sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Um olhar - Kebrus

By me

Cinquenta escudos


O caso tem, possivelmente, vinte anos, não garanto.
O que garanto, isso sim, é que se trata de uma daquelas histórias que vivi e em que o que fiz, levado por sentimentos instintivos, ainda hoje me pesa na consciência.
Não sei se tornarei a viver algo de semelhante e, se o viver, se actuarei diferentemente. Espero bem que sim!

A linha de Sintra, aquela suburbana que uso diariamente, ainda não estava modernizada. E a estação de Benfica que usava à chegada da grande cidade, ainda era de cais baixinho, edifício com meio século ou mais e o acesso directo à linha era o habitual, já que a sua travessia se fazia por sobre um passadiço de madeira por entre os dormentes.
Na pressa matinal, a caminho do autocarro, estava junto da janela do maquinista da composição quando este apitou, sinal de que iria fechar as portas e iniciar a marcha. O que me fez dar um salto e olhar para quem apitava foi o prolongado da buzina, bem maior que o toque curto do costume.
Olhei-o e tinha os olhos muito abertos e fixos na linha à sua frente. O meu olhar seguiu o dele e, a uns cinquenta metros, entre os carris, estava um corpo deitado. Como não deveria estar e onde não deveria estar.
Corri! Não que seja médico ou técnico de saúde, mas não estando por lá ninguém, alguma coisa poderia fazer. E fiz!
Tratava-se de uma senhora de idade, talvez uns sessenta, talvez uns setenta anos. Com roupas modestas, limpas mas muito modestas, não aparentava qualquer mal visível que aquilo justificasse. Ou talvez aparentasse, já que era uma decisão e não um acidente: esperava que o comboio lhe passasse por cima.
Claro que a senhora, no seu desespero, calculou mal a coisa e ficou na linha depois da paragem e não antes. E jamais um maquinista a apanharia nestas circunstâncias.
Abeirei-me dela e tentei pela conversa, demovê-la dos seus intentos. Inútil! Não se movia e, de olhos esbugalhados, fitava a composição imóvel que não a atropelaria. Entretanto chegaram dois funcionários ferroviários, vindos da estação, e juntos levantámos e levámos a senhora para o interior do edifício. Deixei-a aí aos cuidados de quem lá estava e de uma ambulância que chegaria em breve porque chamada para tal.
Ao afastar-me, porque nada mais ali poderia fazer, duas coisas me ficaram gravadas indelevelmente. Não a posição dela sobre a brita e chulipas. Não as palavras que pronunciou, poucas e ininteligíveis. Não as cores das roupas (recordo ser Inverno e que não tinha meias calçadas).
Recordo, antes sim, o cheiro! Para além do da urina, que se havia descontrolado, havia um outro que nunca senti antes ou depois. Animal, acri-doce, ténue mas presente. Acredito que tenha sentido o mesmo que os animais sentem em outros quando estes estão com medo ou em vias de atacar: adrenalina. O que não será de estranhar, dadas as circunstâncias. E com a proximidade da minha cara com o seu corpo quando a transportámos, não o poderia deixar de sentir!
E recordo a sua mão direita, fechada em punho e com uma força não esperada nesta situação, que se cerrava em torno de uma nota de cinquenta escudos. Seria, talvez, o que lhe sobrava e que a levaria aquele gesto de desespero. Ou, quem sabe, o que ainda tinha e que poderia servir para um funeral. Nunca o soube ao certo e qualquer outra opinião é tão válida quantos estas. Mas havia uma força férrea que não a deixava perder aquela nota!

O eu ter tirado aquela senhora daquela situação nada teve de especial. Qualquer outro, ali e então, teria feito o mesmo. E se não fosse por ela mesmo, seria, como ouvi ainda alguns comentários ao afastar-me, para não atrapalhar a vida dos que no comboio queiram ir trabalhar.
Mas estou arrependido de o ter feito! O suicídio é o último gesto de liberdade do ser vivo, um último protesto contra o que quer que seja, a última solução para se aliviar de um qualquer jugo ou sofrimento que atormente.
Posso eu prender alguém? Posso eu censurar um protesto, o derradeiro? Posso eu obrigar alguém a viver em sofrimento ou opressão?
Não posso! Em consciência não posso! O impedir um suicido é isso mesmo e não posso, ou não devo fazê-lo. Sob pena, entre outras questões morais, de entrar em contradição com o que entendo ser a liberdade do individuo.
Claro que a sociedade condena o acto suicida! Por questões de organização, por questões de poder, por questões religiosas, por questões materiais. Mas se não posso obrigar ninguém a morrer, quer seja por crime dito comum, quer seja por crime dito bélico, quer seja por crime dito acto de justiça, então também não devo impedir ninguém de morrer, se essa for a sua vontade!

Impedi ou colaborei no impedimento de um suicídio. O meu gesto não foi determinante mas foi cúmplice. De tal me penitencio e tenho penitenciado, sempre com a esperança de, numa outra situação semelhante, não repetir o gesto!

Texto e imagem: by me

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

rainy dusk


Oiço a meteorologia fazer as suas previsões. Queira ou não queira, tenho que a ouvir, que faz parte integrante do programa que transmito.
E o técnico que de tal assunto fala, detalhando o que antevê para as diferentes zonas e cidades, generaliza perante as chuvas e redução dos valores da temperatura:
São condições adversas que aí vêm para os próximos dias.
E a questão que se põe (ou eu ponho) perante tal afirmação, é simples: “adversas?”
Para mim, enquanto fotógrafo, a chuva não é o que há de melhor, de facto. A existência de céu encoberto, com a sua luz difusa, obsta a que existam sombras que definam volumes e linhas; impede a chegada da radiação solar total, reduzindo a saturação das cores; a ausência de céu azul negativiza os humores humanos.
Mais, não tendo eu câmaras à prova de água, tenho que ter cuidados redobrados com a sua conservação, evitando as intempéries directas e revendo-o e limpando-o em regressando a local propício.
Mas, como cidadão comum e citadino, também o tempo invernoso ou a chuva poderão não ser do meu agrado. As roupas mais pesadas, o uso de guarda-chuva e outros protectores, os limites às deslocações fora de abrigo…
De facto, o tempo de chuva não é dos mais agradáveis para os urbanos! Mas daí a chamarem-lhe “Adverso”!...
É que há parte da espécie humana, ainda que venha a diminuir a olhos vistos, que agradece a chuva. Mais forte ainda, que faz rezas e promessas para que venha. Refiro-me, naturalmente, a quem vive da agricultura, que sem água a terra é bem mais difícil de trabalhar e que rende muito menos. Em casos de falta extrema, não rende mesmo nada!
E se os que cultivam a terra gostam que venha a chuva, em sendo tempo dela, os que vivem do gado não lhes ficam atrás. As pastagens abundantes e verdejantes são um regalo e, com elas, há mais carne e leite, que estes não vêm do super-mercado.
Mesmo os citadinos, que não gostam da água que tomba dos céus, já gostam de a ter na torneira quando o calor aperta. E esta só lá está se chover e alimentar os lençóis freáticos, nascentes e albufeiras. Tal como gostam, admitam-no ou não, que os preços dos alimentos não subam por via de seca nos campos.
E mesmo para mim, enquanto fotógrafo, a chuva é útil!
Desde logo porque, quando pára, o ar fica mais límpido, que as poeiras em suspensão foram levadas pela água; em seguida, porque as cores dos objectos mudam quando molhadas ou mesmo saturadas de água, sendo que algumas melhoram assim; passando pelas paisagens campestres, que a fauna e flora exultam quando há água, ficando tudo bem mais vivo e “fotografável”.
Por fim, mas não menos importante, porque as superfícies molhadas ou encharcadas permitem reflexos, perspectivas e composições que, podendo não ser extraordinários, sempre serão diferentes na forma como vemos e captamos a luz. E é isso que os fotógrafos fazem!
Assim: as previsões de chuva indicam “condições adversas”?
Eu diria que são tão adversas quanto a sua ausência. É que, para além de fazer parte da natureza, a chuva pode ser um factor determinante no nosso futuro, a curto ou médio prazo!
Além do mais, o truque para se viver com satisfação passa por encontrarmos soluções, materiais, intelectuais ou emotivas, para a chamada “adversidade”. E transforma-la em utilitária ou proveitosa.
Como diria a minha avó, com a sua sabedoria, “ Viver não custa, custa é saber viver!


Texto e imagem: by me

Simplex


“Fila única” para bilheteiras fechadas???????
Cá para mim, o simplex já chegou à CP!



