Em tempos tive “uma panca” por fotografar sapatos
abandonados na rua.
Ainda tenho mas ou são mais raros de encontrar ou eu ando
menos atento. Talvez que as duas coisas.
Certo é que no bairro onde morei, e durante anos, eu sabia sempre
o dia e o local onde ir encontrar vários. Desirmanados, no passeio ou no
asfalto, lá estavam de homem ou de senhora.
Era sempre no primeiro de Janeiro, de manhã, e no cruzamento
de duas ruas específicas.
Comentado o caso com uma senhora romena que trabalhava num
café que eu frequentava, disse-me ela que tinha a vaga noção de haver um país
da sua região de origem que tinha a tradição de atirar fora um sapato velho
aquando da passagem de ano. Um gesto simbólico, tão válido como qualquer outro
que queira forçar o nosso ditado “ano novo, vida nova”.
Agora, aqui onde moro, as coisas são diferentes. Este bairro
já não parece ser uma sucursal das Nações Unidas, na diversidade de origens e
culturas. Pelo contrário, é um bairro consolidado, com tradições muito próprias
e uma média etária mais elevada. Já não vejo as sextas-feiras repletas de
trajes de cerimónia para acederem aos locais de culto das suas fés. Nem oiço
falar tantas línguas díspares de quatro continentes e variadas cores de pele.
Mas, por outro lado, é normal entrar-se num tasco ou café e,
em dando a saudação, a maioria responder por igual. E, na terceira ou quarta
vez que lá se entra, já não ser uma resposta automática mas mais personalizada.
E ver mais cabeças cobertas com boinas ou chapéus, tal como eu. E, em sendo
sábado ou domingo, encontrar gente com guitarra e viola ou concertina, a cantar
à desgarrada.
Deixei de encontrar sapatos perdidos na rua. Mas ganhei
calor humano e relações cordiais. E esta fotografia, feita num primeiro de
Janeiro, tem já uns bons dez anos, para que se saiba.
By me
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