quarta-feira, 19 de abril de 2017

Relatividades



Acredita-se que o povo Romani ou Shintos, por cá conhecido como Ciganos, tenha origem no norte da Índia.
Esta teoria baseia-se, entre outros factores, na questão da língua que se encontra entre as diversas comunidades ciganas espalhadas pelo mundo.
Sobre estes factos não há certezas, já que este povo, nómada e sem história escrita ou monumentos erguidos, baseia o conhecimento do seu passado na tradição oral.
Há ainda quem defenda que esta migração terá acontecido há pouco mais de mil anos, na sequência de um “rapto” de uma comunidade para a oferecer a um monarca algures na zona da Pérsia, devido às suas tradições de dançarinos e cantores. Morto o rei, terão sido expulsos e, não podendo regressar à sua terra de origem, migraram para norte, para as zonas do mediterrâneo e Europa, tendo daqui expandindo-se pelo resto do mundo. Uma das zonas onde terão feito uma paragem mais prolongada, e onde terá ficado uma maior comunidade terá sido a zona dos Balcãs.
Daqui também a confusão que se instalou entre o povo Romani e o povo Romeno.

O comportamento deste povo nunca foi o de integração total com as populações dos territórios que atravessavam ou onde se fixavam.
Mantendo hábitos nómadas, com leis próprias no seio da sua comunidade, com regras fechadas a estranhos, as suas actividades económicas não passavam pela indústria, agricultura ou pastorícia. O comércio ambulante, aliado à actividade de saltimbancos terá sido a actividade dominante.
A sua itenerancia e os seus hábitos não coincidentes com as populações autóctones eram frequentemente associados a crimes ou delitos de propriedade ou de sangue. É bem mais fácil culpar um estranho que não se integra ou que não tem residência fixa que um vizinho ou conhecido.
Assim, os rumores passaram a suspeitas e estas a acusações frequentes e generalizadas. E o fosso entre povos e culturas foi aumentando, criando o mito de gente perigosa a evitar. E do mito à legislação. Alguns países europeus chegaram mesmo a proibir a existência no seu território de gente cigana a menos que renunciassem à vida nómada e adquirissem terra para se fixarem. E isto não há tanto tempo quanto isso. Em qualquer dos casos, foram sempre sendo marginalizados ou expulsos.
E vice-versa! Numa tentativa de manter a sua cultura e identidade enquanto povo, os ciganos foram-se mantendo à margem dos usos e costumes locais, reservando para si usos e costumes próprios e fechando-se às influências externas. Língua, vestuário, crenças e religião, hábitos sociais, solidariedade ou rivalidade entre famílias, justiça, foram mantidos e resolvidas entre si, sem o recurso às comunidades circundantes ou atravessadas.

Esta exclusão recíproca ainda hoje se mantém arreigada nas mentes comuns. Encontrar um grupo de ciganos na rua ou nas estradas é motivo de algum receio, mantendo-se os contactos ao comércio e pouco mais.

Esta marginalização e perseguição tiveram o seu auge, na história recente, na “Shoah”.
Este é o termo dado pela comunidade hebraica ao holocausto judeu feito pelos nazis. Fala-se de seis milhões de judeus barbaramente mortos nos campos de extermínio. Mas raramente se cita o que se supõe terem sido 800.000 ciganos igualmente chacinados nos mesmos locais e da mesma forma.

O que faz então com que a história diferencie um de outro povo?
Para além dos números, qualquer um deles aterrador, é talvez a forma como cada um deles interage com a sociedade circundante. Que os seus passados são semelhantes, nas diásporas e perseguições, marginalizações e execuções. Sociais e legais.
Suponho que o poder económico de um em comparação com o outro, que é francamente superior. Não apenas nas actividades a que se dedicam como no poder de influenciar a sociedade de acolhimento (hoje a isto chama-se lobby).
Veja-se, por exemplo, que duas das principais exportações de Israel são o software e diamantes. No entanto, naquela zona do globo não existem diamantes, sendo estes uma das suas principais importações.
Este poder económico, que não é restrito ao médio oriente mas antes que se espalha por toda a sociedade ocidental, é poderoso o suficiente para moldar opiniões através dos media.
Com eles e com os comportamentos do poder político, criou-se uma sensação generalizada de culpa ocidental a propósito do passado judeu, que não existe sobre o passado cigano.

Pergunto-me se, por um qualquer acaso, a sociedade ocidental (europeia e norte americana) repetisse o disparate histórico da criação artificial de um país no médio oriente, mas desta vez na Índia e com o povo Romani, se existiria a mesma condescendência ou tolerância para com actos bélicos ou de exclusão por eles efectuada sobre os povos ali existentes ou vizinhos. Como acontece hoje com Israel.

A história do Homem está repleta de vergonhosas acções de domínio violento de um povo sobre outro. Foi o caso das Africas e dos escravos, da Austrália e dos aborígenes, dos EUA e dos Índios, das Américas central e sul e dos pré-colombianos.
Acrescente-se que a guerra mais longa de que tenho conhecimento travou-se naquilo a que hoje chamamos Chile, entre os conquistadores espanhóis e o povo Machupe, durante mais de 300 anos. E que este povo, hoje, vive numa quase reserva nas zonas inóspitas e frias da Patagónia.

O bicho-homem não aprendeu com a história.
E se lamenta e pede desculpa pelos erros do passado, continua a praticá-los no presente, neste ou naquele ponto do globo, com o beneplácito de grandes potências mundiais.
Mas as atrocidades de então não justificam as de hoje. Quer se trate da Servia, do Vietnam, de Timor, do Darfur, do Iraque, de Israel, da Síria.

Se eu tivesse ou pudesse escolher entre ser judeu ou romani, certamente que escolheria este último.
Porque, e como alguns deles afirmam: “O Céu é meu tecto; a Terra é minha pátria e a Liberdade é minha religião”.

Que a liberdade não tem casa, bandeira ou templo!



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