quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Em desespero de causa




Ser professor pode ser divertidíssimo. Ou altamente stressante. Depende das circunstâncias.
E sobre o recente triste episódio de um professor ter agredido um aluno, recordo um episódio que protagonizei.

A primeira visita de estudo que organizei, numa das escolas onde trabalhei, visava os Encontros de Fotografia de Coimbra, há já muito tempo. E cometi diversos erros, próprios de um estreante nestas lides.
O mais grave deles foi o não conhecer pessoalmente parte dos alunos, não podendo, assim, prever comportamentos e minimizar danos. E não ter a certeza de que os demais professores que integravam a visita o poderiam fazer.
Alguns alunos do terceiro ano saíram de Lisboa com o firme intento de embebedar os demais participantes. Coisa que conseguiram com sucesso.
No final do dia, ao embarcarmos de regresso, o panorama era francamente triste: jovens que mal se aguentavam de pé, outros que já nada aguentavam no estomago, um professor mais para lá que para cá, o motorista furioso com o que estava a acontecer e os danos na viatura… um cenário triste.
Quando quisemos embarcar, um desses mais velhos, corpulento e violento, postou-se no cimo das escadas do autocarro e, bem firme na sua determinação, afirmava para quem quisesse ouvir: “Ninguém entra que eu não deixo!”
Tentei convencê-lo usando da argumentação possível, mas de nada servia. E os demais em estado calamitoso, no terreiro em torno da viatura.
Já em desespero de causa, subi os três ou quatro degraus, aproximei o meu rosto do dele, apenas separados pelo meu punho firmemente fechado, e sussurrei-lhe: “Sais daí ou tenho que te partir os dentes?”
Quer fosse pela surpresa de um professor ameaçar de bater, quer fosse pelas palavras, quer fosse pelo que viu nos meus olhos, o certo é que se encolheu e foi sentar-se lá no fundo, aproveitando eu para embarcar aquela gente toda, parte da qual iria cozer a bebedeira até Lisboa.
Não sei bem o que faria eu se ele se mantivesse na dele. Talvez lhe tivesse chegado a roupa ao pelo, pese embora o seu corpanzil e o nível de álcool que tinha ingerido.
Na segunda feira seguinte, em chegando à escola, fui surpreendido pela direcção, que queria saber o que se tinha passado, já que um aluno tinha apresentado queixa por ameaça de violência.
Tudo explicado, e com a minha informação que o faria se não tivesse tido sucesso com as minhas palavras, fui mandado em paz, no meio de alguns sorrisos recíprocos, só possíveis passados alguns dias, que em Coimbra não tinha tido vontade alguma de rir.

Não será legítimo que um professor agrida um aluno. Seja em que circunstâncias for, tenha ele a idade que tiver. Os alunos, mesmo que já maiores de idade como era o caso, são-nos entregues (aos professores) com a confiança de que nós os protegeremos e não o oposto.
Mas há momentos em que se perde a cabaça, se mandam às urtigas todas as éticas e códigos de conduta e em que só resta “apelar à ignorância” por se terem esgotado todas as outras estratégias.

No meu caso, nunca mais organizei viagens ou visitas de estudo, mesmo que até ao virar da esquina, sem conhecer os alunos todos e ter a certeza que os restantes professores envolvidos seriam capazes de prever comportamentos e minimizar danos.



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