terça-feira, 9 de julho de 2019

Na calçada




A história terá, talvez, uns dez anos. Ou coisa parecida.
Estação de caminho de ferro em Lisboa, onde aguardava o que me levaria para casa. Já a noite iria adiantada, pelo que recordo das condições de luz.
Duas mocinhas a rondar os 18/20 anos abordam-me no cais pedindo-me um cigarro.
Se fosse de dia, e como estava bem disposto, ter-lhes-ia proposto o negócio habitual: troco um cigarro por uma fotografia dos olhos.
Mas o ser de noite e a fraca iluminação do cais não permitiriam fazer algo que se visse. Improvisei sobre o tema:
“Dou um cigarro se me souberem dizer o que está no centro dos desenhos no chão, lá em baixo junto às bilheteiras”.
Ficaram a olhar para mim, com a cara de espanto que se adivinha, mas aceitaram o desafio. Foram ver.
Quando regressaram vinham sorridentes e bem-dispostas:
“Ohhhh! São corações! Tão giro!”
Dei-lhes o cigarro prometido, que é feio não cumprir promessas, e a sugestão de olharem com mais atenção para o chão que pisam. Cheguei mesmo a contar-lhes que alguns mestres calceteiros assinam ou assinavam os seus trabalhos com desenhos definidos pelos contornos de diversas pedras brancas: flores ou figuras geométricas.
Entretanto chegou o comboio e cada um foi à sua vida. Mas acredito que aquelas duas nunca mais pisaram a calçada portuguesa sem prestar atenção aos desenhos ali existentes e à mestria de alguns em particular.

Sugiro que façam o mesmo, ainda que não a troco de um cigarro ou sem a promessa de uma fotografia.



By me

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