domingo, 26 de janeiro de 2025

Boa ou má




Tenho para mim que não há boas ou más fotografias.
O conceito de bom e de mau é um conceito social que, muitas vezes, entra em conflito com as opções de quem fotografa.
Pior: Limita quem fotografa a fazer o seu trabalho pela opinião da sociedade, deixando para trás, tantas vezes, a sua própria capacidade de inovar e criar.
Entendo que uma fotografia é boa quando consegue satisfazer o seu autor. Quando ele olha para ela e se revê no que nela “lê” e sente. Isto é uma boa fotografia!
A partir daqui entra em campo a questão do gosto dos demais e da eficácia da comunicação.
Se a fotografia agrada à maioria leva o carimbo de boa. Se também agrada aos especialistas será excelente.
Mas, e antes de mais, a fotografia, o trabalho realizado que transformou aquilo que foi visto e sentido naquilo que o fotógrafo entende por um equivalente fotográfico, tem que agradar ao seu autor.
Claro que a fotografia também é uma forma de comunicação. Por isso existem os livros, as galerias, os álbuns, os grupos. As mais das vezes fotografa-se para outros vejam e sintam o que o fotógrafo viu e sentiu.
E quando tal acontece, a fotografia é eficaz na sua função de comunicar.

Mas também sabemos que comunicar, mesmo que com fotografia, implica o partilhar de códigos comuns. Tal como a escrita. Ou a música. Ou a escultura. Se quem o vê não entender os códigos usados por quem o fez, a ponte da comunicação não existe.
Daí que exista uma tendência generalizada em fotografar usando de códigos (técnicas e estéticas) que sejam do entendimento generalizado dos destinatários. Algum tipo de formalidade no fazer de fotografia.
Esta formalidade, este usar de códigos generalizados na fotografia, acaba por fechar portas à capacidade que cada um possa ter de se satisfazer com o que faz sem pensar nos outros. Acaba por limitar a criatividade absoluta, obrigando a criar de acordo com os códigos instituídos.
Mais do mesmo, portanto!

Claro que os chamados “profissionais” a isso são obrigados. Têm que agradar aos clientes!
A sua principal preocupação, ao fotografar, é que os sentimentos expressos nas fotografias que fazem, se alguns, sejam entendidos por quem lhes paga o trabalho. Que é isso que deles se espera.
Se a gestão do espaço e dos elementos nele (composição), se a nitidez ou as relações entre o claro e o escuro não estiverem de acordo com a técnica e estética em vigor (os códigos de comunicação) dificilmente será vendida. Quer seja uma fotografia de um acontecimento social, uma reportagem de guerra, paisagem ou vida animal. Não aparecerá numa revista ou jornal, ninguém a verá num cartaz publicitário nem constará no álbum de casamento.

Será uma necessidade do fotógrafo definir aquilo que lhe agrada e aquilo que agrada ao consumidor. E ter a coragem de o assumir.

Nunca disse a um aluno ou formando “Essa fotografia é má!”
O mais que fiz foi dizer-lhe “Não gosto” ou “Não entendo”. E, acto continuo, pedir que ma explicasse, que sobre ela discorresse em voz alta. E que me dissesse se ela correspondia ao objectivo a que se tinha proposto. E se esse objectivo era pessoal ou comunicação de massas.
A classificação de boa ou má seria a dele, de acordo com isso e com a conversa.

Que o mais importante é a satisfação do próprio. O resto é socialização. 

By me

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Retrato de una desconhecida




Tinha saído de casa com este espelho no saco para o partir e fazer uma paródia fotográfica sobre a sexta-feira 13 e as demais coisas do azar.

Mas antes de o fazer surgiu junto à minha câmara á-lá-minuta esta jovem senhora com quem estive um pedaço de conversa. E pedi-lhe para fazer algumas fotografias com a minha DSLR, uma Pentax K7. Acedeu.

Não sou muito de fazer retratos, de sugerir a frontalidade para a câmara e menos ainda de pedir para sorrir, pelo que a deixei livre nos seus pensamentos e poses.

Depois de algumas abordagens menos convencionais, lembrei-me do espelho que tinha no saco e entreguei-lho, pedindo que se entretivesse com ele. Este foi um dos resultados.

É espantoso como como as pessoas se esquecem da presença da câmara quando têm nas mãos um espelho. Em particular as senhoras. Entram num outro mundo muito seu, numa outra realidade, dialogando com quem vêem na superfície espelhada e não com quem está atrás da câmara.

