segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Ao calhas




Por vezes faço isto: Mais ou menos ao calhas pego num livro, abro-o igualmente ao calhas e deixo que os meus olhos se prendam num qualquer parágrafo.

Isto foi o resultado do exercício de hoje, pouco depois de acordar. A imagem foi feita, também mais ou menos ao calhas, para acompanhar a citação.

“Outro critério de fracasso é o do desenquadramento e da descentragem: herdados das regras da composição pictórica em perspectiva, a expectativa que se tem de uma “boa fotografia” é que o motivo principal esteja centrado, situado no eixo do olhar, ao mesmo tempo que respeita o equilíbrio da divisão da superfície em três terços horizontais e verticais. Mesmo vazio, o centro propõe-se como ponto de referência, comandando a organização geral da fotografia. A expectativa do centro como ponto forte das imagens que se julga representarem a própria vida mostra até que ponto a convenção representativa corrompe esta imagem privilegiada, porque vestígio, da ideologia (*). A vida, o real, terão eles centro?

(*)A centragem não é apanágio da fotografia: encontra-se também de forma sistemática no cinema, em particular no cinema clássico hollywoodiano. Foi a pintura que, após ter instituído o Quattrocento, pôs em causa, pelo menos desde o séc. XIX, a centragem na representação visual.”

in: “A imagem e a sua representação”, by Martine Joly, Edições 70, pag 95

 

Pentax K7, Sigma 70-300


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domingo, 7 de dezembro de 2025

up ou downgrade




O Pai Natal passou por minha casa mais cedo este ano. E fiquei apaixonado com o que me trouxe.

Bem sei que tem já 15 anos de fabrico, que pouco mais é que uma “point and shoot” em digital, que o sensor já não se usa e que não tem grande resolução perante os actuais padrões.

Mas é uma versão digital da velhinha Pentax auto 110, pela qual estive apaixonado há 50 anos mas não tinha como a comprar.

Esta está em estado imaculado e, como se isso não bastasse, é linda.

Por vezes um downgrade tecnológico é um upgrade afectivo e estético.

 

Pentax K1 mkII, SMC Pentax-M macro 100 1:4


By me

Desânimo

Eu queria começar o dia aqui com algo de bonito, sincero, honesto, convincente.

Mas só me lembro de jornalistas e candidatos eleitorais, que querem.

Efeito borboleta




Nada acontece por geração espontânea. Há sempre um motivo para cada coisa que nos sucede, e um motivo atrás desse, e um atrás desse, e um atrás…

 

Se não tivesse dado aulas, não me teriam oferecido aquela caneta. A que ganhei afecto e que, com o passar dos anos, acabou por se estragar.

E se não lhe tivesse ganho afecto, não teria tratado de arranjar uma substituta quase igual, que me acompanhou anos a fio.

E se a não tivesse comigo, não a teria emprestado.

E se a não tivesse emprestado não se teria estragado naquele dia.

E se não se tivesse estragado naquele dia, não teria eu, hoje, ido à procura de uma igual ou parecida.

E se não tivesse vindo aqui para a encontrar, não teria feito esta fotografia.

E se não tivesse feito a fotografia, não teria embarcado, depois, naquele autocarro.

E se não tivesse embarcado naquele autocarro, não a teria visto.

 

Era preta e dava nas vistas. Pela sua magreza extrema. Mesmo só pele e osso. Apesar de não parecer doente ou toxicodependente. Apenas muito, muito magra.

Quando o autocarro chegou ao fim da linha, foi perguntar qualquer coisa ao motorista. Que lhe respondeu: “É logo ali. O Rossio é logo ali, é só ir andando.”

Mas o ar dela era de quem estava meio-perdida, quase a entrar em pânico. Apesar de estarmos nos Restauradores, uns 200 metros de distância, para quem não sabe é o mesmo que estar a 10Km. Meti-me ao barulho.

Abordei-a, ainda no autocarro, e perguntei-lhe se ia para o Rossio. E que sendo, que viesse comigo que eu também ia para lá. (Não ia, mas não era importante)

E fomos andando pela praça fora, comigo a ficar intrigado: por mais que alterasse a cadência do meu passo, ela ficava sempre – sempre – um passo atrás. Aquela senhora, preta, nos seus trinta e tal anos, muito magra, fazia questão de apenas caminhar atrás de mim!

Ao fim de uns trinta ou quarenta metros oiço-a dizer algo de pouco perceptível (não consegui identificar o seu sotaque) de onde se destacava a palavra “comboio”.

Esclareci com ela se queria mesmo ir para a estação e ela confirmou-o. “Vamos”, disse-lhe. “Passamos à porta.”

Cinquenta metros (ou setenta) depois, chegámos.

“É aqui e lá em cima. Sabe onde é?”

Não sabia de todo.

Venha que levo-a. E continuei.

