A fotografia pode ser doce e suave ou amarga e forte
ou aquilo que quisermos, dependendo principalmente da forma como a fazemos e a
vemos.
Abaixo vos deixo um pedaço, por sinal o fim, de uma
obra de Vilém Flusser: “Ensaio sobre a fotografia”.
Recomendo-a vivamente a todos os que se debruçam sobre
fotografia, sobre a produção de imagem e, principalmente, sobre a vida.
Deixo, no entanto, o sério aviso de que não sou
responsável p’los vossos actos depois de a lerem.
"…/…
A tarefa da filosofia da fotografia é dirigir a
questão da liberdade aos fotógrafos, a fim de captar a sua resposta. Consultar
a sua praxis. Eis o que tentaram fazer os capítulos anteriores. Várias
respostas apareceram:
1. o aparelho é infra-humanamente estúpido e pode ser
enganado;
2. os programas dos aparelhos permitem introdução de
elementos humanos não previstos;
3. as informações produzidas e distribuídas pelos
aparelhos podem ser desviadas da intenção dos aparelhos e submetidas a
intenções humanas;
4. os aparelhos são desprezíveis.
Estas respostas, e outras possíveis, são redutíveis a
uma: a liberdade é jogar contra o aparelho. E isto é possível.
No entanto, esta resposta não é dada pelos fotógrafos
espontaneamente. Só aparece como escrutínio filosófico da sua praxis. Os fotógrafos,
quando não provocados, dão respostas diferentes. Quem lê textos escritos por
fotógrafos, verifica crerem eles que fazem outra coisa. Crêem fazer,
"obras de arte", ou que se comprometem politicamente ou que
contribuem para o aumento do conhecimento. E quem lê uma história da fotografia
(escrita por um fotógrafo ou por um crítico), verifica que os fotógrafos crêem
dispor de um novo instrumento para continuar a agir historicamente. Crêem que,
ao lado da história da arte, da ciência e da política, há mais uma história: a
da fotografia. Os fotógrafos são inconscientes da sua praxis. A revolução
pós-industrial, tal como se manifesta, pela primeira vez no aparelho
fotográfico, passou despercebida aos fotógrafos e à maioria dos críticos da
fotografia. Eles nadam na pós-indústria, inconscientemente. Há, porém, uma
excepção: os chamados fotógrafos experimentais; estes sabem do que se trata.
Sabem que os problemas a resolver são os da imagem, do aparelho, do programa e
da informação. Tentam, conscientemente, obrigar o aparelho a produzir uma
imagem informativa que não está no seu programa. Eles sabem que a sua praxis é
uma estratégia dirigida contra o aparelho. Mesmo sabendo, não se dão conta do
alcance da sua praxis. Não sabem que estão a tentar dar resposta, através da
sua praxis, ao problema da liberdade num contexto dominado por aparelhos,
problema que é, precisamente tentar opor-se.
Urge uma filosofia da fotografia para que a praxis
fotográfica seja consciencializada. A consciencialização dessa praxis é necessária
porque sem ela, jamais captaremos as aberturas para a liberdade na vida do
funcionário dos aparelhos. Noutros termos: a filosofia da fotografia é
necessária porque é uma reflexão sobre as possibilidades de se viver livremente
num mundo programado por aparelhos. Uma reflexão sobre o significado que o
homem pode dar à vida, onde tudo é um acaso estúpido, rumo à morte absurda.
Assim vejo a tarefa da filosofia da fotografia: apontar o caminho da liberdade.
Filosofia urgente por ser ela, talvez, a única revolução ainda possível."
By me
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