segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Férias grandes



 

Não! Na época não existia esta placa. Nem o ar condicionado. Nem a papeleira aparafusada no chão. Não me recordo se o café, à direita, teria toldo mas estou em crer que não também. E, se a memória me não falha, também não existiriam tantos carros nesta rua.

Mas, há mais de cinquenta anos, os prédios eram estes, pelo menos os mais pequenos. Tal como a central rodoviária era esta.

E como sei que era assim, em Santiago do Cacém, em pleno Alentejo? Uma terra onde nunca pernoitei, onde não tenho familiares e onde, tanto quanto recordo, nunca trabalhei?

Era aqui, no edifício da esquerda, que a camioneta parava para almoço.

Camioneta onde eu embarcava de manhãzinha, depois de cruzar o Tejo com os meus pais, num cacilheiro e ainda de calções e estudante do ensino primário, a caminho de casa de meus avós. Na longínqua zona algarvia.

E embarcava sozinho, ao cuidado do motorista e cobrador, levando comigo o farnel para o almoço, comido nesta paragem, na pausa de uma hora.

Para os que hoje fazem os ICs de automóvel ou expressos, viajando no conforto do ar condicionado, saiba-se que era viagem de um dia, com calor abrasador nesta altura do ano. Percorriam-se as estradas nacionais, parando em todas as povoações e paragens de estrada, malas, cestos e sacas acondicionadas no tejadilho.

E eu, pirralho que era, não estava autorizado (nem me atreveria a quebrar as ordens) a sair do edifício. Que os meus cuidadores estavam a almoçar e eu estava por minha conta.

No entanto, nem imaginam como me senti crescido, já ao nível de todos os demais que por ali andavam, quando pela primeira vez levei dinheiro e não farnel, e me disseram para ir almoçar no café em frente à garagem. Creio que o mesmo que aqui se vê. Comido a correr, sempre com um olho no relógio do café e, de seguida, no relógio da sala de espera. Que o medo de ficar em terra era enorme e eu ainda não tido direito a possuir um relógio de pulso, só aquando do exame da quarta classe.

Mas embarquei, já homem-crescido, com um sorriso nos lábios e a sensação de ser o centro do mundo.

No final da jornada, o meu avô esperava-me (ou eu esperava por ele) numa aldeia intermédia, onde subiríamos para outra camioneta que nos levaria ao nosso destino.

Hoje, creio, ninguém se atreveria a colocar um miúdo com menos de dez anos sozinho numa viagem de 300 km para umas boas dez horas de autocarro.

Não sei se o mundo está mais perigoso ou se os receios são exagerados. Por mim, sobrevivi para contar a história, sem mais sobressaltos que o medo de ficar em terra ao almoço.

 

A imagem foi roubada do sítio do costume: a net. Talvez um dia por lá passe, bem na hora do almoço, e vá comer uma sandocha no café. E faça uma fotografia, também.


By me

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