Voltei a ser surpreendido. Não sabia usar as escadas rolantes e ficou bem assustada no primeiro lance. No segundo já se entendeu, depois de algumas palavras encorajadoras. Afinal, ninguém nasce ensinado.

Lá comprou o bilhete para a sua estação, que sabia de cor e disse-me, meio confidente, que havia saído de casa sem carteira nem nada.

Depois de a levar às cancelas e de lhe indicar qual o comboio, fez um sorriso, lindo apesar da magreza das suas faces, e disse-me enquanto se curvava para a frente:

“Obrigado! Que Deus lhe pague. Obrigado.”

Fiquei meio envergonhado e afastei-me. Afinal, não merecia eu tal agradecimento de forma alguma.

E, mentalmente, enderecei-o para aquele motorista da Carris que, nesta mesma manhã e com uma luz quase equivalente, olhou em redor antes de começar a andar, constatou que vinha alguém a correr, a uns bons cinquenta metros, travou o autocarro e aguardou. E nem ouviu o que eu ouvi, e que bem merecia. Que ele estava a trabalhar enquanto que eu… bem, pouco mais que em passeio.

 

Nada acontece sozinho e sem algo que lhe dê origem. Ainda bem que trago sempre comigo a câmara fotográfica.

 

Nikon Coolpix P7000


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sábado, 6 de dezembro de 2025

Baratinho




Em tempos estive inserido no mercado fotográfico. Fiz fotografia de teatro, de publicidade e umas aventuras mínimas na reportagem.

Deixei essa actividade por três motivos: porque não precisava dela para viver, porque odiava a competição insana do mercado e porque ouvi vezes demais pedirem-me “faz baratinho”.

O não precisar da fotografia para viver é apenas uma força de expressão. Tinha um outro ofício, regular e com ordenado certo, que me pagava as contas. A fotografia era, e é, o que me alimenta a alma. E o que ganhei com ela, se não serviu para por comida na mesa, serviu para pagar equipamento e completar em satisfação e dinheiro o que fazia no meu emprego.

A competição é algo que odeio. Ninguém tem que ser melhor que ninguém, ninguém tem que ser mais que ninguém, ninguém tem que ter mais que ninguém. O mundo e a vida são suficientemente cheios e ricos para que todos possam ter o seu quinhão sem que com isso tenham que apoucar os demais. E se eu não vivo de menorizar ninguém, não gosto de ser alvo disso mesmo.

O pedirem para fazer baratinho é algo que me desagrada profundamente. É menosprezar o trabalho, é achar que o que se sabe fazer pouco vale e que o tempo investido para aprender e melhorar é de borla. Prefiro, desde sempre, oferecer os meus préstimos de borla a fazer baratinho.

Acrescente-se que aqueles que agora estão a entrar no mercado e que fazem baratinho, não apenas estão a apoucar o que fazem como estão a prejudicar todos os outros, ao fazer baixar os preços ao limite das despesas directas.

A única situação é que peço desconto é quando, em pagando algo, pergunto se tenho direito a desconto por pagar em dinheiro trocado. E a única resposta que espero obter em troca é um sorriso divertido que ajude a quebrar a monotonia a quem está do outro lado do balcão.

 Divirtam-se e façam o favor de ter uma vida cheia.

 

Samsung S1060


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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Leituras




A fotografia não tem que ser explícita.

E as leituras não têm que ser instantâneas.

 

Pentax K1 mkII, SMC Pentax-M macro 50 1:4


By me

Momentos de ócio




O tipo de ofício que tinha proporcionava estas situações, que os horários eram demasiado malucos e instáveis:

Uma ocasião uma colega viu-se na contingência de ter que levar a filha para o trabalho.

Coitada da pequena, que frequentava o 4º ano, lá se ía entretendo como podia, sem atrapalhar o que ali se fazia. E a dado passo, talvez que as minhas barbas tenham sido um incentivo, veio perguntar-me se haveria papel disponível para escrever ou desenhar.

Claro que havia e indiquei-lhe onde. E ficámos um nico de conversa na qual acabei por lhe contar a história do Joãozinho e do seu barco. Contá-la-ei aqui noutra ocasião.

Mas, na sequência disto, acabámos por falar de aviões de papel, de como fazer e quais os modelos.

Enquanto eu lhe mostrava um deles, dobrando e vincando a folha com afinco e rigor, qual engenheiro aeronáutico, lembrei-me de tantos produtores de imagem, estática ou animada, que tanta questão fazem em “dobrar” a imagem a meio com o horizonte, ou de lhes aplicar regras matemáticas exactas, como o número de ouro, ou ainda algoritmos digitais aplicados às cores e luzes, deixando de parte o equilíbrio, a harmonia subjectiva, a criatividade, o expressar da alma.

 

Se a estética se resumisse a fórmulas e regras, há muito que os computadores teriam produzido obras-primas igualáveis apenas por outros computadores.