Já o fotógrafo, se tiver sorte e a luz ajudar, pode passar para além do visível (pele ou vidro) e criar emoções ou sentimentos que vão bem para além do explícito e encontrar implícitos que talvez nunca tenham estado ali.

 

Pentax K7, Sigma 70-300


By me

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Na Rua do Benformoso




Com a idade que tenho, a que se soma a minha curiosidade, acabo por ter histórias ou episódios que aconteceram um pouco por toda a cidade: Lisboa.

E como agora está “na berra” a Rua do Benformoso, aqui fica uma situação aí vivida, há coisa de meio século.

A minha namorada era adolescente como eu. Aliás, frequentávamos o mesmo liceu, coisa impossível um ano e tal antes, época em que o ensino era separado para rapazes e raparigas.

Pois esta minha namorada tinha uma madrinha, já bem idosa. E era quase que obrigação a afilhada visitar a madrinha com alguma regularidade. E, para visitar a madrinha, havia que ter um pouco mais de cuidado com as roupas e as conversas. E nem pensar a afilhada usar calças na sua presença. Que madrinha é madrinha e o respeitinho é muito bonito.

Vivia a boa da senhora num rés-do-chão de uma casa modesta e pequena na Rua do Benformoso. Rua estreita, de prédios velhos, que começava (e começa) na Praça do Martim Moniz e terminava (e termina) no Largo do Intendente. Nem o princípio nem o fim, principalmente este, eram zonas que se recomendassem. Com negócios de contrabando e artigos de origem duvidosa no seu início e tascos, pensões e prostituição no seu fim. Claro que não se pode generalizar estes atributos por todos os que ali viviam ou frequentavam, que boa gente por ali havia naturalmente, mas soqueiras e ponta-e-mola ou faca na liga eram o pão-nosso-de-cada-dia.

Pois um dia fui formalmente convidado para ir conhecer a madrinha da minha namorada. Uma espécie de apresentação formal à família e mais importante que conhecer os pais, que eu já conhecia. A aprovação da minha pessoa pela madrinha era a aprovação do namoro.

E eu lá fui, tendo cuidado com o que vestia, mas sem fato ou gravata. Que naquela época era sinal de ser do reviralho.

Admitido na casa, modesta que era mas imaculada e cheia de bric-á-braque por tudo quanto é lado, não faltando um santinho com candeia acesa e um canito de loiça, fui conduzido à sala. E convidado a sentar-me numa cadeira de braços almofadada, a única, de costas para a janela mas de frente para o televisor. A que não faltava o naperon em croché com uma jarra com flores em cima.

A certa altura a boa da senhora, creio que para ajudar a quebrar o gelo, sugeriu que eu pegasse num cinzeiro de loiça que ali estava. Qualquer um, disse ela. E eram muitos. Em seguida pediu-me que o virasse (estava vazio, claro) e que visse o que estava escrito. Se bem me recordo das palavras, constava nele “Este cinzeiro foi surripiado do restaurante qualquer-coisa”.

Achei estranho, mas ela continuou, fazendo-me ver o que constava noutro, e noutro, e noutro ainda. Em seguida os pratos, decorados ou de mesa. Em todos eles havia algo de semelhante escrito.

Contou-me então que era hábito trazer-se uma recordação dos restaurantes ou pensões por onde se passava e que os donos mandavam escrever aquilo para tentar dissuadir, pela vergonha, o surripanço.

E toda a decoração daquela sala, a sala da madrinha, tinha essa origem. Por isso serem desirmanadas e de estilos tão díspares todas aquelas peças.

Se a memória me não falha voltei a casa da madrinha talvez duas vezes. Que as visitas seria uma vez por mês ou a cada seis semanas e eu nem sempre podia ou queria. Quando o namoro terminou não senti falta da madrinha, dos seus troféus ou da rua do Benformoso.

Quanto aos cinzeiros... Hoje em dia o que não falta são lojas de recordações.

 

Pentax K1 mkII, SMC Pentax-m Macro 50mm 1:4


By me

Equivalências




Aparentemente pesa sobre Miguel Arruda, deputado à Assembleia da República pelo partido Chega, a suspeita de ter furtado malas nos aeroportos de Lisboa e de Ponta Delgada.

Para poder ser interrogado e, eventualmente, julgado terá que ser levantada a imunidade parlamentar que o protege.

Mas não deve este deputado açoreano ter receios. A menos que existam dois pesos e duas medidas, o seu futuro político está assegurado.

