Estava de volta de uma fotografia e a coisa não me estava a correr bem. Não havia forma de conseguir a imagem que tinha imaginado, por mais voltas que desse na perspectiva ou na luz. Mas eu sou teimoso e, rilhando os dentes, insistia.
De súbito tocam à porta. Em boa verdade, bateram na porta de casa ao mesmo tempo que faziam soar a campaínha. Com insistência.
Soltei um rotundo e clássico impropério, daqueles que soltamos quando o dedo mindinho do pé embate, descalço, na perna da cadeira, e fui ver quem se atrevia a interromper o acto criativo, mesmo que não muito bom.
Era o vizinho do lado a perguntar-me se toda aquela fumaça que se via na escada viria de minha casa. Não vinha. E se não era da minha a alternativa era vir da do vizinho da frente. Mas disseram-me que não atendia.
Fui até à porta e tentei a campaínha. Nada. Umas valentes pancadas na porta e nada também. Entretanto a esposa do vizinho, com o seu bebé de semanas ao colo, já estava a ligar para a linha de emergência, dando os dados necessários. Apesar da situação, ela estava com mais calma que ele.
Entretanto ouvi algum barulho no apartamento de onde vinha o fumo. Retornei a ela e descobri que o botão da campaínha tinha truque e que afinal ela funcionava. Alternei entre ela e murros na porta até esta abrir.
Abriu-a um dos residentes, um rapaz dos seus vinte anos, a perguntar sobre o que se passava. Quando referimos o fumo na escada, e com a maior das displicências, disse aquilo não era nada de grave, apenas o fumo do fogareiro. E que ele iria tratar disso.
Recolhemos todos às respectivas casas, não muito tranquilos, entenda-se. Fiquei de olho na janela, por via da chegada dos bombeiros e, pelo caminho, calcei os sapatos, não fosse ter que sair de fugida.
Chegou o carro de primeira intervenção, chegou a ambulância, chegou o carro patrulha.
As duas bombeiras subiram, equipadas para o que desse e viesse e resolveram a coisa sem mesmo recorrerem aos extintores que traziam. Os agentes da polícia entraram e falaram de rijo com quem lá estava. E fiquei a saber que se tratava de um assador a carvão a ser usado na cozinha e com as janelas fechadas.
Uma das bombeiras veio pedir-me para abrir janelas para limpar o fumo da escada e do apartamento de onde vinha e aquelas que sugeriu, porque mais em linha recta, eram exactamente as do espaço a que pomposamente chamo de estúdio.
Lá tive que afastar a “tralha”, desmontando o que tinha em mãos, para fazer a ventilação, que até foi coisa rápida. Enquanto o fazia, ela acrescentava com bonomia, que as duas haveriam de cá voltar para uns retratos. Rimo-nos todos.
Os bombeiros foram-se embora, assim como o carro-patrulha e ficou apenas a curiosidade de vizinhos, na rua e no café em frente, onde sou cliente regular. Foi um ponto alto na pacatez da rua secundária onde vivo.
A fotografia que eu queria fazer? Passou-me a vontade e não voltei a ela nesse dia. Nem nos seguintes. Não era coisa importante que não para mim.
Vai acontecer, p’la certa, um destes dias quando voltar a vê-la com os olhos da alma.
Pentax K50, SMC Pentax 28-200 1:3,8-5,6
By me