sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Léxico


Até há uns tempos atrás éramos tratados por cidadãos. Políticos, economistas, opinadores, referiam-se à população e a cada um dos seus elementos como cidadãos, apelando à cidadania.
Mas este apelo era bem mais dirigido às obrigações que aos direitos. E de tanto o usar, o conceito de cidadania quase passou a obscenidade e o título de cidadão a quase insulto. Apesar de ambos os termos serem, na sua essência, de significados belos e importantes.
Mas o politiquês e o economês mudaram. E de cidadãos fomos elevados à categoria de “família”. De cada vez que opinadores, políticos (em ascensão ou já instalados) ou economistas se referem à população usam o termo “Família”.
Não é inocente esta mudança de léxico! Ao pensar-se em “Família” de imediato se lhe associam as crianças e os idosos, aqueles que poderão ser os mais desprotegidos. E, ao lançarem-se leis, de cariz meramente político, económico ou social que abranjam as “famílias”, faz-se passar a ideia que foram criadas e aplicadas em favor dos mais fracos ou necessitados.
Ao invés do que acontece com o termo “cidadão”, que implica a participação activa na sociedade. Será difícil, ainda que eu o faça, que se considere uma criança de colo como cidadão. Ou um idoso acamado.
Com esta mudança de vocabulário que, muito curiosamente, é transversal a todos os quadrantes políticos, passam opinadores, políticos e economistas a assumir um papel de protectores da sociedade, defensores dos pobres e oprimidos. Tomam um lugar no topo da sociedade, com foros de paternalismo, como se estivessem à margem da vida real daqueles a quem se referem e sobre os quais opinam, decidem, legislam.

Mas esta expressão, usada para com os portugueses por parte da classe política, recorda-me uma outra expressão de muito má memória: “Deus, Pátria, Família”. A hierarquização da estrutura nacional, defendida e acarinhada pelo “Estado Novo” de Salazar.
E talvez não falte muito para que, no caminho descendente que tomamos e percorremos, cheguemos a algo equivalente. Que a censura, a devassa da vida privada e o castigo por delito de opinião já por aí andam, formal e legislado ou não tanto e sob a forma de medo já imposto nos cidadãos!


Texto e imagem: by me

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