Foi há uns anos.
Decorria a guerra ao estado islâmico, o terrorismo estava na
ordem do dia, viam-se polícias fortemente armados pela cidade e os noticiários
começavam e acabavam com o tema.
Encontrava-me numa estação de caminho-de-ferro, em Lisboa, à
espera do comboio que me levaria a casa. Comigo tinha uma catana, acabadinha de
comprar numa loja de ferramentas e que seria usada para umas fotografias que
pretendia fazer.
Alguém entrou em pânico e denunciou-me à polícia e esta
veio: quatro agentes, que não das forças de intervenção, vieram identificar-me,
interrogar-me, com algum tipo de ameaça física. A coisa acabou bem, com direito
a algum humor pelo caminho e algumas cavaqueiras com um deles tempos depois.
No meio de todo esse processo, em que os demais cidadãos se
afastaram a medo para as pontas do cais de embarque, o meu Bilhete de Identidade
foi pedido e foi consultada via rádio a central de polícia sobre a minha
pessoa. E não repararam que o seu prazo de validade tinha expirado havia três
anos.
Investigações à portuguesa.
Vem este episódio já velho a propósito daquilo que se vai
falando sobre a eventualidade de se usarem os dados dos telemóveis –
geolocalização – para controlo da população, nomeadamente os infectados com o
covid19, e garantir que são cumpridas as normas e leis sobre isolamento e
quarentena.
Na sua essência, a ideia parece positiva. Numa situação de
excepção, medidas de excepção. Claro que o perigo consiste num eventual
aproveitamento destes dados para um controlo generalizado dos cidadãos, coisa
que põe em causa direitos fundamentais e que, em mãos erradas, pode ser muito
perigoso. Para cada um e para todos.
No entanto, não nos esqueçamos de duas coisas:
Por um lado isso já existe. As operadoras de
telecomunicações têm sempre disponíveis essas informações, quer seja com a
triangulação a partir das suas antenas, quer seja com a “localização” que
inocentemente muitos activam para acederem a mapas e outras aplicações e que,
volta e meia, é usado para publicidade que recebem e nem sabem como.
Por outro, a obrigatoriedade de se possuir permanentemente um
documento de identificação válido, que pode ser pedido em qualquer momento por
qualquer agente de autoridade e em qualquer local. E que qualquer desses
agentes pode usar para deter se sobre o cidadão houver qualquer mandato ou
pedido. Ou outra regra ou lei. E o documento tem que estar válido, quando não…
Na sociedade não somos anónimos! Nem invisíveis! Faz muito
tempo que o não somos. E querer fugir disso é uma utopia.
Cabe a cada um e a todos saber como essa identificação é
usada, por quem e com que objectivo. E limitar o acesso a esses dados de um
modo consciente.
Porque não há “ferramentas” boas ou más.
Tal como a minha caneta pode ser usada para uma lista de
compras, um poema de amor ou uma declaração de guerra, também o meu canivete
pode ser usado para descascar uma maçã, para talhar uma estátua ou erguer uma
forca.
By me
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