição que permite uma maior ou menor próximidade com pessoas e, naturalmente, o ângulo de visão preferido.

Tudo isto, bem subjectivo na verdade, acaba por influenciar quem faz fotografia. O tipo de objectiva que prefere terá um ângulo de visão ou captação próximo da forma semelhante ao relacionamento tido com o mundo, havendo preferências por distâncias focais maiores ou menores de acordo com isso.

Claro que os fabricantes não podem condicionar os seus produtos a todas estas variáveis. Foi assim criado o conceito de objectiva normal ou standard aquela que tem um ângulo útil semelhante à visão descontraída mas consciente do ser humano médio. E isso corresponde, mais ou menos, entre os 50º e os 60º. Ao mesmo tempo, teria que ser algo fácil e/ou económico de fazer em grande escala. E atribuir uma referência numérica a isso.

Surgiu então a fórmula de ser objectiva normal ou standard aquela cuja distância focal fosse igual ou próxima da diagonal do formato fotográfico.

No entanto, tenho para mim que não existe tal coisa na prática fotográfica séria e que cada fotógrafo prefere esta ou aquela que mais se assemelha à sua própria visão do mundo que o circunda, condicionado apenas pelo que os fabricantes produzem.

Um exercício estatístico interessante é percebermos qual a distância focal que mais usamos. Quer com objectivas fixas (ou primárias), quer com objectivas zoom. Uma estatística que inclua um número grande de imagens feitas e em diversa circunstâncias. Quer de lazer quer profissionais. Nos tempos que correm, e com o EXIF, é coisa relativamente fácil o verificarmos em 500 ou 1000 fotografias quais as distâncias focais usadas. Melhor dizendo, quais os ângulos usados, porque dependerá do tamanho do sensor, que são muitos hoje.

Talvez que, com este exercício, se desmonte um mito. Que é útil a fotógrafos e fabricantes, mas que é um mito.

Por mim, estou mais ou menos esclarecido quanto às minhas preferências. Em Full Frame, a 90mm é, sem dúvida, a que mais confortável me deixa, ainda que por vezes prefira algo entre a 200mm e a 300mm. No entanto, e talvez porque a minha vida sofreu grandes revoluções nos últimos anos, a 35mm também me passou a agradar bastante.

Quanto à pobre objectiva aqui referida, não a insulto dizendo-lhe que é inútil ou mentirosa. Até porque nunca são.

Mas em tendo oportunidade tratarei de lhe encontrar uma irmã em bom estado, guardando esta junto com outras peças que tenho e das quais digo que estão na reforma, não lhes exigindo trabalho. Até porque, no seu tempo, foram garbosas e terão feito excelentes fotografias.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M 35mm 1:2

By me

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