By me~




quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Telefones


Não andava nem depressa nem devagar. Andava na sua velocidade.
Chegava-se aos clientes, recebia as suas encomendas, desaparecia por entre as prateleiras e regressava com os braços cheios de papeis, sobrescritos, canetas, borrachas, réguas, lápis, blocos e cadernos, o que quer que fosse que lhe tivessem pedido. Volta e meia voltava atrás para confirmar um detalhe, mas tudo vinha aparecendo em cima do balcão.
Aliás o balcão de madeira, vetusto e carcomido pelos embates dos pacotes, pouco mais velho seria que aquele caixeiro que nele pousava o que vendia.
Quando entrei, já lá estariam uns três ou quatro clientes que pacatamente aguardavam vez.
De súbito tocou o telefone. Ninguém reagiu, até porque os telemóveis eram uma invenção do futuro. E aquele de digital tinha apenas o dígito com que se rodava o mostrador.
TRiiiiim. TRiiiiim. TRiiiiim.
Nem o bom do vendedor se interrompeu, que o ignorava como se de um surdo total se tratasse, continuando na sua tarefa de atender o cliente.
TRiiiiim. TRiiiiim. TRiiiiim.
Ao fim de um pedaço, um dos outros clientes que, como eu, aguardava vez e achava estranho que ele não o atendesse, chamou-lhe a atenção para o aparelho que retinia.
A resposta foi bem clara:

O telefone só toca porque clientes que não querem esperar gostam de fazer as suas encomendas e tê-las prontas quando cá chegam.
Mas os senhores já cá estavam.
Quando chegar a vez dele, logo o atendo.
É a seguir àquele cavalheiro!


O silêncio que se fez só era interrompido pelo toque estridente da campainha. Que cedo se calou. Quem quer que estivesse do outro lado do fio deve ter percebido a lição.

E quem diz que há que ter um curso superior para dar lições?...



Texto e imagem: by me

Matar o tempo, no comboio

By me



segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Todos diferentes


Nunca entendi muito bem o conceito de “aluno terrível!”
Indisciplinados, turbulentos, provocadores, extrovertidos, ainda vá, agora “terrível”…!
O que existe, as mais das vezes, é uma falta de interiorização, de entendimento, sobre o seu papel na escola, enquanto local de aprendizagem e sociedade onde está inserido.
Será o papel do professor, seja qual for a sua área ou grau, o de o fazer tomar consciência disso e de o levar a actuar em conformidade (consigo mesmo e com o social).

Numa turma de 3º ano (equivalente ao 12º), tinha um “aluno terrível”.
A turma, porque do curso de marketing, tinha um interesse abaixo de mínimo pelo audiovisual, suportando-o porque fazia parte do currículo. Este aluno (chamemos-lhe João) teria então os seus 19 anos. Bem vestido e bem parecido, as garotas estavam “caídinhas” por ele. Com boa facilidade de aprendizagem, os seus resultados era pouco menos que brilhantes. Mas tudo isto apenas lhe alimentava a auto-estima, tornando-o no palhaço do grupo: todas as suas piadas arrancavam gargalhadas, todas as suas observações eram escutadas e seguidas e ele fazia por se manter no centro do mundo. Fora e dentro de aula!
Numa ocasião, em que o trabalho era apoiar os projectos individuais de cada um dos alunos, ele estava mais energético que o habitual. Não havia forma de o fazer ingressar no grupo, respeitando o trabalho, senão o meu, pelo menos os dos colegas. Foi uma hora difícil de passar.
Já no pátio, consumindo os nossos cigarritos, o meu olhar cruzou-se com o dele. A inspiração foi de momento e chamei-o de parte. De chamamento em chamamento, saímos os limites da escola, para a rua.
Aí perguntei-lhe:

“-João, estamos fora da escola?
-Sim! E então?
-Então vai p’ro cara….!”

Foi como se tivesse levado um murro no estômago. Nunca aquele rapaz, dito “betinho”, esperaria que um prof o tratasse daquela forma.
Sem lhe dar tempo a recuperar o fôlego, expliquei-lhe o mal que estava a provocar aos seus companheiros, não permitindo, com as suas parvoíces, que eles tirassem o rendimento das aulas que podiam e deviam. Que a sua popularidade e facilidade em aprender não lhe davam o direito de estragar a vida dos seus colegas. Que as suas palhaçadas e chistes, mais que engraçadas eram tristes, pois que demonstravam o seu desprezo pelos demais da sociedade. Da sua sociedade!
Acabada a “lição de moral”, regressamos ao pátio como bons amigos.
Evidentemente que o João não mudou de personalidade. Mas via-se, nas minhas aulas e soube que nas demais também, que havia um esforço para se controlar, para se conter e ser mais integrado no grupo.

A direcção pedagógica nunca soube deste episódio, ou eu teria ouvido das boas. Esta não é forma de tratar os alunos. Porque anti-pedagógica, porque fora das regras, porque poderia ofender a individualidade do aluno e os pais virem queixar-se…
Mas a questão põe-se no facto de cada aluno não ser um número, não ser uma regra. É uma pessoa e há que criar a ponte necessária para que essa pessoa seja parte útil no colectivo sem perder a sua individualidade. Esta ponte, que funciona nos dois sentidos, tem que permitir que cada aluno possa dar o que tem e pode dar, recebendo do colectivo o que pode e deve receber e aprender. E as pontes são sempre em função das margens e dos rios que atravessam.

Em pedagogia não há formulas: há resultados.
E se os fins não justificam os meios, estão lá perto, aplicando o processo adequado a cada indivíduo. E o papel do professor vai muito para além dos conteúdos programáticos, emanados ou não de um ministério.
É isso que os alunos esperam de nós.


Texto e imagem: by me

Entre o aqui e o lá


Quantas vezes, olhando lá para o alto e vendo passar um avião com o seu rasto branco, não pensamos:
“Ah, como eles têm sorte! Vão para lá, onde podem vir a ser mais felizes que aqui!”
No entanto, há um aspecto que nós, que assim o pensamos, nos esquecemos:
Se não conseguimos ser felizes aqui, na melhor das hipóteses poderemos ser felizes no ir, não no estar lá!
Porque entre o aqui e o lá continua a existir o mesmo factor comum: o Eu!
E se a felicidade não é encontrada dentro de nós, onde quer que estejamos, então não adianta mudar de lugar.


Texto e imagem: by me

domingo, 26 de outubro de 2008

Mudança de hora


Não importa nem um pouco que mudemos a hora, para a frente ou para trás. Ou mesmo que paremos os relógios. Água, areia, aço ou quartzo!
A natureza continuará a encontrar na luz parte da energia que usa para crescer, indiferente aos caprichos do Homem!



By me

Pequenos prazeres





sábado, 25 de outubro de 2008

Sapato na linha


Estar numa estação de caminho de ferro à espera do que há-de chegar é um exercício de paciência. Que pratico com a mesma regularidade com que o meu emprego espera que eu tenha para com ele.
Mas os minutos de impaciência podem ser sempre amenizados com o que nos cerca. Que nem sempre é o que mais nos pode agradar.
Se se tratar de pessoas, estas não estão muito a fim de serem observadas com intensidade por um tipo com ar de suspeito. Não sabem muito bem de quê, mas suspeito até nova indicação.
Sobra assim a linha propriamente dita. E esta é rica em surpresas todos dias. Por que o que por lá se pode ver é de uma heterogeneidade atroz e não creio que haja algum tipo de artigo que por lá não conste, mais aqui ou mais ali.
Desta feita foi um sapato!
Olhando para ele, solitário sem o seu par, meio amassado sabe-se lá por que objecto pesado, muito podemos imaginar da sua história recente, bem como a da dona e de como ela ficou ao ficar sem ele.
Mas hoje não irei encher o vosso olhar leitor com o que eu mesmo imagino em torno desta imagem. Deixo isso ao vosso critério, partilhem-no ou não connosco.


