domingo, 20 de janeiro de 2019

Memórias




Talvez por ser Janeiro, talvez por estar um dia bonito depois de um dia de chuva, talvez porque está frio mas não tanto como há dias, talvez…
O certo é que calhou ler duas ou três crónicas, em jornais ou em espaços de amigos virtuais, que são melancólicos. Falam de passados distantes, juvenis e pueris, de espaços que foram e que o deixaram de ser, de vivências que não se repetem.
E, talvez por tudo o referido acima, eu próprio me melancolizei e recordei outros tempos e vivências.
Recordei, por exemplo, o primeiro café ou tasco onde passei a ser cliente habitual, daqueles que já se não precisa de pedir o que se quer, pois que já nos conhecem os hábitos.
Não recordo o nome. Era “qualquer-coisa-ense”, em honra da terra natal do seu proprietário. Ficava pertinho de uma esquina e quase todos os dias, pouco antes das oito da manhã, eu lá entrava para beber um café.
Nada de invulgar isto, não fora eu ter 16 anos e estar a caminho do liceu. E a paragem ali acontecia para queimar tempo até serem horas de subir a rua para ir buscar uma pessoa. Fomos colegas, amigos, namorados, colegas, amigos, namorados, colegas, amigos… a vida deu-nos muitas voltas. E morava ela perto do liceu. Mas tinha tido um encontro violento numa manhã e ganhara medo de se fazer à rua antes do nascer do sol, a caminho das aulas. Passei a ser o seu guarda-costas matinal, a caminho da sala que partilhávamos, enquanto não mudei de estatuto.
Essa mudança de estatuto levou-me um dia a ser convidado a jantar em sua casa, junto com a mãe, que já tratara de conhecer aquele rapazola que todos os dias de inverno ia buscar a filha à porta de casa, o façanhudo pai, de fama terrível em casa e que ninguém se atrevia a incomodar, e uma senhora velhinha que com eles morava e que tratavam por madrinha. A família completava-se com a criada, membro da família, confidente da minha amiga/namorada, e que foi a primeira a conhecer-me, que desceu as escadas uma manhã para ver que aspecto eu tinha e que, nas outras manhãs, ficava da janela a ver-nos afastar, regra geral sob um guarda-chuva.
Esse jantar foi quase de cerimónia, com todos muito simpáticos e hospitaleiros. Felizmente eu conhecia alguma coisa de etiqueta e não me atrapalhei com os talheres. Até eu ter cometido o pecado de fazer uma pergunta sobre um assunto tabu lá em casa. Que eu ignorava que o fosse e que transtornou por completo o pai e, com ele, os bom humores até ao momento vividos. Foi confrangedor, aquele primeiro contacto.
As linhas da vida deram muitas voltas, cruzando-se e afastando-se. De todos nós, os que vivemos aquele jantar. Tal como as do café/tasco, cujo nome esqueci. Modernizou-se, com aços e alumínios, desapareceram os barris e as branquinhas ou amarelinhas. E não creio que ainda ali entre alguém a pedir café com cheirinho, como tantos ouvi naquelas manhãs escuras, frias e chuvosas.
Sobram as memórias melancólicas de um passado que foi, com princípio, meio e fim.
Agora sou cliente habitual de outras paragens e tenho por companheira/amiga/namorada quem eu quero e espero acompanhar por muitos Invernos frios e chuvosos e muitas Primaveras, alegres e luminosas.



By me

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