terça-feira, 14 de outubro de 2008

O canito


Acordar cedo, pelo menos bem antes da hora marcada no despertador, após uma noite de tarde recolher, não é a melhor forma de iniciar um dia.
E se os impropérios não são proferidos, são pelo menos pensados enquanto se tenta encontrar o motivo de tal madrugar. A par com alguns outros resmungos não muito simpáticos.
O saber que se trata do ladrar de um cão não nos faz, propriamente, ficar a sorrir para vida! Menos ainda se, no lugar de latir for ganir. Que, para além do volume e quantidade, o tom implica um pedido de ajuda, um atestar sofrimento, um protesto contra algo. E nenhum destes é um bom motivo para nos fazer sair dos braços de Morfeu.
Uma hora depois deste acordar ainda o ouvia, tal como o fui ouvindo mesmo sob a água do duche. E ao sair em busca de uma dose de café que me melhorasse o humor, dependurei do ombro a câmara fotográfica. Antes ou depois do estímulo neurológico daria com o auditivo. Foi depois!
Numa primeira cave de um prédio aqui da rua, possuidora de uma varanda/pátio, um canito protestava. Terá sido, provavelmente, o primeiro dia que se viu solitário, da parte de fora das persianas decididamente fechadas, afastado do conforto de uma companhia, materna ou humana que fosse.
E apesar de ter água e comida em recipientes limpos, de uns vizinhos condoídos ou sofredores para lá terem atirado um “Donetes” de chocolate, a frialdade da solidão doía-lhe fundo e fazia-se ouvir. Aliás ainda agora, quatro horas depois do meu acordar intempestivo, ele se faz ouvir, continuando a dar a entender que não entende o que se passa e que não tem nenhum problema nos pulmões.
O facto de o espaço de reclusão ser desnivelado com a rua permitiu-me dar com ele e tentar pela voz acalma-lo. Qual quê?! Nem o meu som nem a minha figura serviram de paliativo ao seu sofrimento, menos ainda a minha objectiva nele atestada.
Fiquei eu com esta fotografia e com a certeza que o cansaço o vencerá hoje e o hábito nos próximos dias.



Texto e imagem: by me

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