Numa livraria
tropeço num livro.
Não que estivesse
no chão, mas porque fiquei cativo de alguém ter pegado num texto de Fernando
Pessoa e ilustrado com fotografias.
De confessar que
as fotografias não me atraíram por demais. Documentais quanto baste, nem más
nem boas, do meu ponto de vista.
Agora o texto…
Passe-se a
imodéstia, esta foi a fotografia que fiz logo a seguir a o ter lido. Vale o que
vale, como as fotografias do livro. Mas é a minha interpretação:
“Entrei no
barbeiro no modo do costume, com o prazer de me ser fácil entrar sem
constrangimento nas casas conhecidas. A minha sensibilidade do novo é
angustiante: tenho calma só onde já tenho estado.
Quando me sentei
na cadeira, perguntei, por um acaso que lembra, ao rapaz barbeiro que me ia
colocando no pescoço um linho frio e limpo, como ia o colega da cadeira da
direita, mais velho e com espírito, que estava doente. Perguntei-lhe sem que me
pesasse a necessidade de perguntar: ocorreu-me a oportunidade pelo local e a
lembrança. «Morreu ontem», respondeu sem tom a voz que estava por detrás da
toalha e de mim, e cujos dedos se erguiam da última inserção na nuca, entre mim
e o colarinho. Toda a minha boa disposição irracional morreu de repente, como o
barbeiro eternamente ausente da cadeira ao lado. Fez frio em tudo quanto penso.
Não disse nada.
Saudades! Tenho-as
até do que me não foi nada, por uma angústia de fuga do tempo e uma doença do
mistério da vida. Caras que via habitualmente nas minhas ruas habituais - se
deixo de vê-las entristeço; e não me foram nada, a não ser o símbolo de toda a
vida.
O velho sem
interesse das polainas sujas que cruzava frequentemente comigo às nove e meia
da manhã? O cauteleiro coxo que me maçava inutilmente? O velhote redondo e
corado do charuto à porta da tabacaria? O dono pálido da tabacaria? O que é
feito de todos eles, que, porque os vi e os tornei a ver, foram parte da minha
vida? Amanhã também eu me sumirei da Rua da Prata, da Rua dos Douradores, da
Rua dos Fanqueiros. Amanhã também eu - a alma que sente e pensa, o universo que
sou para mim - sim, amanhã eu também serei o que deixou de passar nestas ruas,
o que outros vagamente evocarão com um «o que será dele?». E tudo quanto faço,
tudo quanto sinto, tudo quanto vivo, não será mais que um transeunte a menos na
quotidianidade de ruas de uma cidade qualquer.”
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