quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O espelho



A discussão é velha. Muito velha. Mostra a fotografia a realidade?
Obviamente que não!
Começando desde logo por a realidade conter três dimensões mais tempo e a fotografia conter apenas uma dimensão.
Segue-se o termos nós a percepção da realidade através de cinco sentidos acrescidos da sua relação com a nossa memória e a fotografia nos permitir aceder apenas a um sentido, condicionando a percepção e o estímulo da memória.

Para além disto, como se não fosse importante, a fotografia é sempre – e repita-se o sempre – a interpretação do fotógrafo.
Imaginemos um acidente em cadeia envolvendo três viaturas. A segunda embate na primeira e a terceira embate na segunda. O que é uma fotografia que mostre a realidade?
O primeiro embate? O segundo embate? Feito do lado de frente para o primeiro carro? Do lado do passageiro? Do lado do motorista? Com uma grande angular e próxima, colocando o espectador em cima dos destroços? De longe, mostrando o conjunto e colocando o espectador na tranquilidade do ”sofá lá de casa”?
Há sempre uma enormidade de perspectivas ou pontos de vista possíveis e todos eles serão “verdadeiros” enquanto a respectiva fotografia não for subvertida posteriormente.

Por outro lado, a veracidade da fotografia depende também da forma como é apresentada e vista. Uma fotografia colocada na capa de um jornal diário é interpretada como verdadeira. E é lá colocada com esse mesmo intuito.
Mas a mesma fotografia exposta numa galeria já é passível de ser discutida, de ser colocada em causa a veracidade do que nos é mostrado.
Há uns anos estive numa exposição sobre um cosmonauta russo, com objectos e fotografias do seu percurso académico, militar e no espaço. No final (e o percurso pelo exposto era condicionado a um trajecto pré definido) éramos confrontados com um cartaz onde nos diziam termos visto um embuste: nem o homem era russo (era catalão) nem cosmonauta (fotografia feitas em estúdio) nem sequer militar (objectos forjados para dar consistência à mentira).
Mas nós, público, queríamos ver aquela “estória” como real. Por isso, e até chegarmos a esse cartaz, tudo aquilo era verdadeiro na nossa mente.

A questão da realidade ou veracidade da fotografia é de tal modo importante que há zona do globo que não aceitam fotografias como forma de prova em tribunal. A menos que feitas e controladas em todo o seu percurso por agentes da lei.
Por outro lado, e ainda não há muito tempo, os agentes da polícia de estrangeiros e fronteiras procuravam provas de casamentos de conveniência, entre cidadãos nacionais e estrangeiros, com a existência ou não de fotografias do casal enquanto namorados: festas, férias, praia, amigos… Não as havendo aumentavam as suspeitas de um ilícito.

A fotografia não é nem prova factual nem cópia da realidade!
O mais que se pode afirmar é que aquela imagem existe.
Sobre o que ela representa, do maior cepticismo à mais cândida ingenuidade, tudo é válido.

Na imagem outro embuste.
Estes espelhos baratos são particularmente robustos e não conseguimos parti-lo com o pé para a fotografia que eu queria fazer.

Foi necessário recorrer a uma pedra, por várias vezes, até ficar assim como se vê.

By me

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