quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Matemática social





Um pequeno episódio (ou grande episódio), vivido ontem e que ainda me marca a manhã, fez vir à tona da memória todo um conjunto de outros pequenos (ou grandes) episódios equivalentes. Que o tempo é uma sucessão de episódios e o seu tamanho aquilata-se na exacta medida de quem os vive.
Aqui fica um deles, contado palavra por palavra como já o contei e com a mesma imagem.

“Carrego a merda que os outros fazem!”
Foi assim que ele se descreveu e ao seu ofício. O nome oficial será “Cantoneiro Municipal” e, em tempos, chamávamos-lhes “Almeidas”, ainda que eu não saiba porquê.
A abordagem inicial foi a costumeira: Querer saber se num outro dia poderia vir para eu lhe “tirar o retrato”. É a atitude habitual de quem quer saber detalhes mas não tem a coragem de perguntar quanto custa, por não ter dinheiro para o pagar.
Em sabendo-o grátis não o acreditou mas, perante a minha insistência no preço, quis fazer uma. Estou convencido que estaria na disposição de pagar no final, ainda que não soubesse o valor e correndo o risco de ser demasiado para ele. É que o seu espanto e gratidão quando, no fim e depois de a receber, constatou que era mesmo a custo zero, foi sincero. Até a forma de o demonstrar.
Para além das expressões e gestos usados, foi a oferta de um copo de tinto, pago no tasco vizinho de sua casa, nas imediações do pátio onde reside, ali na vizinhança. E a firmeza com que me apertou a mão e, muito estranhamente, a levou aos dois lados da sua cabeça, não me permitem duvidar que, em lá indo, terei um copo à minha espera.
É particularmente curioso constatar que são quem tem proventos mais modestos, quiçá nenhuns, alguns mesmo a “carregar a merda que os outros fazem”, que mais insistem em pagar a fotografia recebida, que mais genuinamente ficam agradecidos por ela e em quem se vê um sorriso mais sincero.
Talvez porque, em regra, a solidariedade é inversamente proporcional ao nível económico!

By me

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