Como precedente, veja-se o que sucedeu com Ricardo Rodrigues, então deputado à Assembleia da República pelo Partido Socialista, acusado de ter furtado dois gravadores de som durante uma entrevista a um jornal e sob o olhar irrefutavel da câmara de vídeo desse jornal. Três anos depois e passada que foi a agitação mediática e política, regressou à terra natal e foi eleito por duas vezes presidente da câmara de Vila Franca do Campo.

O problema não está na integridade dos políticos: está na parvoeira de quem os elege.


By me

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Verso e reverso



 

Sabemos que a imagem é rainha nos tempos de hoje. Talvez mesmo imperatriz.

Mais ainda: sabemos que a imagem – com os seus significados e significantes – é bem mais antiga que a escrita, e que nós hoje quase que veneramos essas antiguidades.

Mas a história da imagem não é nem linear nem pacífica. O seu peso mágico ou místico nas diversas culturas foi variando com os tempos. Tal como as associações que cada uma e cada individuo fazia ou faz à imagem ou ao que ela representa.

Antes de endeusarmos a imagem nos tempos que correm, talvez seja útil termos uma ideia do que ela foi no passado.

Aqui, uma transcrição de parte do artigo sobre “iconoclastia” retirado da Wikipédia (que vale o que vale mas pode servir de pista para outros estudos ou cogitações).

 

Iconoclastia ou Iconoclasmo (do grego εικών, transl. eikon, "ícone", imagem, e κλαστειν, transl. klastein, "quebrar", portando "quebrador de imagem") foi um movimento político-religioso contra a veneração de ícones e imagens religiosas no Império Bizantino que começou no início do século VIII e perdurou até ao século IX.

Os iconoclastas acreditavam que as imagens sacras seriam ídolos, e a veneração e o culto de ícones por conseqüência, - idolatria.

Em oposição a iconoclastia existe a iconodulia ou iconofilia (do grego que significa "venerador de imagem"), ao qual defende o uso de imagens religiosas, "não por crer que lhes seja inerente alguma divindade ou poder que justifique tal culto, ou porque se deva pedir alguma coisa a essas imagens ou depositar confiança nelas como antigamente faziam os pagãos, que punham sua esperança nos ídolos [cf. Sl 135, 15-17], mas porque a honra prestada a elas se refere aos protótipos que representam, de modo que, por meio das imagens que beijamos e diante das quais nos descobrimos e prostamos, adoramos a Cristo e veneramos os santos cuja semelhança apresentam.

Em 730, o imperador Leão III, o Isáurio proibiu a veneração de ícones. O resultado foi a destruição de milhares de ícones pelos iconoclastas, bem como mosaicos, afrescos, estátuas de santos, pinturas, ornamentos nos altares de igrejas, livros com gravuras e inumeráveis obras de arte. O iconoclasmo foi oficialmente reconhecida pelo Concílio de Hieria de 754, apoiado pelo imperador Constantino V e os iconófilos severamente combatidos, especialmente os monges. O concílio não teve a participação da Igreja Ocidental e foi desaprovado pelos papas, provocando um novo cisma. Posteriormente a imperatriz Irene, viúva de Leão IV, o Cazar, em 787 convocou o Segundo Concílio de Niceia, que aprovou o dogma da veneração dos ícones, e recuperou a união com a Igreja Ocidental. Os imperadores que governaram após ela – Nicéforo I e Miguel I Rangabe – seguiram com a veneração. No entanto, a derrota de Miguel I na guerra contra os búlgaros em 813, levou ao trono Leão V, o Arménio, que renovou a iconoclastia.

Durante a regência da imperatriz Teodora, o iconoclasta patriarca de Constantinopla João VII foi deposto, e em seu lugar erguido o defensor da veneração Metódio I. Sob a sua presidência em 843, ocorreu outro concílio, que aprovou e subscreveu todas as definições do Segundo Concílio de Niceia e novamente excomungou os iconoclastas. Ao mesmo tempo foi definido (em 11 de março, data da reunião do concílio em 843) a proclamação da memória eterna da ortodoxia e o anatematismo contra os hereges, ainda realizada na Igreja Ortodoxa atualmente como o "Domingo da Ortodoxia" (ou "Triunfo da Ortodoxia").

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Ao colocarmos hoje no lugar de quase deus a actividade que fazemos (imagem, fotografia), convém que tenhamos a noção que tudo isso já foi pensado pelos antigos e que o verso e o reverso já foi ponderado.

