domingo, 15 de novembro de 2015

O alicate



Teria eu 11 anos? Talvez, pelo que recordo do trajecto desta história.

No autocarro onde viajava naquele dia, a caminho da escola, levantou-se reboliço.
A altercação punha em campos opostos um façanhudo cobrador da Carris, que exigia o pagamento do bilhete, e uma senhora, que afirmava ter deixado o porta-moedas em casa e não poder pagar.
De alicate em riste, o zeloso funcionário ameaçava com multa, ameaçava com polícia, ameaçava com os quintos do inferno. Com os olhos já húmidos, a senhora bem que rebuscava a carteira em busca do porta-moedas, mas este não parava por lá. A coisa estava a ficar feia e nenhum de nós, passageiros, estava a gostar de ver.
Pegando no meu próprio porta-moedas, com uma coragem que não me conhecia, propus-me pagar eu o bilhete.
Quinze tostões (seriam?) depois, o bilhete regulamentarmente arrancado do bloco e obliterado pelo tenebroso alicate, e as coisas acalmaram.
Não me recordo de que mais coisas terei falado com aquela passageira, mas alguma coisa foi, certamente.
Passado algum tempo (dias, semanas?), foi um alvoroço em minha casa. Fora encontrada na caixa do correio uma carta que me era dirigida. Devidamente estampilhada e carimbada pelos correios. Nunca eu tinha recebido uma carta pelo correio e o espanto foi natural.
Do tamanho de um cartão de visita (correio normalizado era coisa desconhecida) continha um cartão e selos.
No verso do cartão de visita, a referida senhora escrevera umas palavras amáveis de agradecimento (não me recordo de quais) e os selos correspondiam ao valor do bilhete que lhe havia pago.

Não me recordo em que mês se passou este episódio.
Mas, fosse qual fosse, chamar-se-ia Dezembro certamente.

Afinal, é Natal quando um homem, mulher ou criança quiser.

By me

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