Texto e imagem: by me


Parabéns


sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Outono ventoso


85 anos


O que tem esta imagem de especial? Para já, as metades têm 85 anos de diferença!
A da esquerda é, tanto quanto sei, a mais antiga imagem registada de uma imagem vídeo. Feita em 1923, é uma fotografia de um ecrã de televisão de então, um aparelho experimental como se calcula.
A da direita é um “frame” de um vídeo doméstico, feita dias atrás por uma conhecida.
Em ambos os casos, trata-se de uma imagem de importância relevante, ainda que para universos diferentes.
No primeiro caso para a história da humanidade e dos media, no segundo para uma família em particular. A da esquerda é a imagem de algo novo à época, que não tem parado de crescer e desenvolver-se, a da direita é a imagem de algo novo que tem ainda muito para crescer e se desenvolver.
Mas as semelhanças não terminam aqui. Ambas foram feitas na vertical, ao contrário do que é habitual ver-se em imagens animadas.
Se os motivos que a tal levaram na mais antiga me escapam, suponho que questões técnicas de então, na segunda foi um mero hábito. Porque esta foi registada com recurso a um telemóvel com câmara e foi manuseado na posição habitual de uso de tal aparelho: na vertical.
O que se torna curioso é como é que esta imagem actual e colorida me veio parar às mãos.
Quem fez este vídeo quis envia-lo para a família, bem longe. E dirigiu-se a uma loja onde pediu que fosse transferido para um DVD a fim de poder ser lido num leitor de DVD.
Na loja assim o fizeram e cobraram-lhe dinheiro pelo trabalho. Mas fizeram-no mal, que se limitaram a copiar os ficheiros, sem mais. E nenhum leitor de DVD de sala é capaz de os ler, como a videógrafa constatou. E recorreu aos meus préstimos para o fazer decentemente.
Vi-me, assim, na posse temporária de um conjunto de pequenos vídeos amadores, que transformei a preceito para o suporte desejado. Com a tarefa acrescida de ter que os rodar a todos 90º já que, se assim não o fizesse, teriam os espectadores que se deitarem de lado para os verem direitos.
O trabalho foi entregue com as recomendações de ter um pouco de mais cuidado na próxima “rodagem”
No entanto, este exemplo serviu uma vez mais para mostrar como a tirania dos fabricantes, dos formatos e tecnologias por estes impostas, pode e faz cercear a criatividade de quem comunica, limitando a expressão individual.
Quando a família desta criança vir este vídeo, achará estranho, mesmo incómodo, que as imagens estejam na vertical, com barras negras dos lados. Porque estão, quem o vir, formatadas no 3 por 4 ou no 16 por 9, formatos standard do vídeo.
Há 85 anos atrás, este não era um impedimento. As imagens eram criadas na sequência das experiências que se iam fazendo, sem impedimentos ou limitações que não fossem o descobrir de novas técnicas.
Duvido que sejamos nós, formatados que estamos pelas tiranias dos fabricantes, os mais livres na criatividade e na comunicação!


Texto: by me
Imagem: edit by me


quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Culturas


Não eram particularmente bonitas. Pelo menos pelos nossos padrões Lusos. Mas também não eram feias. Nem pelos nossos padrões nem, suponho, pelos delas.
Irmanadas nos seus metro e sessenta, mais ou menos, diferiam nos volumes, sendo que uma era bem seca de carnes, enquanto que a outra era rechonchuda, sem ser gorda no entanto.
Partilhavam também as roupas modestas, os cabelos longos em trança numa e apanhados na outra, a carteira dependurada a tira-colo e os pensos-rápidos, os Borda d’Água e os calendários, que iam vendendo a quem encontravam no seu périplo pela cidade.
Ninguém duvidaria que se tratavam de duas Romani, ciganas vindas da Roménia.
Uma delas já eu tinha visto por ali, com a curiosidade dos seus vinte anitos e de quem vagueia sem rumo certo. Já tinha parado para ver o que ali acontecia, mas a sua timidez, bem manifesta no seu sorriso nervoso, sempre a arredara da frente da objectiva.
A outra, a mais gordita, ainda não a havia visto. Comunicativa e com um sorriso franco e cativante, logo identificou a sua conterrânea que tenho no expositor. E ainda que tenha tentado convencer a amiga em a acompanhar na experiência fotográfica, acabou por a fazer sozinha. Os pensos e o Borda d’Água ficaram de fora, mas o calendário fez questão de exibir para a posteridade. Talvez por ter a imagem da Senhora de Fátima com os pastorinhos.
Conversa feita, fotografia entregue, risos tidos, pedido de uma segunda, como não poderia deixar de ser, partiram para outras paragens por ali, em busca de alguém que quisesse o seu negócio.
O que me deixou mesmo espantado foi o fecho do episódio.
Antes de se afastar, a retratada quis-me cumprimentar e esticou-me a mão para um quase viril aperto de mão. Que retribui sem mais. E a amiga, que já tinha dado uns passos, voltou atrás para cumprir este ritual que em nada consta das tradições de origem. Que ao que sei, que fui saber para confirmar, por lá e nesta comunidade, contactos físicos entre Romani e não Romani são raros em havendo diferença de género. Mais ainda, se um homem da família não estiver presente.
O que me deixou mesmo boquiaberto foi o seu remate de saudação: levantado a mão, levou-me àquela palmada amigável de palma com palma. Sinal de código de grupo juvenil, em nada relacionado com as suas origens e menos ainda com as nossas diferenças de idade.
Foi toque de cumplicidade, um agradecimento personalizado de alguém que pouco ou nada tem para dar em troca do recebido. E foi também um misturar de culturas, um mostrar conhecer os hábitos locais, ainda que não os certos.
Esta aculturação, e facto de o ter feito, fez com esta fotografia feita no Jardim da Estrela fosse das mais bem pagas que ali tive.
Senti-me honrado com a deferência!


Texto e imagem: by me

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Quão grande pode a prisão ser?


Conheço este cão há, pelo menos, uma semana. Mas duvido que ele me conheça.
É que, em verdade, é difícil conhecer ou reconhecer alguém que mais não é que um espectador anónimo da nossa condição de prisioneiro.
Pelo menos desde que o vi pela primeira vez, ele vagueia pela linha de caminho-de-ferro que serve o meu bairro. Não sei como ele lá foi parar, suspeito que por um qualquer buraco ocasional na vedação. Que toda a linha, no seus quase 30 Km, está vedada, ou bem que com redes, ou bem que com grades, ou ainda com o cimento das plataformas de embarque.
Sei que, a uns 7 ou 8 Km de onde moro, a linha está em obras, pelo que acredito que seja fácil de aí encontrar uma saída. Mas, para tal, há que o saber e ter a determinação de até lá ir. O que não será o caso deste cão.
Vagueia para cima e para baixo na linha, em busca de uma saída e, principalmente, de comida. Que não é habitual encontrar nestes corredores férreos.
Do cimo dos cais, onde esperamos o comboio, os passageiros condoem-se do canito, procurando afasta-lo do trajecto das composições. Mas nenhum de nós salta aquele metro e pouco, atravessa sobre as chulipas e vai agarra-lo para dali o retirar. Para já, porque não creio que se deixasse agarrar assim, sem mais nem menos, por um desconhecido. Depois, porque a nossa pressa em chegar onde quer que seja nos impede de tal acção.
E ele vai definhando, que de cada vez que o vejo está mais magro. Aprendeu, a duras penas, que a forma mais fácil de por ali caminhar é pondo as patas nos blocos de cimentos, que as pedras são aguçadas e magoam. O instinto e o medo fazem-no, sem grande dificuldade, afastar-se do monstro barulhento que por ele passa a cada 15 minutos, horário diurno, para cada lado. E continua a sua caminhada sem fim à vista, cada vez mais vagaroso.
Está este cão num a prisão. Tem trinta quilómetros, é enorme, mas dela não pode ou sabe sair e a ela está condenado por toda a sua vida, que será breve.
Tal como nós estamos condenados a viver na cidade, no país, no planeta em que vivemos. Porque o tamanho da prisão não conta, desde que dela não possamos ou saibamos sair!


Texto e imagem: by me



Gray and pink Fall


terça-feira, 21 de outubro de 2008

Oficial Santa off duty


Cedo ou tarde encontraria um. Foi hoje!
Chama-se Victor, tem 63 anos e fez de tudo um pouco na vida. Actualmente é treinador de atletismo, praticante de triatlo, amante de cicloturismo de longo curso e faz umas perninhas aqui e ali em audiovisuais.
Mas, principalmente, é Pai Natal de serviço na época apropriada.

Talvez que um dia, se nos cruzarmos de novo, o convença a pegar na caneta e pôr por escrito parte daquilo que tem vivido com a pequenada nesse seu papel. Ou a contar-me com mais detalhe aquilo de que me deu um lamiré!
Quem sabe, um dia…


Texto e imagem: by me

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Inna & Roma


Os sentimentos, ainda que genuinos, podem ser reforçados com estimulos externos.
Sabendo isto, da teoria e da prática, crio uma pequena expectativa antes de entregar a fotografia já impressa.
Depois de a retirar da “caixa-mágica”, olho-a por vezes de relance, outras com fingida atenção e, mantendo-a virada para mim e encostada ao peito, lanço uma frase para os que estão ansiosos por a ver. Uma delas é (e não posso aqui revelar todos os meus trunfos) “Se não gostar não leva!” Um pouco na linha que certas lojas e produtos usam: “Satisfação total ou devolução do dinheiro”.
Neste caso, o riso meio da graça, meio do nervoso, manifesta-se e, acto continuo, entrego a fotografia.
Sendo que parte das pessoas esperam uma partida ou equivalente, outros contam com algo de muito má qualidade e outros ainda têm uma péssima opinião sobre si mesmos, a surpresa é em regra agradável, apesar de algumas não serem lá grande coisa como fotografias.
Mas também há quem não goste. E o diga! As mais das vezes, pouco ou nada referente à qualidade da imagem ou da impressão, mas antes referente à pose ou expressão facial. Ou, como não poderia deixar de ser, em relação ao peso, nuns casos que parecem ter muito, noutros o contrário.
Este casal, que reagiu de forma típica durante todo o processo que antecedeu a entrega da fotografia, não gostou. Uma destas pessoas não gostou da sua pose mas, como em 100% dos casos, quis levar a fotografia, sim senhor!
Mas eu é que não gostei do desagrado que ali vi! E como até eram particularmente divertidos e bem-dispostos, mandei as rotinas às urtigas e fiz uma segunda, com a DSLR. Como gosto de fazer, jogando com contra-luz natural e luz frontal difusa.
A opinião mudou por completo e a alegria de terem esta segunda compensou o desgosto face à primeira.
E porque o prometi, aqui fica, ainda que noutro espaço que não o “Oldfashion”. Mas, mesmo que não o tivesse prometido, e desde que não mo interditassem, aqui a poria. Porque também eu gosto dela, pese embora a ausência de sorriso que assumiram, e de que eu tanto estava a gostar.


