Dezembro é
a época de tradições. Pelo menos por cá.
Usemo-las
e contemos histórias ou estórias apropriadas para a época.
Eis uma:
Talvez
porque estava sol! Talvez por ser feriado! Talvez por faltar ainda uma mão
cheia de dias para o final do mês! Talvez…!
O
autocarro levava apenas meia dúzia de gatos-pingados. Uma senhora idosa, gorda
e de ar modesto, num dos bancos da frente; eu mesmo, de pé e com o saco nas
costas e o tripé ao peito, no patamar junto à porta; um casal de meia-idade,
num banco logo a seguir; lá para o fundo, em bancos separados, dois homens de
idades indefinidas. E nada nos unia naquela viagem, não fora o partilharmos o
autocarro e, por ser o dia que era e a hora que era, parecermos uma multidão.
Mas,
metido que estava nos meus próprios pensamentos e observando que ia a avenida
deserta como nunca, não teria dado por nada, ou quase.
O que me
fez despertar para o que acontecia ali dentro foi uma voz, vinda da porta da
frente. Um rapaz, de vinte e poucos, nem bem nem mal vestido, exclamava para o
motorista: “Oh chefe! Não me faça isso! Logo hoje!”
Olhei,
como os demais devem ter olhado também. A nota de vinte euros que tinha na mão
contava a história sem falar. Ele queria pagar o bilhete, um euro e oitenta
cêntimos, mas o motorista/cobrador não tinha troco. Deve ter-lhe proposto
entregar-lhe um vale da quantia a devolver, para ser recebida numa das estações
centrais da Carris. Lá na outra ponta da cidade e não naquele dia, que se
tratava de um feriado.
Acredito
que o rapaz não tivesse ali mais dinheiro que aquele e ficar sem nenhum,
naquele dia, seria catastrófico. Depois de trocar mais uma palavras, em voz
baixa, com quem lhe devia vender o bilhete, veio de passageiro em passageiro,
perguntando se, por mero acaso, não teríamos troco de vinte euros. E a nossa
resposta, cada um à vez, foi negativa. Por mim, tinha uns cinco ou seis euros
em moedas e a nota mais pequena era de dez. Não chegava!
Regressou
lá à frente, sempre com a nota na mão, suponho que para tentar convencer o
funcionário da sua vontade de pagar mas também da sua impossibilidade de
encontrar trocos para tal.
Entre mim
e ele, a velhota sentada chamou-o. Tinha decidido fazer aquilo que eu mesmo
estava a hesitar em fazer. Abrindo e rebuscando no seu porta-moedas, foi
contando moedas até perfazer os malfadados euro e oitenta do bilhete. E
entregou-lhos, dizendo:
“Tome! Vá
lá pagar!”
“Mas…”
titubeou ele, “Mas…!”
“Vá lá”,
interrompeu ela, “Vá lá antes que ele lhe passe a multa!”
E ele foi.
Pagou o bilhete e deixou-se ficar por ali, junto à porta da frente.
Duas
paragens depois a velhota saiu, transportando com dificuldade o seu próprio
peso e o de um saco, volumoso também, que segurava. Não trocaram mais palavra
e, creio, não mais se encontrarão.
Um euro e
oitenta cêntimos. O preço da satisfação de ambos. O conceito de barato e de
caro dependerá das posses de cada um deles. Que não me pareceram abastados, bem
pelo contrário.
Mas…. Qual
o preço de um sorriso? Talvez porque estava sol! Talvez por ser feriado! Talvez
por faltar ainda uma mão cheia de dias para o final do mês! Talvez…!
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