Talvez por ser Janeiro,
talvez por estar um dia bonito depois de um dia de chuva, talvez porque está
frio mas não tanto como há dias, talvez…
O certo é que
calhou ler duas ou três crónicas, em jornais ou em espaços de amigos virtuais,
que são melancólicos. Falam de passados distantes, juvenis e pueris, de espaços
que foram e que o deixaram de ser, de vivências que não se repetem.
E, talvez por tudo
o referido acima, eu próprio me melancolizei e recordei outros tempos e vivências.
Recordei, por
exemplo, o primeiro café ou tasco onde passei a ser cliente habitual, daqueles
que já se não precisa de pedir o que se quer, pois que já nos conhecem os hábitos.
Não recordo o
nome. Era “qualquer-coisa-ense”, em honra da terra natal do seu proprietário. Ficava
pertinho de uma esquina e quase todos os dias, pouco antes das oito da manhã,
eu lá entrava para beber um café.
Nada de invulgar
isto, não fora eu ter 16 anos e estar a caminho do liceu. E a paragem ali
acontecia para queimar tempo até serem horas de subir a rua para ir buscar uma
pessoa. Fomos colegas, amigos, namorados, colegas, amigos, namorados, colegas,
amigos… a vida deu-nos muitas voltas. E morava ela perto do liceu. Mas tinha
tido um encontro violento numa manhã e ganhara medo de se fazer à rua antes do
nascer do sol, a caminho das aulas. Passei a ser o seu guarda-costas matinal, a
caminho da sala que partilhávamos, enquanto não mudei de estatuto.
Essa mudança de
estatuto levou-me um dia a ser convidado a jantar em sua casa, junto com a mãe,
que já tratara de conhecer aquele rapazola que todos os dias de inverno ia
buscar a filha à porta de casa, o façanhudo pai, de fama terrível em casa e que
ninguém se atrevia a incomodar, e uma senhora velhinha que com eles morava e
que tratavam por madrinha. A família completava-se com a criada, membro da família,
confidente da minha amiga/namorada, e que foi a primeira a conhecer-me, que
desceu as escadas uma manhã para ver que aspecto eu tinha e que, nas outras
manhãs, ficava da janela a ver-nos afastar, regra geral sob um guarda-chuva.
Esse jantar foi
quase de cerimónia, com todos muito simpáticos e hospitaleiros. Felizmente eu
conhecia alguma coisa de etiqueta e não me atrapalhei com os talheres. Até eu
ter cometido o pecado de fazer uma pergunta sobre um assunto tabu lá em casa.
Que eu ignorava que o fosse e que transtornou por completo o pai e, com ele, os
bom humores até ao momento vividos. Foi confrangedor, aquele primeiro contacto.
As linhas da vida
deram muitas voltas, cruzando-se e afastando-se. De todos nós, os que vivemos
aquele jantar. Tal como as do café/tasco, cujo nome esqueci. Modernizou-se, com
aços e alumínios, desapareceram os barris e as branquinhas ou amarelinhas. E não
creio que ainda ali entre alguém a pedir café com cheirinho, como tantos ouvi
naquelas manhãs escuras, frias e chuvosas.
Sobram as memórias
melancólicas de um passado que foi, com princípio, meio e fim.
Agora sou cliente
habitual de outras paragens e tenho por companheira/amiga/namorada quem eu quero
e espero acompanhar por muitos Invernos frios e chuvosos e muitas Primaveras,
alegres e luminosas.
By me
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