Alguém que prezo pelo trabalho que faz e pelas observações que emite lançou um desafio de retórica (ou não) na sua rede social. Eu “alinhei” e deixei dois comentários, entre os diversos que foram feitos.
Como não sou autor dos demais comentários, não os transcrevo, mas tão só os meus. (Narcisismo, dirão alguns). Mas o certo é que exprimem parte do que penso sobre fotografia e a sua relação com o público.
Aqui fica:
O desafio:
“Tenho para mim que a maior parte das pessoas que vêem fotos não gostam de fotografia apenas gostam do que vêem.
Alguém concorda?”
Meus comentários:
“Vou entrar na discussão, mas não sei se sou capaz de ser breve no tema.
A generalidade das pessoas não reage à qualidade do que vê (fotografia, cinema, vídeo) mas antes às emoções que lhe provoca aquilo que vê. E dou um exemplo concreto: a execução de Hassan Hussein.
O seu enforcamento foi registado clandestinamente, com um telemóvel de baixa qualidade e o registo era, de facto muito mau. Mas não só existia como foi o único que foi feito. E não houve quem não reagisse, dos que puderam ver antes de ser banido dos media e web. Entre os que ficaram incomodados por verem um homem morrer, aos que ficaram satisfeitos por aquele homem ter morrido, todos reagiram aos que viram.
Estas reacções, mesmo as negativas, não aconteceram porque gostaram (ou não) do que viram, mas pelas emoções que sentiram perante o que viram.
O mesmo se pode dizer sobre a esmagadora maioria das fotografias galardoadas no World Press Photo. Ao júri, tal como ao público, pouca importância é dada à fotografia de per si mas aos sentimentos que têm ao vê-las: a história que relatam, as memórias que são assim chamadas, o medo irracional que aquilo possa acontecer connosco…
Igual acontece com fotografias “belas”. Um pôr-do-sol recorda-nos aqueloutro que vivemos com alguém, uma ilha paradisíaca dá-nos vontade de mergulhar nas águas, numa figura humana apreciamos as formas, (quiçá acordando o libido), um prato de comida dá-nos fome…
À grande maioria das pessoas pouco importa o suporte ou a qualidade do que vêem. Importa, antes sim, o que se sente perante o que se vê.
Acrescente-se que será o facto de uma imagem conseguir provocar emoções que a define como “boa”. Mesmo que tecnicamente seja muito má.
No fim de contas, fotografar é uma forma de comunicar. E quando há reacções por parte do público o seu objectivo foi conseguido.”
“No meu ofício costumo dizer que o que me preocupa é saber se o público gosta ou não. O porquê de gostar ou não já é uma questão “técnica” que nós, profissionais, temos que analisar e agir em conformidade.
Pondo mais uma acha na fogueira, é importante deixar algo a quem vê para completar o que vê. E é aqui, no equilíbrio entre contrastes (espaço, luz, cor) que se dá azo à imaginação. Considerando também a cultura e o contexto do fazer e do observar o feito.
A cor do luto em função da teologia é um bom exemplo. O conforto ou desconforto de uma cor em função da utilização que damos (o quente e frio, por exemplo. Ou a cor dos alimentos – conhece algo azul na natureza que seja comestível?) Sobre cor, interpretações e usos, sugiro o excelso livro “Dicionário das cores do nosso tempo”.
Mas também o espaço dado dentro dos limites da imagem, se corrobora ou contraria o conforto ou desconforto, se é explícito ou sugestivo…
A semiótica da imagem é todo um mundo que encheria toda uma biblioteca! Dominá-la, quer seja porque a estudámos, quer seja por somos instintivos, será, do meu ponto de vista, a pedra de toque.
Depois, é todo um conjunto de técnicas e abordagens, cuja importância é bem maior para quem produz que para quem observa.
Eu diria que uma fotografia pode provocar três tipos de satisfação: desde logo a do autor, por sentir que conseguiu materializar o que imaginou; em seguida a do público, com as emoções que tem ao ser confrontado com ela; por fim a dos demais que, sendo “mestres no mesmo ofício”, tentam descodificar as técnicas e truques usados para com isso aprender algo para a sua própria prática.
E desculpem de novo o alongar-me.”
By me
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