quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Sapatos perdidos




Em tempos tive “uma panca” por fotografar sapatos abandonados na rua.
Ainda tenho mas ou são mais raros de encontrar ou eu ando menos atento. Talvez que as duas coisas.
Certo é que no bairro onde morei, e durante anos, eu sabia sempre o dia e o local onde ir encontrar vários. Desirmanados, no passeio ou no asfalto, lá estavam de homem ou de senhora.
Era sempre no primeiro de Janeiro, de manhã, e no cruzamento de duas ruas específicas.
Comentado o caso com uma senhora romena que trabalhava num café que eu frequentava, disse-me ela que tinha a vaga noção de haver um país da sua região de origem que tinha a tradição de atirar fora um sapato velho aquando da passagem de ano. Um gesto simbólico, tão válido como qualquer outro que queira forçar o nosso ditado “ano novo, vida nova”.
Agora, aqui onde moro, as coisas são diferentes. Este bairro já não parece ser uma sucursal das Nações Unidas, na diversidade de origens e culturas. Pelo contrário, é um bairro consolidado, com tradições muito próprias e uma média etária mais elevada. Já não vejo as sextas-feiras repletas de trajes de cerimónia para acederem aos locais de culto das suas fés. Nem oiço falar tantas línguas díspares de quatro continentes e variadas cores de pele.
Mas, por outro lado, é normal entrar-se num tasco ou café e, em dando a saudação, a maioria responder por igual. E, na terceira ou quarta vez que lá se entra, já não ser uma resposta automática mas mais personalizada. E ver mais cabeças cobertas com boinas ou chapéus, tal como eu. E, em sendo sábado ou domingo, encontrar gente com guitarra e viola ou concertina, a cantar à desgarrada.
Deixei de encontrar sapatos perdidos na rua. Mas ganhei calor humano e relações cordiais. E esta fotografia, feita num primeiro de Janeiro, tem já uns bons dez anos, para que se saiba.



By me

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