sábado, 24 de janeiro de 2015

Seria obsceno...






… fazer qualquer imagem para este assunto.

Quando eu era pequeno havia o Caderno Diário!
Aquele conjunto de folhas, pautadas, quadriculadas ou lisas, onde íamos tomando notas do que ouvíamos o professor dizer, onde íamos fazendo os exercícios “sugeridos” pelo professor, onde copiávamos o que ía acontecendo no quadro preto.
Esse Caderno Diário era, em regra, um dossier, de argolas ou fita metálica, onde íamos colocando folhas virgens à medida que íamos necessitando. A certa altura do meu percurso estudantil, deixei de ter um caderno por disciplina mas antes um dossier de maiores dimensões onde, intercaladas por separadores coloridos, estavam os cadernos de cada uma das matérias.
A razão de ser deste Caderno Diário era, descobri-o mais tarde e tarde demais, para poder estudar pelos apontamentos tomados e exercícios feitos, um complemento aos livros e um repositório dos conhecimentos cedidos pelos professores, únicos e irrepetíveis.
Claro que, enquanto estudante e antes de perceber qual a sua real função, o Caderno Diário era bem mais que apenas onde ficavam as contas, as cópias, os ditados: era também um instrumento de tortura ou controle. O professor, em qualquer momento e sem aviso prévio, poderia declarar que aquele dia era de inspecção aos Cadernos Diários. E aí tremíamos todos, pois ai daquele que não o tivesse em dia, com os sumários registados e por ordem, apontamentos sem rasuras ou que tivesse desenhos ou “bocas à-parte” escritas nas margens. Para já não falar na obrigatoriedade de a letra ser legível para todos, o que sempre foi um problema para mim.
E tremíamos porque difícil seria encontrar um caderno que não tivesse uma página dedicada aos desenhos e outros “mata-tédio” das aulas enfadonhas. Eram, as mais das vezes, a última página do caderno, se fosse um dossier, ou a do meio, junto aos agrafos, se fosse esse o caso. Eram as mais fáceis de arrancar e escamotear em dia de inspecção.
Hoje vejo, na rua e na sala de aula, jovens com cadernos mal-amanhados e mal-tratados, cujo destino inexorável será, quando esgotados, uma pilha em casa e inconsultavel. Quando não lixo! E não mais servirão de base a estudo ou de criação de método e organização. Nem poderão ser inspeccionados, garantidamente!
Mas constato pior e em idades mais tenras:
De acordo com uma notícia lida um destes dias, um grupo de professores afirma que o “Magalhães” e outros modelos de computador portátil, essa solução última para melhorar o rendimento escolar das crianças, pouco mais será que uma ferramenta lúdica se não tiver programas de funcionamento em rede. E, com isto, querem eles dizer um sistema que permita ao professor verificar, em qualquer momento, o que o aluno está a fazer com o seu computador. Tal como permite aos pais fazer o mesmo.
Isto assusta-me!
Estes professores estão a defender a vigilância permanente do jovem. Deixando de parte a possibilidade de este assumir os seus actos, ao não saber se está ou não a ser vigiado. O livre arbítrio, o assumir as responsabilidades, o enfrentar o professor ou educador ou dar a cara pelos seus actos faz parte da formação de qualquer jovem. O medo permanente da vigilância ignorada é, em última análise, algo equivalente às polícias secretas que escutam conversas e interceptam correspondências. Isto logo desde tenra idade.
Mais que preparar a criança com competências e saberes necessários ao seu futuro, este sistema irá prepará-lo para ter medo da vigilância permanente e do policiamento omnipresente.
Estes professores, supostamente responsáveis e em lugares de responsabilidade, estão com esta proposta a preparar futuras ovelhas obedientes no redil de uma sociedade de informação onde a privacidade inexistente impera. E a preparar igualmente o terreno para uma “polícia do pensamento”, como Orwell imaginou.
Consigo imaginar diversos adjectivos para classificar esta proposta, mas qualquer um deles é passível de ser censurado por obsceno. O mesmo nível de obscenidade desta ideia.

By me

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