Comecei a fazer fotografia
publicitária há quase quarenta anos, com um compincha de muitas andanças e uma
câmara emprestada.
Não se tratavam de
imagens de glamour, p’lo menos de início, mas antes de produtos que constariam
em catálogos.
Os primeiros trabalhos
aconteceram na casa dele, de noite, depois de a sua família recolher à cama e a
sua sala ficar disponível. Mais tarde aluguei um espaço, que funcionou como
laboratório e estúdio, onde trabalhávamos.
A câmara era como esta,
cuja imagem fui rapinar na net: uma MPP 4x5 ou, se preferirem, 9x12. Ou seja, o
negativo tem nove por doze centímetros. A objectiva era uma Schneider Xenar
150mm F:5,6. Quando pude, comprei uma Linhoff 9x12, deixando de recorrer a
empréstimos.
Gastávamos horas para
fazer uma fotografia, por vezes uma noite inteira. A nossa inexperiência e o
improviso com equipamento (iluminação, uma só objectiva, ausência de espaço e
mesa de trabalho adequada…) a isso levava.
De manhã, ensonado de uma
noite em claro, zarpava eu para o laboratório da AGFA, nos arrabaldes da
cidade, para entregar os trabalhos. Horas depois, duas ou três, ia buscá-las.
Eu, e os demais que ali
tinham ido p’lo mesmo, “batíamo-nos” por um espaço confortável na grande mesa
de luz que ali havia para, com uma lupa, verificar a qualidade do que havíamos
feito.
Com os preciosos
diapositivos (que os trabalhos eram fotografados e entregues em diapositivo
9x12) na caixa e esta na pasta, dirigia-me a uma cabine telefónica para
informar o sócio que tudo estava bem e que não havia que repetir nada.
Estas vivências, já
velhas, deram-nos algo que hoje já é difícil de encontrar: disciplina.
As incertezas sobre o
resultado, o só o sabermos horas depois e longe do local do trabalho, a
ansiedade da espera e o respectivo custo dos materiais e laboratório,
levavam-nos a que cada vez que disparávamos a câmara tivéssemos todas as
certezas possíveis. Luz (quantidade e qualidade), composição, nitidez e
profundidade de campo, controlo de perspectiva… tudo isto tinha que ser perfeito
antes de colocarmos o chassis com a chapa no lugar do despolido onde víamos a
imagem, invertida, através da lupa de focagem.
Hoje, todos estes
aspectos são verificados segundos depois, minutos se houver como ver no ecrã de
um computador. As imagens de teste e ensaio são passíveis, que não há custos
associados, e as correcções acontecem em função de uma imagem feita e não
apenas antevista p’la experiência (que não tínhamos muita).
Não seria correcto dizer
que esses eram tempos melhores. Apenas diferentes. Nos suportes, nas
tecnologias, nos métodos. Até nos custos e preços de mercado.
Mas mesmo a “disciplina”
de então será possível hoje, desde que para tal estejamos dispostos.
Saber “ver” a imagem
resultante ainda antes do click é, do meu ponto de vista, vital. Saber olhar
p’lo visor da câmara e, aí, aquilatar e gerir a composição e gestão de espaço;
saber olhar para o assunto e saber avaliar e medir a luz, nas vertentes de
quantidade e qualidade; saber de que forma o suporte (película ou sensor) reage
às cores e contrastes; saber decidir qual o ponto de vista adequado, mesmo
antes de colocar a câmara e tripé…
Tudo isto é possível seja
qual for a tecnologia empregue. É apenas uma questão de “disciplina pessoal”.
De saber pensar antes de fotografar, de saber ver mais que olhar.
E, nos tempos que correm,
com a enorme vantagem de não ter que esperar, ensonado e num qualquer café, que
o laboratório faça o seu trabalho e bem.
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