Há uns anos pediram-me para fazer ou liderar algo que fica
entre a palestra e a tertúlia. Na verdade, tinha por nome tertúlia, mas eu era
um quase total desconhecido para a grande maioria dos presentes. E vice-versa,
que a única ou quase única coisa que sabia sobre os presentes é que estavam de
algum modo interessados em fotografia. E sabia que estariam desde muito novos a
já idosos, profissionais, amadores, estudantes.
Não é fácil agarrar este tipo de gente por junto, sendo
certo que alguns seria muito participantes, outros nada. E outros com uma
atitude crítica acutilante.
Decidi, com base nestas heterogeneidade de gente, “pegá-los
pelos cornos” logo de início. Por outras palavras, pô-los a pensar e
pronunciar-se sobre os seu próprio trabalho, no lugar de apenas ouvirem ou
eventualmente opinarem sobre as minhas opiniões.
Assim, e depois de uma apresentação mais que minimalista e
uma menos que breve descrição do que ali estava a fazer, pedi-lhes que
fizessem, ali mesmo, duas fotografias: uma de mim mesmo, ali encostado à frente
da mesa e estrategicamente colocado sob a luz e uma outra da ponta do seu
próprio sapato. Isto sem importar um nico qual o tipo de câmara que ali tinham:
de uma DSRL a um telemóvel, passando por uma compacta de supermercado. Aos que
não tinham, disponibilizei eu uma.
Depois de terem feito com displicência a primeira e com
dificuldade a segunda, já de novo sentados e com curiosidade em saber para que
aquilo servia, perguntei-lhes porque teriam tido muito mais dificuldade em
fotografar aquilo que bem conhecem – o seu sapato – que um quase desconhecido
ali plantado. E seguimos, com palpites variados, para a necessidade de se
conhecer ou possuir algum elo que ligue fotógrafo e assunto. De já se ter uma
“fórmula resolvente” nas estratégias e soluções e de dar muito mais trabalho e
ser bem mais difícil quando somos confrontados com o fotografar algo que nunca
nos teria passado pela cabeça fotografar. Conhecer ou grocar o assunto é vital.
Depois de o debatermos, passei à estocada final para
introdução da tarde, mas que, com a primeira parte, formava o cerne do que ali
me tinha proposto fazer: perguntei-lhes o que tinham feito ao premir o botão da
câmara. A resposta foi, genericamente, aquilo que eu esperava: fotografia. Com
algumas variantes pelo caminho, foi a opinião geral. Mas completei-a, afirmando
que tinham feito papel de um deus.
A sala calou-se, da surpresa ao escândalo, passando pela
curiosidade, ficaram a olhar para mim naquela minúscula pausa “teatral” que
fiz. E, de seguida, expliquei-lhes:
Tinham usado de três tipos de energia (eléctrica, luminosa e
cerebral) para criarem algo que não existia antes. E, de acordo com todas as
teologias, esse foi o trabalho de um deus nos primórdios dos tempos. E que era
essa criação que gerava – gera – obras de valor e outras sem algum. Mas que
todas, sem excepção, são criações únicas, originais e feitas a partir de quase
nada.
Gerou-se a confusão criativa que queria, com mais de metade
dos presentes a participarem, quer concordando, quer discordando, quer
acrescentando algo. E os restantes, porque mais tímidos ou retraídos, com os
olhos e ouvidos abertos ao que ali se dizia e fazia.
E fotografia é isto: criar. Alguns criam com palavras,
outros com gestos, outros com sons, outros com tintas e cores, outros ainda
gerindo espaços e matéria. Nós, os fotógrafos, usamos toda uma parafernália de
equipamento mais ou menos complexa para criar com a energia. A luminosa, e
eléctrica ou motora e a cerebral.
E quando uma delas não existe, perdemos o apodo de “divinos”
e mais não seremos que pobres mortais, condenados a fotocopiar o que nos cerca.
By me
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