domingo, 19 de agosto de 2018

Para fechar o dia mundial da fotografia




Há uns anos pediram-me para fazer ou liderar algo que fica entre a palestra e a tertúlia. Na verdade, tinha por nome tertúlia, mas eu era um quase total desconhecido para a grande maioria dos presentes. E vice-versa, que a única ou quase única coisa que sabia sobre os presentes é que estavam de algum modo interessados em fotografia. E sabia que estariam desde muito novos a já idosos, profissionais, amadores, estudantes.
Não é fácil agarrar este tipo de gente por junto, sendo certo que alguns seria muito participantes, outros nada. E outros com uma atitude crítica acutilante.
Decidi, com base nestas heterogeneidade de gente, “pegá-los pelos cornos” logo de início. Por outras palavras, pô-los a pensar e pronunciar-se sobre os seu próprio trabalho, no lugar de apenas ouvirem ou eventualmente opinarem sobre as minhas opiniões.
Assim, e depois de uma apresentação mais que minimalista e uma menos que breve descrição do que ali estava a fazer, pedi-lhes que fizessem, ali mesmo, duas fotografias: uma de mim mesmo, ali encostado à frente da mesa e estrategicamente colocado sob a luz e uma outra da ponta do seu próprio sapato. Isto sem importar um nico qual o tipo de câmara que ali tinham: de uma DSRL a um telemóvel, passando por uma compacta de supermercado. Aos que não tinham, disponibilizei eu uma.
Depois de terem feito com displicência a primeira e com dificuldade a segunda, já de novo sentados e com curiosidade em saber para que aquilo servia, perguntei-lhes porque teriam tido muito mais dificuldade em fotografar aquilo que bem conhecem – o seu sapato – que um quase desconhecido ali plantado. E seguimos, com palpites variados, para a necessidade de se conhecer ou possuir algum elo que ligue fotógrafo e assunto. De já se ter uma “fórmula resolvente” nas estratégias e soluções e de dar muito mais trabalho e ser bem mais difícil quando somos confrontados com o fotografar algo que nunca nos teria passado pela cabeça fotografar. Conhecer ou grocar o assunto é vital.
Depois de o debatermos, passei à estocada final para introdução da tarde, mas que, com a primeira parte, formava o cerne do que ali me tinha proposto fazer: perguntei-lhes o que tinham feito ao premir o botão da câmara. A resposta foi, genericamente, aquilo que eu esperava: fotografia. Com algumas variantes pelo caminho, foi a opinião geral. Mas completei-a, afirmando que tinham feito papel de um deus.
A sala calou-se, da surpresa ao escândalo, passando pela curiosidade, ficaram a olhar para mim naquela minúscula pausa “teatral” que fiz. E, de seguida, expliquei-lhes:
Tinham usado de três tipos de energia (eléctrica, luminosa e cerebral) para criarem algo que não existia antes. E, de acordo com todas as teologias, esse foi o trabalho de um deus nos primórdios dos tempos. E que era essa criação que gerava – gera – obras de valor e outras sem algum. Mas que todas, sem excepção, são criações únicas, originais e feitas a partir de quase nada.
Gerou-se a confusão criativa que queria, com mais de metade dos presentes a participarem, quer concordando, quer discordando, quer acrescentando algo. E os restantes, porque mais tímidos ou retraídos, com os olhos e ouvidos abertos ao que ali se dizia e fazia.
E fotografia é isto: criar. Alguns criam com palavras, outros com gestos, outros com sons, outros com tintas e cores, outros ainda gerindo espaços e matéria. Nós, os fotógrafos, usamos toda uma parafernália de equipamento mais ou menos complexa para criar com a energia. A luminosa, e eléctrica ou motora e a cerebral.
E quando uma delas não existe, perdemos o apodo de “divinos” e mais não seremos que pobres mortais, condenados a fotocopiar o que nos cerca.



By me

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