Faz tempo que este coitado está condenado.
Creio que o mais difícil de resolver terá sido o desalojar
do comércio no piso térreo, que as habitações há muito que estavam vazias. E
com janelas abertas ou partidas como se vê.
Acredito que a sua estrutura esteja em mau estado. Vetusto
que é, deve remontar ao início da urbanização destas “avenidas novas” da
cidade.
Dirão os menos observadores: “Não tem nada de especial. Uma
fachada lisa que se prolonga até à esquina e faz a curva, sem elementos que o
distingam de tantos outros pela cidade ou país.”
Estão enganados.
Se observarem bem, cada um dos pisos tem a fachada diferente
dos demais.
Pela disposição das janelas e porta-janelas, o interior será
semelhante. Com variações na luminosidade, naturalmente.
A diferenciação dos pisos no seu exterior é algo de
importante, gostemos ou não da forma como é feito.
Sendo certo que o ser humano é gregário, também é
territorial. E a identificação do território, a afirmação “é meu” é vital para
muitos. A simples colocação por parte dos residentes de cortinas, vasos ou
outros objectos não é gratuita mas antes uma forma de dizer “esta janela é
minha”. Ou de ajudar a identificar, perante terceiros, onde se reside.
Quem desenhou e construiu este edifício, destinado maioritariamente
a habitação, considerou isto. Ou conscientemente ou porque era o hábito de
então.
A assimetria das varandas e sacadas, as pequenas variações
nas respectivas cantarias são disso evidência, mesmo que só tenha dois modelos
ou desenhos de cada. Para reduzir custos, suponho.
Consigo imaginar alguém a descrever a outrem a janela do seu
quarto: “Onde tem quatro varandas, é a segunda.”
Poderão os estetas de hoje pouco ou nada gostar destas
fachadas irregulares nos detalhes, indo procurar a uniformidade, a descaracterização
territorial para baixar custos e todos nivelar por igual. Edis, arquitectos e
donos de obra gostam de ver monovolumes, como que “stencis” residenciais.
Por mim, gosto de ver fachadas que, tendo características
próprias, defina residências, espaços pessoais, famílias com as suas próprias
características.
Não sei o que aqui irá acontecer.
Talvez que seja bem mais barato a demolição e construção de
raiz que o aproveitar as paredes exteriores. E sabemos que a construção civil,
com honrosas excepções, se pauta pela relação qualidade/custo.
Acho que ficaremos todos bem mais pobres se esta fachada
desaparecer, ajudando a descaracterizar e a desaparecer a memória da cidade que
foi.
Que se estas são tecido vivo, pulsante e evolutivo, não deve
o seu passado ser apagado sistemática e levianamente.
Indo mais longe, consigo imaginar que onde existe um
edifício habitacional, ainda que neste estado, venha a surgir algo relacionado
com hotelaria ou outros serviços.
Ou, tão mau quanto isso, um edifício habitacional de muito
alto custo, reservado a classes mais que endinheiradas que, sabemos, não
habitam o espaço público mas antes se reservam ao interior das suas habitações
e outros espaços reservados. E, com isto, retirar das ruas e do espaço comum,
os cidadãos, fazendo “morrer” a cidade e as suas características.
O investimento na hotelaria e restauração tem sido grande,
na ilusão do “boom” turístico.
Quando Lisboa deixar de ter as suas características próprias
e for apenas mais uma urbe estereotipada, como tantas outras pelo mundo, o que
fará atrair o turismo? E o que acontecerá aos investimentos apressados e quase
caóticos de hoje?
Gosto deste prédio, como de tantos outros equivalentes na
cidade. Matando-o, matam um pouco de mim. E de todos nós.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário