Um destes dias no
comboio, um fulano aí com uns vinte e poucos estava meio perdido. Não sabia se
estava no comboio certo nem onde fazer a mudança. Pediu-me ajuda e eu lá lhe
expliquei a melhor forma de ir para onde queria.
Passado um nico
pergunta-me ele:
“O senhor é
artista?”
Estranhei e disse
que não, naturalmente.
“Então é escritor.
Ou pintor.”
“Também não. Mas
porquê?”
“Com esse ‘look’,
essa barba, esse cabelo…”
“Repare”, respondi
sem perdoar, “Encontra gente com barba e cabelo como o meu entre os ciganos;
encontra gente com barba e cabelo como o meu entre os indús; encontra gente com
barba e cabelo como o meu entre os sikh; encontra gente com barba e cabelo como
o meu entre os sem abrigo. Mas a nenhum pergunta se é “artista”. Se o pelo ou a
roupa fossem definidores de condição ou profissão… Olhe (tínhamos parado numa
estação): está a ver aquele polícia? O que está sem boné? Apesar de ser de
Segurança Pública, sei eu que é dos que gosta de bater sempre que pode, que já
o tenho visto a actuar. E, no entanto, está de farda.”
Riu-se a medo e eu
voltei para o livro que tinha nas mãos.
Faz-me doer a alma
a quantidade de gente que vive de e para as aparências!
É que, e apesar do
que aparenta, o tempo não parou.
By me
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