Texto e imagem: by me

Depois da tempestade



Escolhas e atendimentos


Entrar no café e estenderem-nos a passadeira vermelha, as empregadas saltarem-nos para o colo com beijinhos e a bica ser servida em bandeja de prata, pode ser o sonho de alguns consumidores!
Por mim, basta-me alguma cordialidade, ver um sorriso de quando em vez e, para além da qualidade do que me é entregue, gostar do aspecto geral do estabelecimento.
Mas não gosto, definitivamente, ser tratado com altivez, sentir que ser-me entregue o que irei consumir e pagar é um frete por parte de quem ali trabalha, notar que sou preterido no atendimento em favor de outros clientes chegados ali depois de mim e, estando ao balcão, ver varrer o chão em acto de rotina e os clientes serem enxotados para que tal suceda.

O café da estação do meu bairro é o único a estar aberto ao domingo a partir das treze horas e num raio de uns duzentos ou trezentos metros.
Mas como gosto de ser tratado com cordialidade, até porque esse é o meu comportamento, tratarei de consumir o café do meu vício a caminho da cidade em qualquer outro local: antes de ali chegar ou depois da viagem.
A qualidade dos que nos é vendido e o aspecto do local são importantes. Mas a mais valia de qualquer empresa está, indiscutivelmente, em quem lá trabalha. E se a relação destes com os clientes não é a melhor, tudo o resto passa para segundo plano!


Texto e imagem: by me

domingo, 19 de outubro de 2008

Autoclismos


À saída do trabalho costumo passar pelo sanitário. Lavo as mãos e deixo lá ficar outro tipo de dejectos que, em sentido figurado ou real, lá tenha adquirido. Assim, ao cruzar a cancela de saída, deixo ficar para trás algum do lixo que me tenha contaminado. Nem sempre o consigo, mas tento!
Desta feita encontrei um dos urinóis meio coberto por um papel onde nos informavam que o autoclismo estava avariado.
Tecnicamente falando, não se trata de um autoclismo, com depósito e descarga súbita. É, antes sim, um botão de pressão, cuja força, conjugada com a da água na canalização, regula o fluxo de limpeza.
Pensava eu nisto, frente à loiça do lado, e recordei uma historieta bem velha, com barbas ainda maiores que as minhas.

A Senhora Marquesa vivia num palacete antigo. Nos seus aposentos privados havia um sanitário igualmente antigo, cujo autoclismo era contemporâneo ao edifício. Colocado lá no alto da parede, junto ao teto, era accionado por uma corrente metálica com puxador de loiça decorado a condizer com as restantes da sala.
Acontece que, devido à idade, começou a junta de descarga a ganhar folga e a produzir uns pinguitos não muito simpáticos. Jarbas (nome eterno, junto com Baptista, para mordomo) tratou de telefonar para uma empresa de canalizadores afim de resolveram a questão Com recomendações bem insistentes em que deveriam ser pessoas bem-educadas, já que estariam no interior dos aposentos privados da Senhora Marquesa.
O patrão da oficina escalou os seus dois melhores funcionários para o dia seguinte, acrescentando às instruções recebidas um sério aviso para o caso de não serem respeitadas.
Foram os homens e, no regresso, tinham o patrão à porta, à sua espera, esbracejando, protestando, gritando.
Seus biltres, o que foram fazer!? Jarbas acaba de me telefonar, protestando contra o vosso comportamento, indigno da tarefa e local! Parece que andaram por lá aos gritos e palavrões!
Nós? Nem nada! Correu tudo impecavelmente! "
Pois foi.”, acrescentou o segundo. “O furo reparado, o lixo e a água apanhados… Tudo muito bem feito. Só se foi quando eu estava a segurar a escada para o João tapar a fuga e eu lhe disse para ter mais cuidado, pois havia acabado de deixar cair um pingo de solda no meu olho!

Acreditem! Saí do trabalho muito mais aliviado, bem-disposto, com um sorriso de orelha a orelha!

Texto e imagem: by me


Critérios e adjectivações


Pela certa que o homem sofria de um problema forte!
De manhã entrou no tribunal, conseguiu penetrar numa sala de audiências vazia e sentou-se na cadeira do juiz. Tão ou mais grave (ou desesperado), empunhava um arma que apontava à sua própria cabeça. E assim ficou.
O edifício, depois de dado o alarme, foi evacuado e chamadas as forças policiais empregues em tais circunstâncias: de intervenção pela força e negociadores.
Alguns relatos a que tive acesso na imprensa, dizem que saiu quinze minutos depois do início da intervenção das forças da ordem. Outros falam em trinta minutos. Mas todos são coincidentes em contar que o homem saiu a chorar e que foi levado para um hospital psiquiátrico da zona.
Mas um dos relatos, televisivo, ainda que não fosse ao rigor de enumerar o tempo em minutos exactos, soube enfatizar que foram “longos minutos!”
A história, que prometia sangue, tragédia e dor, acabou de mansinho, sem nada que justificasse adjectivos opinativos, entrevistas especiais ou directos sensacionalistas.
Talvez que este seja um conceito antiquado mas, tanto quanto me é dado saber, continua em vigor a base do jornalismo: contar ou relatar os acontecimentos, respondendo às cinco perguntas de sempre. O quando, o quem, o como, o onde e o porquê.
E deixar para comentadores, opinadores, especialistas e afins o emitir opiniões sobre os factos relatados. Opiniões estas que podem ser mais ou menos científicas, mais ou menos acaloradas, mais ou menos adjectivadas. Porque se trata de opiniões de especialistas.
O jornalista, a menos que assuma outra posição ao falar, deve ater-se aos factos, deixando opiniões, tendências e emoções fora do trabalho. Afinal, trata-se de um profissional, supõe-se!
Mas será que quem dá a cara ou a voz na televisão, ou a pena ou teclado na imprensa, é mesmo um profissional, com códigos de conduta e éticas a respeitar?
Ou serão mercenários da comunicação, vendendo o que fazem em função de critérios editoriais ditados por audiências e tiragens? Ou, pior ainda, por conceitos e abordagens temáticas não confessas?
No caso de alguns jornalistas deste país, não tenho dúvidas na resposta.
Noutros, também não!


Texto e imagem: by me


sábado, 18 de outubro de 2008

Motivos


Vários têm sido os que me questionam sobre os motivos que me levaram a partir para e manter este projecto “Oldfashion”. E o que pretendo com ele.
Sobre as perguntas originais, as que entretanto sobrevieram e as respostas que tenho ou virei a encontrar, mantenho alguma discrição. Se e quando chegar a um fim definido, e se valer a pena a sua divulgação, cá estarei então para isso.
Mas posso dizer que as referências exteriores passaram e passam pelos trabalhos de diversos autores, nem todos directamente ligados à fotografia.
Pese embora possa parecer alguma imodéstia, aqui ficam alguns dos que, pelo que fizeram ou pensaram, me impulsionaram a partir nesta viagem:

August Sander,
A exposição “The family of Man”,
Susan Sontag,
Roland Barthes,
John Berger,
Antoni Tàpies,
Roussado Pinto.

Esta lista, que peca por defeito, deixa de fora inúmeros nomes da fotografia ou do pensamento ligado às artes ou ao conhecimento do Homem e do seu comportamento que, de uma forma ou de outra, me foram provocando e questionando.
Tal como aqueles que, não tendo nome sonante ou obra publicada, me fizeram ou fazem pensar, em tertúlias ou conversas em volta de uns copos.
E uma enorme dose de rebeldia ou contestação, já que este trabalho, do ponto de vista estritamente fotográfico, é a antítese da reportagem ou do caçador de imagens que, com a sua inquietude e itenerância, persegue assuntos e luzes.
Já quanto às questões estéticas, não são, neste caso, uma prioridade que me inquiete.

Texto e imagem: by me

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Grandes e pequenos


Certas conversas ou temas cedo me levam a transforma-las em discussões, acesas e incisivas. Outras vezes, os mesmos temas pouco mais fazem com que eu abandone a argumentação ou mesmo o local, na inutilidade de esgrimir ideias com certas mentes.

