domingo, 12 de abril de 2020

Serviço público




Ao longo da minha carreira, fiz de quase todo o tipo de trabalhos relacionados com o meu ofício. Uns mais simpáticos, outros francamente desagradáveis. De uns orgulho-me, de outros já nem tenho memória.
Dos que me orgulho saliento hoje em particular a transmissão de centenas de missas.
Não sou crente, pelo que o seu significado directo pouco me afecta. Das tarefas e detalhes dessas transmissões retenho boas memórias, já que são trabalhos exigentes de per si. O tempo e o espaço em causa exigem cuidados redobrados para que o resultado seja o que pretende. O áudio e o visual têm que trabalhar juntos, numa harmonia que sempre se quer mas que, neste caso, é mais exigente.
Mas um outro motivo me enche de orgulho: o conteúdo e o público a que se destina.
Não será um trabalho de grande audiência. Desporto, entretenimento, política, são campos com francamente maior audiência.
Mas quem vê e ouve uma missa pela “caixa que mudou o mundo”, fá-lo porque quer mesmo fazê-lo. Porque se encontra impedido de estar no templo. Doença, distância, confinamento, justiça, idade… são vários os motivos que podem impedir um crente de estar na igreja, por muito que o queira. E o assistir à eucaristia (domingo comum ou em dia especial) é o substituto possível para algo muito importante para esses crentes.
Tenho para mim que a transmissão da missa, dominical ou outra, faz parte da essência do serviço público. E tenho muito orgulho em o ter feito.

Hoje estou em casa. O sistema de rotação de back up assim o determinou. Mas, ao ligar o aparelho agora de manhã, fiquei com inveja dos colegas que estão a transmitir a missa pascal da Sé de Lisboa.
Hoje, nos tempos que vivemos, este será o programa televisivo mais importante para milhares de portugueses.
Com as igrejas fechadas, raros serão os que podem assistir ao vivo a um dos momentos mais importantes da sua fé. Saber que fazemos o seu substituto e ver aquele monumental templo com a celebração a decorrer e os bancos absolutamente vazios faz-me arrepios pela espinha acima.
Ficará para a história que houve um ano em que a missa do domingo de Páscoa não teve fiéis nos templos. E que fomos nós, os da rádio e da televisão que levámos os templos a casa das pessoas.
Se isto não é serviço público no seu melhor, não sei o que possa ser.


By me
Imagem da RTP

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