sábado, 9 de dezembro de 2017

Talvez



Dezembro é a época de tradições. Pelo menos por cá.
Usemo-las e contemos histórias ou estórias apropriadas para a época.
Eis uma:

Talvez porque estava sol! Talvez por ser feriado! Talvez por faltar ainda uma mão cheia de dias para o final do mês! Talvez…!
O autocarro levava apenas meia dúzia de gatos-pingados. Uma senhora idosa, gorda e de ar modesto, num dos bancos da frente; eu mesmo, de pé e com o saco nas costas e o tripé ao peito, no patamar junto à porta; um casal de meia-idade, num banco logo a seguir; lá para o fundo, em bancos separados, dois homens de idades indefinidas. E nada nos unia naquela viagem, não fora o partilharmos o autocarro e, por ser o dia que era e a hora que era, parecermos uma multidão.
Mas, metido que estava nos meus próprios pensamentos e observando que ia a avenida deserta como nunca, não teria dado por nada, ou quase.
O que me fez despertar para o que acontecia ali dentro foi uma voz, vinda da porta da frente. Um rapaz, de vinte e poucos, nem bem nem mal vestido, exclamava para o motorista: “Oh chefe! Não me faça isso! Logo hoje!”
Olhei, como os demais devem ter olhado também. A nota de vinte euros que tinha na mão contava a história sem falar. Ele queria pagar o bilhete, um euro e oitenta cêntimos, mas o motorista/cobrador não tinha troco. Deve ter-lhe proposto entregar-lhe um vale da quantia a devolver, para ser recebida numa das estações centrais da Carris. Lá na outra ponta da cidade e não naquele dia, que se tratava de um feriado.
Acredito que o rapaz não tivesse ali mais dinheiro que aquele e ficar sem nenhum, naquele dia, seria catastrófico. Depois de trocar mais uma palavras, em voz baixa, com quem lhe devia vender o bilhete, veio de passageiro em passageiro, perguntando se, por mero acaso, não teríamos troco de vinte euros. E a nossa resposta, cada um à vez, foi negativa. Por mim, tinha uns cinco ou seis euros em moedas e a nota mais pequena era de dez. Não chegava!
Regressou lá à frente, sempre com a nota na mão, suponho que para tentar convencer o funcionário da sua vontade de pagar mas também da sua impossibilidade de encontrar trocos para tal.
Entre mim e ele, a velhota sentada chamou-o. Tinha decidido fazer aquilo que eu mesmo estava a hesitar em fazer. Abrindo e rebuscando no seu porta-moedas, foi contando moedas até perfazer os malfadados euro e oitenta do bilhete. E entregou-lhos, dizendo:
“Tome! Vá lá pagar!”
“Mas…” titubeou ele, “Mas…!”
“Vá lá”, interrompeu ela, “Vá lá antes que ele lhe passe a multa!”
E ele foi. Pagou o bilhete e deixou-se ficar por ali, junto à porta da frente.
Duas paragens depois a velhota saiu, transportando com dificuldade o seu próprio peso e o de um saco, volumoso também, que segurava. Não trocaram mais palavra e, creio, não mais se encontrarão.
Um euro e oitenta cêntimos. O preço da satisfação de ambos. O conceito de barato e de caro dependerá das posses de cada um deles. Que não me pareceram abastados, bem pelo contrário.
Mas…. Qual o preço de um sorriso? Talvez porque estava sol! Talvez por ser feriado! Talvez por faltar ainda uma mão cheia de dias para o final do mês! Talvez…!


By me

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