Um desses temas é a frase batida “Os sindicatos não prestam!”
Quem assim argumenta, define um sindicato como uma entidade abstracta e autónoma, com vida própria e quiçá personalizada nos seus dirigentes.
Mas aquilo que se esquece quem assim protesta, é que um sindicato mais não é que uma associação de pessoas (as mais das vezes assalariados) que os representa. E que os seus dirigentes são fruto de eleição ou contratação, consoante o país e as suas regras. E que a força de um sindicato é tanto maior ou menor quanto a força que os seus associados lhe derem!

O mesmo se passa com um país. Funciona bem ou mal em conformidade com as atitudes dos seus naturais.
Supondo que se trata de uma democracia (e mesmo que não o seja) os seus governantes são-no porque de alguma forma foram escolhidos e/ou tolerados pelos cidadãos. As decisões e linhas de rumo tomadas pelas cúpulas de um país reflectem, de alguma forma, a maneira de pensar e actuar dos seus eleitores.
Dizer que este ou aquele governante não presta ou que o povo é bera, é uma forma de alijar as responsabilidades que cabem a cada um dos que nele habitam. É passar o ónus da culpa para uma entidade abstracta, dando a entender que quem faz essas afirmações não apenas não é responsável pelo resultado das escolhas do colectivo como ainda que está à parte do povo, não fazendo parte dele.

Na actual fraseologia política, caiu em desuso a expressão “luta de classes” ou a relação “esquerda/direita”.
Fala-se em esquerda moderna, em liberalismo ou neo-liberalismo, em objectivos tendenciais e competitividade.
O conceito de “patronato” e “proletariado”, “classe dominante” e “classe dominada” são hoje “politicamente incorrectos” e poucos são os que os usam.
Em troca nasceram a “sociedade civil”, a “classe política”, os “pequenos empresários”, os “trabalhadores por conta de outrem”…

Mas, na prática, o que mudou foi apenas a nomenclatura.
Continua a existir quem queira mandar e mande e quem seja mandado e isso o permita! Os “grandes” continuam a sê-lo e os “pequenos” são-no cada vez mais.
Mas uma coisa é certa: os grandes só são grandes enquanto os demais estiverem de joelhos.
É que, quando mortos, vamos todos deitados. Excepção feita, que eu saiba, a William Shakespeare, que foi sepultado de pé!


Texto: by me
Imagem: “Nazaré, Portugal”, by Peter Fink, 1954

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Com "F" ou com "Ph"

PrimeiroA coisa começou há muitos anos! Éramos – e eu os compinchas de várias andanças, incluindo a procura de perguntas e respostas – razoavelmente novos.
O caminho que então percorríamos juntos passava também pela fotografia. Partilhávamos os equipamentos, as técnicas, as estéticas os conhecimentos e descobertas que íamos fazendo. E, não sendo nenhum de nós génios, procurávamos também os livros e revistas onde pudéssemos ir beber em mestres o suficiente para os nossos passos.
Estávamos na década, melhor, no decénio de 70, inícios do de 80 e por cá, Portugal, pouca leitura havia em português sobre a matéria. Livros apenas alguns mais antigos, ao estilo de almanaques, e revistas só aquelas efémeras, cuja qualidade e pouca procura faziam morrer pouco depois de nascer.
A solução era, inexoravelmente, recorrer ao que vinha de fora, do Reino Unido, dos EUA, de França. Cada uma destas origens, então como agora, tinha abordagens diferentes às técnicas e estéticas e às soluções. E o hábito de ler, apreciar e mesmo falar ia-se atendo às línguas que praticávamos fotograficamente.
Claro que também contava, face à juventude que tínhamos, o prazer de usar um código semi-hermético aos circundantes, aqueles que não bebiam onde nós nos alimentávamos: o prazer de fazer imagens.
E criou-se a brincadeira, petulante é certo, de dizer que por cá se fazia “Fotografia” e que lá por fora se praticava “Photographia”.
Com o passar dos tempos e as variações de rumos das vidas de cada um, tudo isto se transformou ou diluiu. A literatura e os periódicos em língua portuguesa foram aparecendo, algumas por nós mesmos produzidas, muitas vindas de além-mar. E deixamos de parte a necessidade juvenil da afirmação por códigos e mistérios.
Mas a sensação da diferença entre “fotografia” e “Photographia” ficou. Já não agarrada à tradicional maldicencia sobre tudo o que é português, mas antes para marcar alguma diferença no tipo de imagens produzidas, onde quer que fosse. Diferença esta que não está nas técnicas, nas estéticas ou nas temáticas. Constata-se em cada uma delas e no seu conjunto mas não reside aí.
Está, antes sim, na forma de pensar e de fazer fotografia.




Segundo

A representação pictórica, ou iconográfica, existe desde antes da escrita, com esta tem co-existido e, pela certa, a ela sobreviverá. Porque os códigos alfabéticos, fonéticos, ideográficos ou binários mudam com as civilizações e tecnologias, o que não sucede com o uso das belas-artes. Poderão estas mudar de estilos ou de interpretações, mas perduram.
O comum do ser humano, gregário que é mas igualmente desejoso de marcar a diferença na sociedade em que se insere, procura igualar ou suplantar aqueles que admira e a quem atribui qualidades superiores. Entre outros, os que bem se expressam, seja qual for a arte em causa. E a pintura e representação gráfica é uma delas. Mas ela não é tão simples como parece, já que, além do domínio das técnicas, implica um certo “fogo interior” que na maioria está apagado. Para já não falar na morosidade do processo.
Ao invés, a fotografia é quase imediata, por comparação. E é-o tanto mais quanto as técnicas usadas evoluem. Técnicas estas que, com um domínio não muito aprofundado, permitem obter resultados satisfatórios, não apenas perante a sensibilidade de quem as produz como a aceitação de quem as vê. E os automatismos contemporâneos ainda reforçam este facilitismo no fazer da fotografia.
Se a isto juntarmos o consumismo desenfreado que vamos vivendo e a necessidade de afirmação social mais pela posse de bens que pelo resultado daquilo que se é e se pensa, temos que meio mundo possui e utiliza câmaras fotográficas. E que o outro meio anseia por o ter e fazer.

Mas esta fotografia é feita a correr, oriunda em impulsos de momento, quase que por obrigação. As questões estéticas são ignoradas, dos factores de comunicação nem se desconfia, e com a mesma velocidade com que dispara o obturador, também o seu resultado é esquecido. Tão ou mais grave que isso, a fotografia contemporânea padece da efemeridade, já que o seu apagar ou destruir resulta do uso de uma ou duas teclas na sequencia de sistemas de armazenamento cheios. A mesma ausência de pensar no acto fotográfico conduz a uma ausência de importância no seu resultado. Conservar ou não uma fotografia é uma questão de apetite momentâneo. E já não se usam pastas de arquivo cuidadosamente arrumadas, caixas de sapatos empilhadas ou gavetas repletas de papeis mono ou multi-coloridos que, volte e meia eram remexidos e supostamente organizados.
Some-se a esta pouca importância dada ao pensar a fotografia o seu actual custo zero. Fazer uma fotografia ou dez consecutivas tem o mesmo preço e dá o mesmo trabalho em obter. Que o “rolo” já não chega ao fim e as memórias dos cartões são cada vez maiores.
Nos tempos que correm, a velha frase publicitária “Para mais tarde recordar” deixou de fazer sentido, face ao uso e importância que é dada à fotografia.




Terceiro
Alguns há, no entanto, que assim não procedem.
Ao olharem pelo visor da câmara, ou ainda antes disso, o seu objectivo é o registo permanente daquele jogo de luz e sombras, daquela perspectiva, o contar daquela história, o eternizar daquele momento. E que, em tendo oportunidade para tal, procuram melhorar as suas capacidades de o fazerem, tanto pela prática como pelo estudo de quem o faz ou fez ainda melhor. Em que a afirmação pela fotografia não passa pela competição com os restantes com base no resultado ou na exibição da factura do seu equipamento mas antes consigo mesmo e com o resultado obtido a cada imagem produzida.
E que sabem que esse processo começa com o olhar o assunto e termina com olhar sobre o produto acabado, sendo que tudo o resto que medeia entre um e outro são meras técnicas, mais ou menos dominadas. Na tomada de vista e na selecção e tratamento posterior.
Que sabem e praticam que uma fotrografia é o resultado de um processo mental materializado pela técnica. E que é mais naquele que se preocupam que nesta.

Ao resultado dos trabalhos destes, chamo eu (e mais uns quantos não tão poucos quanto isso) “Photographia”. Para o trabalho dos demais fica o termo genérico de “Fotografia”. Alguns há, ainda, que diferenciam com o uso de maiúsculas e minúsculas, mas o significado é o mesmo.
Nenhum dos dois termos tem mais valor que o outro ou algum deles tem uma carga negativa. Porque, na vida, o que importa é a obtenção da felicidade naquilo que fazemos e nenhum método é universal ou único.
Mas porque não são iguais nem nos processos de obtenção nem nos resultados materiais, identifiquem-se umas e outras imagens e fotografias.
Até porque entre imagens fotográficas e fotografias (com “F” ou com “Ph”) também há diferenças. Mas isso são outros contos!


