Caminhava decidido mas com calma. Havia tempo até
chegar ao meu destino e ia observando o conteúdo daquele bairro suburbano, bem
populoso e popular, daqueles que, apesar dos fluxos migratórios diários,
consegue ter vida própria rica e activa. E eu ia alerta para essa vida até que…
Até que num passeio não muito largo, quase a chegar a
uma esquina, aquela mulher me aborda.
Faz-me parar, com ambas as mãos afaga-me as barbas, e
lança-me a pergunta:
“Com estas barbas, como fazes para beijar as mulheres?
Como o fazes?”
Há coisas na vida para as quais não estamos
preparados. Esta foi uma delas.
Olhei-a por uns segundos, tentando encontrar uma
resposta. O sotaque, a tez e o cabelo indicavam que talvez fosse originária de
Cabo Verde. Pela idade, nascida lá. E foi isso mesmo que me inspirou.
Sorrindo, disse-lhe baixinho:
“Sabe, é como os segredos das ilhas: só quem lá vive
os conhece. Só quem lá vive!”
Olhou-me nos olhos e sorriu. Um sorriso doce,
profundo, bonito. E privado, que creio que mais ninguém o viu.
Fez mais um afago e afastou-se-me do caminho. E eu
segui, continuando a olhar em redor, mas quase que sem ver.
Na esquina, logo ali, parei e olhei para trás. Lá
estava ela, com o peso da idade mas o sorriso no rosto, um sorriso que creio
que só eu vi. Acenou-me, quase que como que continuando a acariciar as barbas,
voltou-se e seguiu.
Talvez um dia ela descubra como nós, os barbudos, o
fazemos. Ou talvez já saiba o segredo e seja só um recordar.
By me
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