Passei por este prédio
há uns dias, ia de carro, era de noite e nem me apercebi que ele existia,
diferenciado dos demais.
Hoje passei por
ele, a pé, de dia e com o sol que se vê. E não pude não reparar nele, no seu
imponente último uso.
Admirei-o na quase
completa nudez da sua estrutura, pilhado que foi de quase tudo o pilhavel,
abrigo fortuito de quem não tem melhor, objecto de eventual rusga policial ou
abordagem de uma ONG da zona.
E fui fazer aquilo
que não faria com qualquer outro prédio, convidativo que estava este: espreitar
pelas janelas do piso térreo.
De um dos lados o
soalho afunda-se, que as travessas que o suportam vão cedendo com o bicho ou
com a água.
Do outro ainda se
via uma porta interior, com almofada e vidros, em vias de sair.
E roupa e sapatos
no chão. Não creio que estivessem em uso. A sua diversidade e os sacos por
perto sugerem-me mais uma recolha de um contentor de lixo.
O que me
surpreendeu (aliás, o que me fez ir espreitar) foi o que estava pendurado numa
parede desta ainda sala: um calendário.
Publicidade de uma
“loja de chinês” das imediações, mostra-nos os dias, as semanas e os meses do
ano de 2012.
Preso num
preguinho a uma altura conveniente, não lhe vi nenhuma marca assinalada, uma
data especial, um dia que já foi futuro.
Está apenas ali,
enfeitando uma parede que já se sabia condenada a mais que miséria, fazendo de
uma sala sem portas nem janelas, com o soalho a ceder e coberto de lixo
recolhido, um espaço personalizado e acolhedor.
Por vezes nem é
preciso muito para tal.
Não entrei.
Pese embora as
janelas assim franqueadas me dessem acesso fácil ao interior, não foi algum
receio de risco ou sujidade que me impediu.
Foi esse mesmo
calendário, a recordar-me que aquele espaço assim decrépito ainda é o lar de
alguém.
E eu não devasso o
lar de ninguém. Nem com o corpo, nem com o olhar nem com a câmara.
Fiquem-se com a
fachada do número 23 da rua que vai dali a acolá.
By me
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