Texto: by me
Imagens: Me, by a friend, long, long time ago - By me - By me

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Branquinha


Depois da estória contada ontem aqui, fiquei à espera de continuar a ouvir o canito a queixar-se por algum tempo. Contava mesmo ouvi-lo quando chegasse a casa, já tarde na noite.
Admito que, como não o ouvi, não me lembrei e que tal só me voltou a ocorrer quando hoje acordei. Que seria feito dele, que continuava calado?
Quando saí para o café, levei a câmara, pensando em lá regressar. E contei a estória ao balcão. Não voltei!
Fiquei a saber que a Branquinha, assim se chamava, tinha sido roubada. A garotada da rua estava toda em alerta para dar com ela, as mães foram avisadas para o caso de darem com a bichinha, não sei se a polícia terá sido envolvida.
A verdade é que o local é de muito fácil acesso, o animal estava carente de afecto e contacto físico e qualquer um poderia ter feito a coisa.
Não mais ouvirei a Branquinha a queixar-se. Acredito mesmo que deixe de ter motivos para tal. Mas a verdade é que, apesar ou por causa dos lamentos, já lhe tinha criado afecto. Eu e, ao que parece, quase metade da rua.
Para onde quer que tenhas ido, Branquinha, diverte-te e não tenhas uma vida de cão. Mas lembra-te que o teu relacionamento com aqueles que agora te dão de comer e fazem festas começou por um roubo!


Texto e imagem: by me

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O canito


Acordar cedo, pelo menos bem antes da hora marcada no despertador, após uma noite de tarde recolher, não é a melhor forma de iniciar um dia.
E se os impropérios não são proferidos, são pelo menos pensados enquanto se tenta encontrar o motivo de tal madrugar. A par com alguns outros resmungos não muito simpáticos.
O saber que se trata do ladrar de um cão não nos faz, propriamente, ficar a sorrir para vida! Menos ainda se, no lugar de latir for ganir. Que, para além do volume e quantidade, o tom implica um pedido de ajuda, um atestar sofrimento, um protesto contra algo. E nenhum destes é um bom motivo para nos fazer sair dos braços de Morfeu.
Uma hora depois deste acordar ainda o ouvia, tal como o fui ouvindo mesmo sob a água do duche. E ao sair em busca de uma dose de café que me melhorasse o humor, dependurei do ombro a câmara fotográfica. Antes ou depois do estímulo neurológico daria com o auditivo. Foi depois!
Numa primeira cave de um prédio aqui da rua, possuidora de uma varanda/pátio, um canito protestava. Terá sido, provavelmente, o primeiro dia que se viu solitário, da parte de fora das persianas decididamente fechadas, afastado do conforto de uma companhia, materna ou humana que fosse.
E apesar de ter água e comida em recipientes limpos, de uns vizinhos condoídos ou sofredores para lá terem atirado um “Donetes” de chocolate, a frialdade da solidão doía-lhe fundo e fazia-se ouvir. Aliás ainda agora, quatro horas depois do meu acordar intempestivo, ele se faz ouvir, continuando a dar a entender que não entende o que se passa e que não tem nenhum problema nos pulmões.
O facto de o espaço de reclusão ser desnivelado com a rua permitiu-me dar com ele e tentar pela voz acalma-lo. Qual quê?! Nem o meu som nem a minha figura serviram de paliativo ao seu sofrimento, menos ainda a minha objectiva nele atestada.
Fiquei eu com esta fotografia e com a certeza que o cansaço o vencerá hoje e o hábito nos próximos dias.



Texto e imagem: by me

domingo, 12 de outubro de 2008

Aguaceiros? Pois sim!


E, se ao sairdes da cama num inicio de fim-de-semana, constardes que será de aguaceiros, não pondereis seriamente se ficareis em casa ou se saíreis para fotografar. Saí!

Tereis assim oportunidade de retratar:
gente dos oito aos noventa e dois anos,
solitários,
aos pares
ou em grupo,
pais e filhos,
namorados,
primos,
gémeos,
colegas
ou irmanados na mesma limitação,
faladores que nem gralhas
ou surdos-mudos de nascença.

Canalizadores,
esteticistas,
psicólogos,
arquitectos,
diplomatas,
armadores de ferro,
serventes,
estudantes,
reformados,
donas-de-casa,
professores,
operadores de lavandaria,
empregados de escritório,
técnicos de informática,
carpinteiros,
técnicos de elevadores
ou serralheiros mecânicos.

Podereis ainda:
rir e fazer rir,
sonhar e fazer sonhar,
fotografar e serdes fotografado.

Cobrir três dos cinco continentes sem sair do lugar,
escrever, soletrar ou copiar nomes arrevesados,
ter gente a não acreditar na oferta insólita
e outros a querer aproveita-la até à última gota.

Ver passar:
a polícia,
o vendedor de flores,
o de castanhas assadas,
o guarda-jardim,
os que passeiam o cão,
e por eles ser cumprimentado com um da casa.

Ser confidente de uma metade de um arrufo de namorados de longa data e prometer-lhe uma compensação por uma fotografia roubada.
Ver alguém triste e arrancar-lhe um sorriso porque, afinal, não é exactamente como se vê ao espelho.

Não!
Se o fim-de-semana prometer aguaceiros, saí e fotografai!
Não há duas nuvens iguais, tal como não há pessoas iguais nem fotografias iguais.
Mas os sorrisos, esses, provocam sempre o mesmo: outro sorriso.



Texto e imagem: by me

A cereja, perdão, a figura no topo do bolo


Esta fotografia foi feita na montra de um café-pastelaria cá do meu bairro.
Pelos bonecos se deduz que se trata de um bairro suburbano, com uma população jovem e multi-étnica.
No entanto, para que a colecção de figuras estar completa, faltam-lhe alguns elementos. Para já, o par branco e negro mas ao contrário. Porque as alternativas ou combinações possíveis e que se constatam por aqui não são apenas estas mas também o seu oposto.
E, por outro lado, as alternativas mono ou multi-étnicas mas do mesmo género, ou seja, de homossexuais, masculinos ou femininos.
O desejo de aqui ver essas figuras é bem mais que a vontade de que todos possam fazer com a sua vida, incluindo celebrações, o que muito bem entenderem. Nem mesmo é uma utopia!
Há coisa de uns dois anos, ali para os lados do bairro de Benfica, em Lisboa, dei com uma pequena e velha loja da especialidade onde todas as opções de figuras de casamento constavam na montra. Todas! Sem que alguma ficasse em evidencia ou escondida.
Na altura não tinha comigo a câmara fotográfica (pecado do qual já me penitenciei por diversas vezes). Quando, meses depois lá voltei com o firme intuito de fotografar a montra ou, se possível, os bonecos em melhores condições de luz e perspectiva, após conversa com quem ali trabalhasse, não dei com a loja. Perguntando em redor, soube que tinha fechado de vez.
Pergunto-me hoje, tal como então, se este fechar de um comércio que não tem preconceitos rácicos ou homofóbicos, terá sido natural.
Ou antes consequência de pressões de quem tem poder para tal e que pratique a velha máxima: “Vícios privados, públicas virtudes!” Mas que igualmente gosta de intervir, legislando ou impedindo-o, na vida privada dos cidadãos, coertando-lhes o acesso aos direitos não apenas naturais como constitucionais.
O que se passou no parlamento português, com os sentidos de voto e as imposições de disciplina partidária, aquando da discussão e votação de uma lei que permitisse o casamento entre pessoas do mesmo sexo, foi uma vergonha! Uma hipocrisia ainda mais acentuada quanto os nossos governantes, acólitos e legisladores querem Portugal na vanguarda da tecnologia, entre os países ditos desenvolvidos.
Vergonha e hipocrisia que mais vale esconderem sob um manto pudico e, rapidamente, resolver a coisa de outro modo. Para que possamos dizer que neste país a Liberdade é um facto prático e não apenas de retórica.

Para os que comprarem estas figuras, ou procurarem as que aqui estão em falta, os meus melhores votos de felicidades e que os deuses vos acompanhem!


