O assédio a quem
passa para um qualquer negócio não é coisa nova.
Tradicional será o
convencer os passantes, turistas de preferência, a entrarem neste restaurante
ou naquele espectáculo. De revista ou de circo.
Igualmente
tradicional o tentarem convencer o incauto transeunte a aderir a uma empresa de
telecomunicações. Televisão, telefone, internete.
Começa a ser
tradicional o tentarem convencer o ingénuo passante a contribuir para uma hipotética
causa simpática (idosos, sem abrigo, animais, deficientes) comprando um dos
objectos inúteis ou quase que trazem consigo.
Quem for
observador e passe com regularidade nos mesmos locais, acabará como eu: a
conhecer as caras destes técnicos de vendas de rua, uns mais eficazes que
outros, uns mais cordiais, outros nem tanto.
E se for gente de
meter conversa, a troco de quase nada, acabará por saber alguns detalhes do que
vendem, das suas metas ou objectivos e aperceber-se que o treino que têm, com
toda a certeza feito por quem sabe do ofício, mas a quem escapa alguns detalhes
básicos, de meter dó.
Porque faz parte
do manual de comunicação básico que não se conversa com ninguém com as mãos uma
na outra à frente do corpo ou de braços cruzados. Na linguagem corporal, quase
que universal, este é um gesto que é interpretado inconscientemente como uma
barreira, algo que impede a fluidez e facilidade de comunicação.
De igual modo é
sabido que ao falar-se com duas ou mais pessoas o olhar se deve dividir por
todas elas, talvez mais demorado em quem seja mais permeável aos argumentos,
mas deverá abranger todos os presentes. Caso contrário os excluídos nessa
ligação visual cedo se cansarão e, no caso de abordagem de rua, arrastarão quem
está em conversa, afastando-o do negócio.
É igualmente
recomendado a quem tenha um pouco mais de dificuldade no falar ou passar uma
ideia o recurso a uma “muleta”. Um objecto que, sendo familiar e estando na
mão, nos dá tranquilidade. E é frequente isso ser uma caneta, já que há papeis
a preencher ou gráficos a realçar. Mas por favor: Se forem pessoas de
gesticular e se a distância ao interlocutor for reduzida, não usem a caneta na
mão que mais se movimenta. Para quem escuta, e a essa distância, uma caneta que
dança à frente do rosto é interpretada como algo ameaçador, levando a recuar um
pouco. E, ao recuar, a ter o seu espírito na defensiva, muito menos permeável
aos argumentos de quem vende do que se desejaria.
E, já agora: não
abordem do mesmo modo novos e velhos, eles e elas, solitários, grupos ou
casais. Para cada um há modos diferentes de abordar, mesmo que todos eles sejam
mais formais ou mais leves e brincalhões.
Mas, e acima de
tudo, percebam se a abordagem vai interromper algo que não deve ser
interrompido: uma conversa densa entre duas pessoas ou uma comunicação electrónica,
texto ou voz. Nestes casos é garantido que não conseguirão chegar à fala e
correm o risco de alguma hostilidade da outra parte.
Para quem tenha
tempo e paciência, é um exercício engraçado ver estas pessoas a trabalhar. E
perceber as técnicas de abordagem de cada um, algumas merecedoras de prémio,
outras que, de tão fraquinhas ou tímidas, chegam a ser confrangedoras.
O cúmulo da
diversão está em ver como reagem estes vendedores, por vezes verdadeiras pragas
urbanas, quando lhes sai na rifa um tipo de barbas, com tempo, paciência e
patuá suficiente para lhes vender algo que não a troco de dinheiro: ideias,
sugestões, observações, meras larachas… Conversa que não da treta mas sempre
antecedida do aviso “não vou comprar nada, mas se quiser conversar…”.
Os que não
conhecem o figurão e caem na armadilha só muito a custo dela saem. Por vezes
sou eu que, já condoído, os mando continuar o seu trabalho. Outras é um colega
que, ou porque já me conhece ou porque se apercebe do que se passa, que vem em
seu socorro.
Um destes dias
cruzei-me no Chiado com um destes grupos meu conhecido de outras zonas da
cidade.
Trocámos um piscar
de olhos e uma laracha à distância e eu segui alguns metros, ficando depois
discretamente a vê-los trabalhar. Usavam caneta mas na mão esquerda, junto com
os papéis. A direita (a que gesticulava) aberta, sem nada que pudesse agredir
ou estivesse escondido e com a palma da mão para fora, num gesto de franqueza.
Alguns aprendem.
By me
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