segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A pedra e eu



Eu tenho esta pedra.
Em boa verdade, tenho várias pedras parecidas, mas uma especial predilecção por esta. Cabe-me bem na mão, foi minha confidente durante uns tempos complicados, nunca deixou de me proporcionar a paz que procurava…
Eu tenho uma pedra, esta, e gosto dela.
Mas também tenho um fotómetro. Um Sekonik Studio Delux.
Tenho-o há mais de trinta anos, sempre fiel e rigoroso, sem nunca me ter deixado mal visto. Se algo correu menos bem com o seu uso, fui eu que fiz asneira.
Pode-se agora perguntar: destes dois objectos, ambos antigos, de qual mais gosto? Qual deles me é mais íntimo, mais próximo da alma? Qual o que melhor fala comigo?
Francamente não sei!
De qualquer um encontraria substituto material, igual ou quase igual na matéria, na forma, na idade e na função. No entanto, e por muito iguais que pudessem ser, não seriam aqueles que passaram horas e horas e horas na minha mão, no meu bolso, na minha mochila. Não teriam neles parte de mim, da energia que para eles passei. Nem teria eu parte deles, das energias que me passaram.
Que os objectos, por muito neutros e vazios de significado que aparentem, têm personalidade própria e afazem-se aos que os usam da mesma forma que o oposto. Dando um exemplo muito prosaico, como um par de botas ao fim de dois anos de uso.
É por isso que gosto de fotografar objectos. E quanto menos novos melhor. Para além da matéria de que são feitos e que reflecte a luz que capturo, há algo neles que fala comigo, dos seus usos anteriores e de quem os usou.
Uns falam-me mais que outros, naturalmente. Talvez que mais faladores. Ou eu mais sensível com alguns que com outros.
O pedal de acelerador de um carro, ainda que gasto, não me é muito perceptível. Já uma peça fotográfica ou que, de algum modo, se relacione com a luz… sou todo ouvidos. E quanto mais usada for mais tem para contar, que diabo.
Então, perguntareis, porquê uma pedra por confidente e não uma objectiva, ou um filtro, ou um fotómetro?
Bem, ela estava no meio muitas outras, uns milhares sem exagero. Mas, ao passar por elas, esta como que me chamou. Foi-me impossível não parar para tentar perceber de onde vinha aquela voz não materializada, aquele “Oh tu! Olha p’ra mim!”
E eu olhei, estiquei a mão e ela aninhou-se-lhe como se sempre ali estivesse estado.

Não escolhemos sentimentos. Os nossos ou os dos outros. Acontecem e, se estamos por perto, ajustam-se.
E é pouco importante se os sentimentos são por um “ser vivo”, algo “inerte” ou “manufacturado”.
Nos dois sentidos, se abrirmos a alma a tal.


By me

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