terça-feira, 4 de agosto de 2015

A ordem dos factores



Um dia um tipo que conheço comentou, depois de ter tido acesso a parte do que vou publicando on-line:
“Olha lá! Afinal, aquilo que tu fazes é ilustração, não é fotografia.”
Confesso que fiquei uns segundos parado, a tentar entender se as palavras e o tom com que foram ditas seriam um elogio ou um insulto. Eram um insulto. Não me espantei, até porque seria de esperar a partir do pouco que dele conhecia. E o tempo acabou por me dar razão.
Mas fiquei triste. Triste por ele entender que a ilustração é algo menor, sem “arte”, sem “fogo próprio”, limitada. E tão errado está quem assim pensa!
Um ilustrador, seja qual for o suporte ou as técnicas que usa, é alguém que dá corpo visual àquilo que outro escreveu ou fez. É alguém que aceita o desafio de imaginar e materializar algo a partir de algo concreto, é alguém que torna mais rico algo que já o era.
Para todos os que assim pensam, sugiro que se recordem da enormidade de livros que conhecem, cuja capa foi ilustrada por um ilustrador. Cujos interiores foram ilustrados por um ilustrador. Infantil, juvenil, técnico, lúdico, didáctico… A quantidade de ilustrações que acompanham os textos que, de outra forma, até (só até) se poderiam tornar aborrecidos.
Ou ainda, comparem os livros de estudo de há cinquenta anos com os de hoje. E tentem estudar pelos primeiros.

Vem isto a propósito de um livro que estou quase a terminar: “Los cachorros”. Editado em Madrid em 2010 e escrito em castelhano, talvez seja dos livros que mais prazer me deu ler nos últimos dez anos, quiçá bem mais.
A editora, “La fabrica editorial” juntou na mesma obra um pequeno romance de Mário Vargas Llosa com fotografias de Xavier Miserachs. Tanto quanto me foi dado a perceber no texto da editora sobre esta colecção (“Palabra e imagen”), o objectivo foi o relançar uma tradição livreira comum em Espanha à época do Franquismo, e quando o audiovisual não tinha o peso de hoje: a junção do texto e da ilustração fotográfica.
Ao que consegui saber, os dois autores não se conheceram: o primeiro peruano, o segundo catalão. O livro que aqui tenho é o resultado das opções do editor.
Mas se o texto é delicioso e sonoro (caramba, como o é!) as fotografias são perfeitas, preenchendo visualmente as eventuais lacunas que as letras possam deixar. Ou vice-versa.

Comprei o livro porque o nome do escritor me atraiu e porque as fotografias me encheram o olho. E sem mais saber sobre o fotógrafo (grave falha minha) ou sobre o projecto editorial que ali tinha.
Custou-me 12 euros.
De acordo com uma opinião ouvida recentemente, este é o valor a partir do qual um livro se pode classificar de caro. Não discuti a opinião, já que o valor dado a um livro varia em função da taxa de esforço que represente em função dos rendimentos e da importância que possamos dar à obra.
Por mim, entendo-o por muito barato. O prazer que me está a dar na conjugação da palavra escrita com a palavra fotografada, pese embora não terem sido criadas uma para a outra, o sentir que gostaria de o continuar a ler e ver muito para além da última página, o saber que o vou colocar num lugar de destaque aqui na estante de casa e a certeza que não demorará muito até ter vontade de a ele voltar, transforma o preço do livro em algo de muito barato.


Quando for grande, quero poder escrever desta forma para as fotografias que faço. Ou fotografar desta forma para os textos que escrevo. É-me indiferente a ordem dos factores.

By me 

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