Texto e imagem: by me

Sai sempre


No café da minha rua há um “Sai sempre”!
Trata-se de uma maquineta onde se introduz uma moeda de 50 cêntimos, roda-se o manípulo e obtemos uma bolinha minúscula transparente com um papelinho dentro. Dependendo do número neste inscrito, assim se é o feliz contemplado com este prémio ou aquele prémio. E porque há sempre um, “Sai sempre!”
Que se desenganem os incautos! Este entretém existe para que os promotores do jogo ganhem dinheiro e não os jogadores.
Assim, os prémios estão exibidos na parede, presos com um elástico a uma placa, (tal como estavam, há 40 anos, os cobiçados canivetes na venda na aldeia de meus avós). Em cada prémio está um número e é ver os jogadores, seja qual for a idade, a olhar para o papelucho na bolita e para a parede, tentado descortinar o que lhes coube em sorte.
Claro que na parede não consta qual a proporção de cada prémio dentro da traquitana e a maioria das vezes o que se recebe é um chupa-chupa ou um lápis. Terá sorte quem receber uma esferográfica. Sorte mesmo, da grande, é ter direito a um dos outros ali mostrados: relógio, de mesa ou de pulso, calculadora, caneta decorativa ou lanterna. O prémio grande, está bem de ver, é o skate, ainda por cima decorado com cores e marca do Benfica. E “Como quem não é do Benfica não é bom chefe de família”, muitos são os adultos que vão deixando as suas moedinhas na vã esperança que sorte ali lhes sorria como não o faz noutras circunstâncias.
E se os adultos o fazem, as crianças não lhes ficam atrás, chateando, pedindo, implorando por uma moedinha.

Pode ser que tenha sorte, vá lá!
Até pode ser que me saia a lanterna! Vá lá! Posso? Posso?

Pois é! Mais importante que as cores do Benfica, que o relógio, algoz inflexível da hora de deitar e acordar, que a calculadora a recordar as contas ou a caneta grande a lembrar as cópias, os ditados e os erros, mais que tudo isto é a lanterna o prémio cobiçado pela pequenada!
Que a noite é sombria e o foco na mão permite desvendar os mistérios sob os lençóis ou atrás do armário.
Sai sempre, mas a lanterna só aos sortudos!

(Nota extra: do meu cinto estão dependurados quatro estojos. Um contém uma câmara fotográfica, outro um Zippo, outro ainda uma lanterna, e finalmente um canivete. De crescido mesmo, creio que só tenho a barba e a barriga!)


Texto e imagem: by me

sábado, 11 de outubro de 2008

Two readings!


Sometimes is not easy!
This is the ground where I stand during the afternoons, on my “Oldfashion” Project.
And I found this: a hole in the pavement, done by a mushroom growing from the underground. It has almost 15 cm wide!
And in my mind I got this: “Does mankind will survive? No! Fungus will!
While I was trying to get my camera and do some pictures of it, my phone rung. It was a very dear old friend, a master from who I learn a lot in the business of picture doing.
After some years of a disturbing and complex life, he finally got a steady job and was asking for my humble help with it. I couldn’t be happier! For him!
Even if the afternoon has been gray, with no “clients” until then, I earn my day with this news!
And the hole in ground became, instead:
It doesn’t matter what we do with it!! Life goes on and will grow!"


Texto e imagem: by me

A bandeira negra


Na minha janela encontra-se uma bandeira negra!
Está ali desde o ultimo evento futebolístico internacional, em que não havia cão nem gato que não hasteasse a bandeira nacional em honra do futebol luso.
Eu, que não ligo à bola e que entendo por uma pobreza de espírito o exaltar as cores nacionais seja por que motivo for e mais ainda pelo futebol, resolvi exibir esta. Como símbolo de luto pelos meus concidadãos.
Claro está que se tratou de uma provocação a quem na rua passasse. Provocação quase inconsequente, já que, e para além das explicações que eu ia dando sem que mas pedissem, nenhum outro comentário ou pergunta ouvi. Até ontem!

No subir do elevador e já tarde na noite, questiona-me o meu vizinho de baixo, ainda que com o argumento que a curiosidade era da sua mulher e que não entendia porque o vizinho de barbas grandes e brancas tinha uma bandeira negra na janela, mesmo por cima da dela. Disse-lhe os motivos e, ao mesmo tempo que lhos ia descrevendo na brevidade da ascensão, ia vendo o seu semblante assumir as cores da pátria. Porque ele tinha sido um dos que tinha, levado pelo entusiasmo absurdo, hasteado uma bandeira, por sinal com pagodes no lugar de castelos. E foi com um sorriso tão amarelo quanto o da esfera armilar que se despediu de mim no piso onde reside.

Há umas duas ou três semanas que andava a dizer, de mim para mim, que estava na hora de a retirar que, tendo sido feita a correr e recorrendo ao que dispunha então em casa, pouco mais durará, menos ainda ao Inverno que se aproxima.
Mas se consegui que a provocação levasse a uma pergunta que fosse, então não está tudo perdido. Que por ai ainda flamulam alguns verdes e vermelhos.
Está na hora de arrear esta, feita de flanela que usava como fundos de fotografia e fazer subir uma feita de cetim e bem dependurada da janela.
Com um pouco de sorte talvez ainda oiça mais umas perguntas. E possa recolher à cama com a sensação de vitória.
Ainda que negra!



Texto e imagem: by me

Tiranias e violentações


São as novas tiranias! Aquelas que as tecnologias permitem e os brandos costumes somadas com o “come-e-cala” consentem!
Começam agora a surgir em alguns táxis da capital uns pequenos ecrãs de imagem electrónica. Não lhes chamo de “TV” porque não creio que estejam ligados a uma estação emissora. Não lhes chamo de computador porque não creio que isso esteja instalado na viatura. Estou em crer que lêem e o repetem um qualquer ficheiro de vídeo e áudio arquivado no aparelho e que, de tempos a tempos, seja substituído.
Em qualquer dos casos, o referido ecrã está instalado como aqui o vêem, no encosto de cabeça do passageiro da frente e virado para o que vai atrás, onde viajam a esmagadora maioria dos passageiros.
Encontra-se, assim, a uns escassos 50 cm do nariz de quem ali está e, tendo o tamanho que tem acrescido do volume da almofada, impedindo quase totalmente a visibilidade para a frente de quem se sente e use o cinto de segurança.
Pior, bem pior: é praticamente impossível não ver o que ali é exibido, mesmo que não se queira. Há que fazer um esforço bem significativo para prender a atenção visual em qualquer outra coisa que não aquilo.
Assim, os conteúdos ali expostos são impingidos pelos olhos dentro de quem tiver a infelicidade de naquele carro se sentar. Recorda-me, sem grande esforço, a parte final do filme “Laranja mecânica”, em que o principal personagem é obrigado a ver extractos de filmes, com a cabeça amarrada, as pálpebras abertas com pinças e uma enfermeira dedicada e humedecer o globo ocular!
É que à restante publicidade e afins ainda podemos contrapor a nossa recusa, quer seja a impressa e distribuída à mão ou no correio, quer seja a colocada nos cartazes de rua quer seja mesmo a que é entremeada por programas de TV, ditos de entretenimento. O mesmo se pode dizer daquilo a que chamam de “informação”, com ou sem responsabilidade editorial atribuída (
veja-se este post). Sempre podemos sair da sala, virar a cara ou, em ultimo ou primeiro recurso, desligar ou mudar de canal.
Neste caso quase não podemos desviar os olhos nem podemos desligar a traquitana, porque o botão não existe ali, ao nosso alcance. E os protestos dos motoristas de táxi nem sempre são os mais cordatos em ouvir nem os mais recomendáveis para ouvidos sensíveis ou crianças!
Mas se sair do táxi depois de este estar em andamento é complicado, constatar a presença do aparelhometro de tortura aquando da entrada e recusar ser-se transportado por esta viatura já é exequível. E, com isto, protegermo-nos desta agressão mental. E legal, suponho.
Mas como esta atitude, tal como muitas outras equivalente, implica trabalho, quiçá alguma discussão com o taxista, bem como o ter que esperar por outro táxi que passe na altura no local, acredito que a maioria dos transportados tenha um comportamento comum: não gostar mas encolher os ombros com o conformismo que por cá grassa.
Que eu não subscrevo nem pratico!


Texto e imagem: by me







sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Música nas Praças


Foi em 1994.
Um incêndio destruiu o Teatro do Liceu, nas Ramblas de Barcelona.
Cinco anos depois reabria as suas portas, reconstruído de raiz como cópia fiel do que fora. Aproveitaram a fachada e introduziram a tecnologia actual no seu funcionamento interno. Para tal, juntaram-se boas vontades, instituições públicas e privadas, subsídios e mecenatos.
Acontece que, enquanto decorreram as obras, a actividade cultural do local não esteve parada!
No espaço pedonal das Ramblas, mesmo em frente à fachada entaipada, e desde que as condições atmosféricas o permitissem, todos os sábados, a meio do dia, ali houve um concerto. Do belo-canto ao rock, do folklore ao jazz, com vozes ou apenas instrumentais, a música ali estava para quem dela quisesse desfrutar. Completamente grátis e tendo por lotação o espeço público. Que enchia!
Sendo que por lá fui por diversas vezes, foi possível constatar que os que ali abancavam para deliciar os ouvidos eram, na sua grande maioria, autóctones. Os Barceloneses não deixavam por mãos alheias a cultura e compareciam. Diria eu que 75% dos presentes eram ali residentes.
Tão ou mais curioso que esta adesão popular é que o programa de cada sábado não estava disponível ao público em geral, pelo que quem lá ia esperava também ser surpreendido com o que ia ouvir. Nos jornais, televisões ou rádios, nada constava. Mas o espaço enchia!
Por cá… Bem, por cá no passado sábado aconteceu um evento musical inédito, intitulado “Música nas Praças”. A Orquestra Metropolitana de Lisboa saiu à rua e foi fazer aquilo que bem sabe: tocar. Para quem quisesse ouvir, em diversas praças e espaço públicos da baixa de Lisboa. De borla e com uma única limitação feita, em função do espaço disponível na apresentação nocturna, nas Ruínas do Convento do Carmo.
Soube eu deste evento por uma panfleto distribuído numa loja de “fast-food”. Sendo que estaria a trabalhar no dia e nas horas previstas, fiz parte daqueles que não compareceram. Mas fiz questão que as TV’s cá do burgo dele soubessem e que, se o entendessem, o divulgassem.
Não entenderam e não divulgaram. Nem mesmo uma reportagenzita de nadica!
Talvez que estes exemplos e respectiva comparação expliquem o meu desejo profundo e antigo de migrar de vez para Barcelona.


