terça-feira, 10 de novembro de 2015

A queda - Manifestação 2015-11-10


Pese embora a manifestação ter sido convocada por uma central sindical e de haver um forte cariz partidário ali espalhado, vi caras de todos os quadrantes, mesmo que de direita, vi toda a gente daquele lado da barricada satisfeita pelo desfecho anunciado.
E vi, acima de tudo, um forte desejo de mudança com uma tónica comum a todos, não importa as origens ideológicas:
“Mude-se isto, por Portugal e pelos Portugueses”.




Foi um dia de primeiras vezes. Várias.
Desde logo o que sabemos sobre as questões político-partidárias e o desfecho do dia no parlamento.
Mas também de outras primeiras vezes.

Foi a primeira vez, que eu saiba, que o largo fronteiro às escadarias da Assembleia da República esteve interdito aos cidadãos.
Por questões de segurança, foi a justificação oficial da polícia. Como local de evacuação para quem se sentir mal em alguma das manifestações, foi a afirmação de um simpático agente da PSP.

Foi também, que eu saiba, que co-existiram na mesma rua (ou quase) duas manifestações, uma pró e outra contra o governo. Aliás, o medo de confrontos por parte das autoridades foi tal que levou a um exagerado aparato policial, estando visíveis lá em cima muitas mais viaturas que em situações quiçá mais beligerantes. A ponto de uma Norueguesa com quem falei e que veio de propósito para assistir a este dia, me ter perguntado se se estaria à espera realmente de confrontos entre grupos “rivais”.

Foi igualmente a primeira vez, que eu tenha conhecimento, que foram usadas estas grades anti-motim. De uma solidez quase que a toda a prova, quase que novinhas em folha, solidamente soldadas às paredes com cabos de aço, dificilmente seriam ultrapassadas por uma turba enfurecida. Muito menos por uma manifestação. Interessante será reparar que estas grades só foram usadas do lado dos perigosos comunas. Do lado dos conservadores pró-governamentais, as grades do costume e nem sequer muito bem aplicadas.

E foi a primeira vez que vi um fotógrafo retirar-se por via de insultos populares.
Presente estava um dos decanos da foto-reportagem portuguesa, figura reconhecida pela sua qualidade.
Cruzei-me com ele, com umas graçolas de permeio, quando eu passava do lado conservador para o rebelde pela ainda aberta porta no gradeamento e ele seguia em sentido contrário.
Uns quinze minutos depois vejo-o de novo do meu lado. E questionei-o sobre o motivo. Teria ele preferido fotografar este lado da barricada, com alguma previsão de acontecimentos que eu desconhecesse? Por uma questão de empatia? Por o outro lado, com tão pouca gente, ser desinteressante?
A sua resposta deixou-me atónito: “Sou jornalista e tenho que cobrir todo o evento. Mas daquele lado reconheceram-me e expulsaram-me, chamando-me de comunista. Deixei-os a falarem sozinhos.”


Foi, de facto, um dia de muitas primeiras vezes!


Não seria difícil reconhecer qual a posição defendida por cada lado da barricada.
Pelos dizeres, pelas palavras de ordem, pelas faixas exibidas.
E pelos trajes, por estranho que pareça.
De um dos lados roupas caras, penteados do dia, barbas da moda, óculos escuros dispendiosos.
Do outro, roupas comuns, muitas de trabalho, inúmeras de baixo custo, algumas muito coçadas.
E, que eu tenha visto, só de um lado vi gente como na fotografia.

Consegue-se imaginar de que lado?


Quando se soube do efectivo resultado da votação da moção de rejeição, contadas cabeças e votos e relatadas pela amplificação sonora, bem como por aqueles que, previdentes, tinham consigo rádios e nos iam passando informações, a alegria foi indescritível.
As palmas, os abraços, mesmo beijos entre desconhecidos… não me recordo de ter visto algo assim, e já por cá ando há uns tempos.
O grito, esse, surgiu quase que por brincadeira de uma boca que conheço, de imediato repetida por quem estava por perto e, em menos de nada, era o que toda aquela gente gritava:
“Já caiu! Já caiu! Vão p’ra puta que o pariu! Já caiu! Já caiu! Vão p’ra puta que o pariu!”
Aquele grito, vindo do nada ou do fundo de uma alma, fugindo de todas as palavras de ordem gritadas aos microfones, repetido daquela forma e com aquela força, deixou-me arrepiado.

E mesmo agora, umas horas depois e enquanto escrevo estas linhas, estou com pele de galinha. 



Ouvia-se, neste momento, a “Grândola, vila morena”. 

By me

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