Das velhas ideias
formatadas do início da fotografia uma há que sobrevive nas mentes de
fotógrafos e fotografados: a fotografia é um momento único.
Claro que cada instante é
único e irrepetível. A ciência e a filosofia atestam-no e pouco se alguma coisa
se pode dizer em contrário.
E a fotografia, cada
fotografia, regista um único momento, uma fracção do continuo espaço/tempo.
Donde, cientifica e
filosoficamente, cada fotografia é única e irrepetível, mesmo que se trate de
natureza morta, em estúdio e com a mesma luz. É única.
Mas o que me leva a
concluir que o conceito de “imagem única” está enraizado muito para além disso
é outro aspecto.
A fotografia enquanto
registo único já é coisa rara de acontecer. Ainda não há muito tempo, ir ao
fotógrafo era algo de quase solene. E mesmo o fazer de fotografias para
documentos corriqueiros, como títulos de transporte ou bilhete de identidade,
era algo que sucedia de quando em vez.
Nessa raridade da função,
todos faziam questão de serem retratados bem arranjados e com um sorriso.
Queriam-no os fotografados, sugeriam-nos os retratistas. Queria-se deixar uma
imagem de felicidade, de satisfação, de estar de bem com o mundo. E que melhor
forma para isso, mesmo que num vulgar documento de identificação, que um
sorriso?
Mesmo hoje, com a mais
que banalização da fotografia mais ou menos a sério, mais ocasional ou mais de
circunstância, o sentir-se a objectiva voltada para nos provoca o sorrirmos.
Instintivamente. Mesmo que a vida de pouco nos sorria.
Um exemplo típico da
obrigatoriedade de um sorriso na fotografia é a estorieta, velha de muitos
anos:
“- Sorria, dizia o
fotógrafo.
E ele, sentado no banco e
sob as luzes, nada.
- Sorria, insistia o
profissional.
Nada.
- Oh homem: sorria para a
fotografia!
- Não posso, retorquiu o
outro.
- Como não?
- Esta fotografia é para
um documento profissional e eu sou agente funerário.”
Para além de uma simples
anedota, veja-se como gente conhecida, do nosso círculo mais próximo ou mesmo das
revistas cor-de-rosa, exibe as suas próprias fotografias, de festas ou não:
sempre a sorrir, muitas e muitas vezes com um sorriso forçado, ensaiado diria
eu, tão artificial na expressão facial como na corporal que já nada conta do
que possa estar na alma e que, eventualmente, se possa traduzir num sorriso.
Esta atitude de “um
sorriso p’ra fotografia” é um estereotipo arcaico que impõe o conceito de que
cada fotografia é um momento único e para mais tarde recordar. E, mesmo que o
seja, não conheço ninguém que, em todos os minutos da sua vida, estivesse a
sorrir.
Para os que dizem que uma
fotografia vale mais que mil palavras e que a fotografia não mente, sugiro que
revejam os vossos conceitos.
By me
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