Texto: by me
Imagem: panfleto divulgador

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Amor sem barreiras


No café aqui da rua, cada mesa tem as suas características próprias.
Umas são bem no meio da sala, a meia distancia de tudo (balcão, sanitário, maquina de cigarros). Outras localizam-se junto às janelas, com o que isso implica de jorros de luz e de vista sobre o que acontece na rua. Mas esta é única! Perto da porta e do balcão, recebe o ar da rua, quente ou frio, dependendo da estação.
É o local predilecto de algumas pessoas, a ponto de, em estando ocupada quando chegam, mudarem-se para ela em vagando. Recordo, assim de repente, um velhote que ali vai ao cafezinho e bolo que a usa a meias com um cãozinho quase de bolso, pachola e divertido. Sentam-se cada um na sua cadeira, o maior bebendo o café e comendo metade do que encomenda, que o partilha com o canito.
Claro que estas escolhas de mesa foram bem alteradas com as regras de fumadores/não fumadores. Sendo que este estabelecimento não tem zona de fumadores, as escolhas mudaram um pouco, sendo mais frequente os que chegam e consomem ao balcão, rapidamente, para depois passarem para soleira da porta para o cigarrito da consolação.
Caso mais raro, eu diria que único, é o de uma senhora, que por sinal, até reside no meu prédio.
Chega ela e o companheiro. Pedem um café para ele, uma italiana para ela. Mas, enquanto ele fica ali, encostado ao balcão/vitrine, bebericando da chávena, ela pega nesta e vai para o pequeno patamar da entrada. E faz aquilo que apetece a muitos de nós, que é partilhar a bica com um cigarro. E que é raro ver quem o faça, não sei se por vergonha, se por hábito se por pressa.
E é tanto mais curioso observar este casal quanto, além de novos na rua, têm origens bem diferentes e provocam alguma maldicência de coscuvilhice.
Ambos já na casa dos quarentas, ele com a cabeça à moda, completamente rapada, com uma barriga que ainda tem que crescer um bom bocado para chegar aos níveis da minha. Ela esguia, loira, com aspecto e sotaque de quem vem do leste europeu, suspeito que Ucrânia ou Rússia.
A sua ida ao café é sinal da primeira saída de casa, juntos e de mãos dadas com também é raro de ver. Tal com é raro de sentir o muito forte aroma de colónia ou aftershave que ele deixa ao estar ou passar.
Mas parecem tão bem um com o outro, tão felizes, que o olhar que deitei a quem trabalha no café quando fez um comentário ácido sobre aquele relacionamento esfriou por completo a vontade de os repetir.
Esta mesa, só de duas cadeiras, mesmo à entrada do café e a receber este solzinho outonal agradável está feita mesmo para eles, que poderiam ficar um com o outro no meio da multidão.
E quando os vejo a afastarem-se, de mãos tão dadas quanto à chegada, fico satisfeito por continuar a ver que os afectos continuam a não ter barreiras de idades ou origens e de continuarem de orelhas moucas aos preconceitos dos demais!



Texto e imagem: by me

O paisano


Não ando dentro da lei nem à margem dela. Prefiro mesmo ignorar a sua existência, já que o simples facto de haver lei implica o espartilho de quem queira pensar ou agir diferentemente.
Em qualquer dos casos, quem quer que me conheça um pouco sabe que, em regra, não ajo muito fora dela. Pelo menos não mais que o comum dos cidadãos e naquilo que é público.
Isto não implica, no entanto, que não conheça quem ande fora dela, assumidamente. Alguns a quem se pode chamar de criminosos, outros que andam lá perto. E é fantástico o constatar o que se consegue obter (bens ou serviços) conhecendo as pessoas certas e fornecendo o incentivo adequado. Que nem sempre se traduz em dinheiro, entenda-se! E estamos, ou estou, sempre a descobrir novos contactos em áreas cinzentas ou mesmo negras.

Um destes dias dei com um colega com “baixo astral”. Eu diria mesmo que estava “mais por baixo que barriga de jacaré”! Tratava-se de questões de trabalho e, em parte, a razão assistia-lhe.
Depois de ventilarmos o problema, propus-lhe umas risadas, que aceitou. E levei-o a ver parte do espaço que ocupo na web, em particular o “Wheelsversuslegs”, onde exibo fotografias das viaturas que me obrigam a desviar para o asfalto por estarem estacionadas nas zonas reservadas a peões. E onde ponho em evidência a matricula e cito o local e a data. Afinal, para mais alguma coisa há-de servir a câmara fotográfica que também faz chamadas telefónicas!
A dado passo, à medida que ia vendo os carros ali exibidos, exclama:
Eh pah! Este é da bófia!
Como assim?”, perguntei.
É da bófia e da secção de combate ao narcotráfico! Nós, lá no bairro, conhecemo-los bem, pelos modelos e matriculas. Nenhum deles consegue lá entrar sem que toda a gente o saiba.
Este meu companheiro não reside no meu bairro. Em boa verdade, não sei onde mora, mas sei que não é lá para as minhas bandas.
Seja como for, fiquei a conhecer esta outra faceta de quem comigo partilha quase metade do dia. Do que sabe, do que faz e de com quem convive.
Qual é a matricula e o modelo? Não estão à espera, certamente, que aqui o diga. Ou mesmo que confirme ou desminta tê-la já apagado do referido blog. Ou sequer que esta imagem a ele se refira!
Não sou um seguidor da lei nem um defensor de viver à sua margem. Mas se temos que viver com ela e com quem dela se afasta, então é de bom tom manter um relacionamento saudável com ambas as partes, tentando disso tirar o proveito possível. Que nunca se sabe se, um dia, terei que procurar um refúgio, algures no interior de um bairro que desconheço.


Texto e imagem: by me

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Um post de M...


Já passou a fronteira dos trinta! Foi mãe há pouco tempo e, como acontece com algumas mulheres, ficou ainda mais bonita.
É simpatiquíssima, teve uma vivência na sua juventude (onde acaba a idade da juventude nos tempos que correm?) bem rica e multicultural, o que lhe permite, mesmo que não fosse de raiz, ter uma visão do mundo e da vida bem, mais alargada que o comum dos seus conterrâneos.
Conheço-a aqui da rua e, em regra, encontro-a no café, quando calha. E sei que está no seu interior porque, preso na porta, do lado de fora, fica o seu cachorro, tão calmo e pachorrento quanto a dona.
Quando acontece encontrarmo-nos, as nossas conversas são bem agradáveis, versando assuntos dos mais variados matizes, da tecnologia à mística, da sociedade à fotografia, da política à natureza. Partilhamos admiração pelos nossos ancestrais nos mesmos pontos, ainda que a sua abordagem seja bem mais espiritual que a minha, histórica.
Apesar de tudo isto e de partilharmos igualmente ideais sobre ecologia e conservação da natureza, não tem nenhum pejo em deixar que o seu cão, à trela, deixe os seus dejectos no passeio, por onde todos andamos. Mais, assume-o com naturalidade, dizendo que ele (o cão) não gosta de fazer onde os demais fazem e, após o alívio canino, continua o seu passeio. Deixando para trás onde quer que tenha sido, as “prendas” animais. Mesmo que fiquem rigorosamente no caminho dos outros passantes!

Ser coerente é algo que dá trabalho! Há que pensar, conciliar ideias e ideais e agir em conformidade, mesmo que isso implique gestos e palavras trabalhosas, relacionamentos nem sempre os mais cordiais ou actividades não muito simpáticas, como sejam o recolher as bostas do cão de estimação.
Nem sempre temos surpresas agradáveis por parte de quem estimamos ou admiramos!

E se este é um post de M…., foi ela mesmo, a M… que o provocou!


Texto e imagem: by me