segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Chovia



Chovia.
Não uma chuva como esta, fracota, quase sem personalidade, pouco mais fazendo que garantir que o que está molhado, molhado fica.
Não! Era uma daquelas chuvas fininhas, das que molham tolos quando estou em casa, mas que, puxada a vento como estava, molhava tudo, mesmo estando em casa.
Era de tarde.
Uma tarde medianamente clara ou escura, consoante as nuvens que passavam, ao invés desta noite que, em pondo-se o sol, só voltaremos a ter luz lá pela manhã, amanhã.
Era na estação de comboios.
Não nesta rua suburbana, pacata quanto baste, com dois cafés, muitos prédios e falta de lugares de estacionamento. Era mesmo numa estação de uma das linhas mais movimentadas do país e que, àquela hora, não o parecia.
Eu estava com pressa.
Não com o tempo por minha conta, a pontos de descer de casa para fazer uma fotografia, uma fotografia qualquer, da minha rua à chuva. Estava mesmo com pressa, que tinha horas certas onde estar e deveria estar a chegar o comboio que me levaria a tempo. Quando não, chegaria atrasado, coisa que, ao contrário de fotografia, não gosto mesmo.

Pois em chegando a um lugar que não este, num momento que não este, com um tempo que não este e com uma pressa que agora não tenho, sou abordado em trânsito.
Um cavalheiro, talvez angolano, e já com alguma idade, pergunta-me se pode falar comigo. Digo-lhe que sim, e tal, o comboio, as horas…
Mas ele sorri e pergunta-me, mesmo já sabendo a resposta, se sou fotógrafo.
Tento coisa e tal, despachar a conversa, que o comboio estaria mesmo a chegar, mas…
Mas ele insiste, que já me tem visto por ali, de câmara ao ombro ou na mão, usando-a, e queria saber que tipo de fotografia fazia eu. Porque, acrescentou, gostaria de aprender mas não sabia como ou onde, e se eu poderia…
O comboio fez-se ouvir, para além da curva. Se eu corresse e o deixasse ali, ainda o apanharia e chegaria a tempo. Mas aquela abordagem…
E ali ficámos um nico, de conversa. Ele contando-me que equipamento tinha, que gostava de fotografia macro da natureza mas que o conjunto de objectivas que tem não permitem grande coisa, que gostaria de me acompanhar para aprender algo mais, se eu não me importasse…
Fiquei com o ego cheio, naturalmente, para além de uma mancha na minha pontualidade. Mas sempre lhe falei em métodos económicos para o conseguir, num ou dois livros que, mais que dicas como nas revistas, lhe poderiam dar conhecimentos sólidos no tema, nas características de um tripé para o tipo de trabalho que queria fazer… ficámos um nico de conversa.
Curiosamente, separámo-nos sem trocarmos contactos, o que é raro neste tipo de conversa. Mas ele anotou as minhas sugestões, incluindo o nome das obras.

Onde cheguei com quase um quarto de hora de atraso não expliquei o porquê. Não teria que o fazer, mas não o fiz. Que talvez não fosse entendido que alguém atrasar-se para ajudar um desconhecido na rua, mesmo que com dicas e sugestões sobre fotografia, é uma razão séria e válida para justificar a falta de pontualidade que prezo.
Seria bem mais difícil de explicar o atraso se perdesse outro comboio para conseguir fazer uma fotografia do local ou intervenientes. Que não fiz.
Fica esta em alternativa que, não sendo do local, do momento, do clima ou das pessoas, é o que é.
E fico eu com uma resposta por dar a uma pergunta que me fez. Há anos que procuro responder e ainda não sei: Que tipo de fotografia faço eu?



By me

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