segunda-feira, 29 de maio de 2017

Herança



Passei metade das férias da Páscoa de 1975 no sótão do liceu que então frequentava a reparar mobiliário.
Eu e mais uns quantos e quantas, que não fui nenhum herói solitário.
Os entusiasmos da nova liberdade bem como a coexistência entre rapazes e raparigas, coisas novas para todos, levaram a que carteiras, cadeiras e mesas se estragassem, chegando ao ponto de haver salas onde uma cadeira suportava dois rabos.
Nem vandalismo nem maldades. Apenas descontrolo juvenil.
O trabalho fez-nos criar felizes bolhas nas mãos, que nem nós estávamos habituados a tais tarefas nem as madeiras que serrávamos, martelávamos e aparafusávamos eram macias.
Alegres bolhas, todos os dias escoadas com agulha e linha em casa.
Mas mais alegres eram os nossos motivos, que sabíamos que o futuro haveria de sair das nossas mãos e fazíamos por isso.

Hoje espera-se que um ministério qualquer faça um concurso e que alguém decida a reposição do mobiliário danificado.
Hoje todos esperam que alguém faça algo por nós, que desistimos de lutar e construir o dia de amanhã.
Hoje entregamos a terceiros o nosso futuro e a nossa felicidade, na ilusão de que eles saberão melhor que nós o que nos convém.


Triste herança que deixamos aos vindoiros!

By me

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