Não! Na época não existia esta placa. Nem o ar condicionado.
Nem a papeleira aparafusada no chão. Não me recordo se o café, à direita, teria
toldo mas estou em crer que não também. E, se a memória me não falha, também
não existiriam tantos carros nesta rua.
Mas, há mais de cinquenta anos, os prédios eram estes, pelo
menos os mais pequenos. Tal como a central rodoviária era esta.
E como sei que era assim, em Santiago do Cacém, em pleno
Alentejo? Uma terra onde nunca pernoitei, onde não tenho familiares e onde,
tanto quanto recordo, nunca trabalhei?
Era aqui, no edifício da esquerda, que a camioneta parava
para almoço.
Camioneta onde eu embarcava de manhãzinha, depois de cruzar
o Tejo com os meus pais, num cacilheiro e ainda de calções e estudante do
ensino primário, a caminho de casa de meus avós. Na longínqua zona algarvia.
E embarcava sozinho, ao cuidado do motorista e cobrador,
levando comigo o farnel para o almoço, comido nesta paragem, na pausa de uma
hora.
Para os que hoje fazem os ICs de automóvel ou expressos,
viajando no conforto do ar condicionado, saiba-se que era viagem de um dia, com
calor abrasador nesta altura do ano. Percorriam-se as estradas nacionais,
parando em todas as povoações e paragens de estrada, malas, cestos e sacas
acondicionadas no tejadilho.
E eu, pirralho que era, não estava autorizado (nem me
atreveria a quebrar as ordens) a sair do edifício. Que os meus cuidadores
estavam a almoçar e eu estava por minha conta.
No entanto, nem imaginam como me senti crescido, já ao nível
de todos os demais que por ali andavam, quando pela primeira vez levei dinheiro
e não farnel, e me disseram para ir almoçar no café em frente à garagem. Creio
que o mesmo que aqui se vê. Comido a correr, sempre com um olho no relógio do
café e, de seguida, no relógio da sala de espera. Que o medo de ficar em terra
era enorme e eu ainda não tido direito a possuir um relógio de pulso, só
aquando do exame da quarta classe.
Mas embarquei, já homem-crescido, com um sorriso nos lábios
e a sensação de ser o centro do mundo.
No final da jornada, o meu avô esperava-me (ou eu esperava
por ele) numa aldeia intermédia, onde subiríamos para outra camioneta que nos
levaria ao nosso destino.
Hoje, creio, ninguém se atreveria a colocar um miúdo com
menos de dez anos sozinho numa viagem de 300 km para umas boas dez horas de
autocarro.
Não sei se o mundo está mais perigoso ou se os receios são
exagerados. Por mim, sobrevivi para contar a história, sem mais sobressaltos
que o medo de ficar em terra ao almoço.
A imagem foi roubada do sítio do costume: a net. Talvez um
dia por lá passe, bem na hora do almoço, e vá comer uma sandocha no café. E
faça uma fotografia, também.
By me
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