sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

História e memória




A história tem memória selectiva. E se há acontecimentos que são contados até à exaustão, transformando-os em “relevantes factos a não esquecer”, outros há que são convenientemente não referidos até se transformarem em “não existentes”.
Mas nem sempre a história cai no esquecimento de todos.
A mítica sala lisboeta “Ritz Club” tem um percurso conturbado. As mais das vezes pela positiva.
Foi cabaret, sala de concertos, sala de teatro, sala de ensaios de bandas e grupos de teatro… Tive o privilégio de a ter conhecido nos tempos em que ali se ia beber um copo (ou vários) e assistir a um pseudo-decadente espectáculo musical. Creio que se encontra agora encerrada, devido a problemas estruturais e de insonorização. A idade não perdoa.
Tendo tido diversas utilizações, teve também diversos proprietários, que lhe foram dando o uso possível. Durante algum tempo pertenceu a uma sociedade composta por alguns músicos e actores de nomeada no panorama artístico, cultural e político nacional. A sala era alugada para pequenos concertos ou a grupos de teatro que não tinham sala própria, sendo um espaço alternativo.
E há um episódio que ali aconteceu e que não esqueço, pese embora não o tenha vivido:
A sala fora alugada por um pequeno grupo de teatro. A peça encenada e ensaiada, guarda-roupa, cenário, luz, som… tudo afinado ao possível, dadas as condições económicas do grupo. No dia do ensaio geral, uma das pessoas integrantes da sociedade que possuía a sala foi convidada a estar presente.
Pois essa pessoa não gostou do que viu, argumentou que a peça e a encenação não estavam consentâneas com a ala política dos proprietários, proibiu a estreia e cancelou o contrato de aluguer. O pano nunca subiu para aquele espectáculo teatral.
Soube eu da história porque, à época, estava eu de algum modo ligado ao teatro dito independente, na condição de fotógrafo, e a coisa soube-se. À boca pequena, que quem tomou tal decisão era figura grada no campo das artes cénicas e difícil seria provar a que a argumentação fora apresentada. Ou contestar o que então veio a público sobre o caso. E mesmo hoje quem mo contou não o pode confirmar, já que a maioria dos componentes da companhia com que então eu trabalhava já morreu.
Fica o episódio, que a história tratará de apagar de vez porque política e culturalmente incorrectos. Mas que algumas memórias não esquecem. E se agora dele me recordei foi porque as notícias referem por estes dias uma figura grada da cultura teatral portuguesa.
Tal como fica uma fotografia do espaço em causa, roubada da net.



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