Talvez que o problema da actual sociedade de informação (imagem incluída) seja a dificuldade de criarmos algum pensamento realmente original.

 

By me

domingo, 12 de janeiro de 2025

Dúvidas




E a pergunta é:

O que estarão eles a fotografar?

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


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quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

identidades




Ficam, uma vez mais, o mesmo tipo de testemunhos de gente que em momentos de desespero têm que abandonar tudo. Ou que lamentam não ter podido salvar.

Em tendo que escolher o que salvar, uma das primeiras opções são fotografias. Em paralelo com documentos.

Ouvimos isto de quem foge de incêndios devastadores na europa, na américa, na oceania. E de quem arrisca a vida atravessando oceanos, fugindo de guerras ou fome.

Quem somos e de onde vimos. A pergunta de milénios, agora suportada pelas técnicas contemporâneas.


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quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Velharias e histórias




Gosto de adquirir artigos usados presencialmente, mesmo que anunciados na web.

Confronto o interesse no artigo, o aparente estado de conservação e a minha disponibilidade económica e se as três linhas coincidirem algures num ponto combino um encontro.

Neste, e para além da certeza sobre o artigo e o seu estado, tenho a vantagem de poder conversar com quem vende. Fico a saber um pouco sobre o seu relacionamento com a fotografia e a história daquele artigo. Foi o caso.

Este visor em ângulo recto estava anunciado e com uma localização a que eu podia aceder. O preço era particularmente bom e, apesar de já ter um, este é anterior, com características diferentes. E, nas primeiras Pentax, o modelo actual não funciona e vice versa. Encontrámo-nos.

Em estado impecável, incluindo o estojo e a embalagem original, fiquei a saber que terá sido comprado por uma senhora, agora com mais de 80 anos, algures nos inícios dos anos ’70, ou no Japão ou numa das colónias africanas portuguesas, pois ela viveu por lá.

Mais tarde ofereceu-o, junto com três filtros Pentax (com os quais também fiquei) a uma amiga, mãe de quem estava a vender o conjunto.

Para além destes factos, é interessante perceber como estes itens atravessaram três continentes e três gerações e que chegam agora ao século XXI em tão bom estado de conservação. Praticamente novos. Naqueles tempos o equipamento fotográfico não apenas era caro como era algo para ser conservado por quem lhe tinha estima.

Sobre grande parte das peças que possuo tenho uma história. Ou porque vivida em primeira mão ou porque me a contaram. E das que me foram contadas, de algumas tenho dúvidas da sua veracidade. Ou porque inventadas para facilitar o negócio e inflacionar o preço ou para ocultar uma origem mais obscura.

Em qualquer dos casos, todas essas histórias dão um sabor especial ao que tenho aqui por casa.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


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domingo, 5 de janeiro de 2025

Confortos




Talvez porque o dia tem estado frio e húmido, com fortes bátegas ocasionais; talvez porque de manhã falei numa tampa de maionaise e de se ser rico ou pobre; talvez porque estive entretido com Boris Vian enquanto ouvia o saxofone de Rão Kyao; talvez...

A verdade é que me apeteceu uma gulodice de outros tempos: pão barrado com manteiga e polvilhado com açúcar branco e canela.

Lanche de conforto, que me transportou para uma adolescência dominical e invernosa de boa memória e os intervalos das Tardes de Cinema em preto e branco, embrulhados em mantas e a porta fechada para que o calor não escapasse.

Por vezes não é preciso muito.

Só lamento a fotografia, feita às três pancadas e a correr, impelido pela água que me crescia na boca e o receio de o pão arrefecer.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


By me

sábado, 4 de janeiro de 2025

Atrasos




Por vezes atrasamo-nos.
Perante compromissos com outras pessoas, trabalho, a vida, nós mesmos, a morte…
Apesar de não gostar de chegar atrasado, alguns atrasos aplaudi. Com a morte, por exemplo, que já me pediu explicações e a mandei bugiar, dizendo-lhe que lá chegarei mas só quando eu quiser.
O tipo de atraso que mais me incomoda, que mais me chateia, que me deixa mesmo fora do sério é aquele comigo mesmo. Que podemos sempre arranjar umas justificações, umas desculpas esfarrapadas perante terceiros, mas é sempre muito complicado mentirmo-nos.

O tempo não perdoa! Chegar atrasado ao encontro que temos connosco mesmos é muito mau!

By me