 

Pentax K1mkII, SMC Pentax-M macro 50 1:4


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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Escolhas




Ir à feira do livro da fotografia faz-me mal à alma.

É que venho de lá com a tristeza de saber que estão ali tantas e boas obras, nas quais muito poderia descobrir e aprender, e ver-me na contigência de ter que fazer escolhas. Entre o que quero e o que posso, entre o conhecido e o desconhecido. Teóricos, monográficos ou colectânias.

Não que isso faça de mim melhor no que faço, mas empurra-me para algum lado mais à frente que aquele onde estou.

Este é um dos exemplos das escolhas deste ano.

O que nos é dito na contra-capa abre o apetite para outras leituras que não as mais recentes e, neste caso, por um autor que desconheço.

Para alguma coisa foram inventadas as longas noites de inverno.

 

Pentax K1 mkII, SMC Pentax-M macro 50 1:4


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Cota




Certo!

Já por cá ando há um bom pedaço mais de meio século, pelo que o apodo de “cota” não será de todo desajustado.

Em termos de captação e tratamento de imagem, ao já por cá andar há tanto tempo, fez com que usasse de quase todos os sistemas e suportes: películas e sensores, químicas e electrónicas, CCDs, CMOS e tubos de raios catódicos, matricial e sequencial, pequenos médios e grandes formatos, estáticos, animados e de alta resolução.

Alguns desses processos tornaram-se com que uma segunda natureza para mim, outros  mais não são que história, outros ainda me são um pouco estranhos, não os dominando. E acredito que quem teve a sorte, como eu, de passar por tantos e tão díspares tenha dificuldade em estar a par de todos e que alguns deles pouco mais sejam que anacronismos curiosos ou tecnologias a dominar.

Por mim, que por dever de ofício ou satisfação da alma, tenho vindo a dominar ou a arranhar todos eles, tenho optado conhecer tão a fundo quanto me é possível o que tenho entre mãos, preocupando-me bem mais com os resultados que com os métodos. Quero “contar uma história”, e bem contada, com a ferramenta que estou a usar, preocupando-me a sério com as últimas tecnologias se e quando elas tiver que usar. Mantenho-me informado mas não as aprofundo como as que estou a usar ou em perspectivas disso.

Uma coisa há, no entanto, que é imutável. Que não depende dos equipamentos ou das tecnologias empregues: a luz. Esta, mais assim ou mais assado, com origem em aquecimento, descargas ou ionização de gás ou LEDs, continua a ser a emissão e reflexão de fotões, que têm uma trajectória rectilínea e um movimento ondulatório, cujas frequências são por nós traduzidas em cores, cuja interrupção na sua trajectória resulta em sombra, com uma intensidade variável na proporção inversa do quadrado da distância, cujo ângulo de reflexão é igual ao ângulo de incidência, e cuja trajectória é alterada pela aplicação de energia ou com materiais que lhe sejam permeáveis.

Mas, e principalmente, é ela que permite o captar imagem, sejam quais forem as tecnologias empregues. É ela que faz com que um dado assunto seja mais “bonito” ou nem tanto. É ela que nos permite contar histórias e estórias.

Nenhum fotógrafo, videógrafo, cineasta, profissional ou curioso interessado, ignora que ela é a sua matéria-prima nem a maltrata ou menospreza. Em o fazendo, os resultados são os que vamos vendo, infelizmente, na net e na imprensa, nos receptores.

Sendo esta a minha abordagem – talvez que de cota com mais de meio século – imagine-se como me sinto ao ter conversas com alguns da nova geração que entendem que a imagem se capta “mais ou menos” e que os contrastes, os ajustes das altas e baixas luzes, as sombras, os jogos de cor se tratam depois, desde que se possua uma boa máquina para os processar.

Um bom pós-processamento é vital na produção de imagem. Sempre o foi. E, se outros motivos não existissem, basta pensar que fotografia, vídeo e cinema têm – sempre – que ser objecto desse tratamento. Tanto na edição, como no controlo, na impressão, na etalonnage, nos efeitos especiais…

Mas com má matéria-prima – no caso, má imagem de origem ou má luz – por muito que se esforcem o mais que se consegue é um resultado sofrível. Se tanto. Nem mesmo os últimos avanços tecnológicos conseguem suprir essas falhas.

Dizerem-me que para se fazer uma boa imagem basta um gráfico de luzes e tons, estático ou animado é o mesmo que me dizerem que para Bruegel ou Leonardo bastava um bom pincel, que para Stanley ou Alfred bastava uma boa película ou que para Helmut ou Frank bastava um bom ampliador.

 

Serei cota com um pedaço mais de meio século a arrastar a carcaça mas, para mim, bem mais importante que o como é o porquê.


Pentax K7, Sigma 70-300


By me

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Vendo bem as coisas...




Sem luz que faríamos nós, fotógrafos?

É que até livros sagrados a referem logo no princípio como sendo o início e o primordial.

 

Nikon Coolpix P7000


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