Brincadeiras didáticas para adultos e não só.
Perspectivas, linhas implícitas, condução do olhar, leituras.
Ferramentas para contar histórias.
Brincadeiras didáticas para adultos e não só.
Perspectivas, linhas implícitas, condução do olhar, leituras.
Ferramentas para contar histórias.
No café aqui da rua vejo a mocinha de serviço na caixa às
voltas com uma caixa contendo um boneca. A caixa era grande, meio metro bem
medido, e a boneca na proporção. E estava ela, a mocinha, de conversa com um
cliente.
Quando fui pagar meti-me com a mocinha, dizendo “Então,
ainda brinca com bonecas?”
A resposta calou-me a vários níveis.
“É de um cliente que me pediu para a guardar aqui até mais
logo. É para mandar para a filha, em Cabo Verde, que queria uma boneca da
Europa.”
Contém tanto esta resposta que é difícil de enumerar.
A fotografia? É de arquivo e com uns 20 anos. Não queriam
que eu fosse fotografar a que há-de realizar um sonho em Cabo Verde, pois não?
By me
As coisas são como são: puritanismos bacocos.
Num jornal on-line mostram-nos um curto vídeo onde um homem
caído no chão é violentamente agredido a soco e pontapé na cabeça.
Alguém junto ao telemovel e fora de imagem pergunta se se
chama uma ambulância e um terceiro, também fora de imagem, responde “Não, que
se f...”
O que está entre aspas é a cópia do texto do texto do
jornal. Já o vídeo, na palavra censurada, tem o clássico piiiiiii por cima para
que não a oiçamos.
Palavras ditas feias, mas que todos conhecem, têm que ser
disfarçadas para não ofender os bons costumes. Já um homem indefeso e caído no
chão ser pontapeado na cabeça, nas costas, no torax, no ventre... isso já se
pode mostrar a todo o público e de todas as idades.
Já agora: isto aconteceu em São Martinho do Porto e o
agressor é espanhol e pescador. E já referenciado e impune por actos
semelhantes.
Mas os perigosos são os migrantes da ásia, da áfrica ou das
américas.
Pentax K1
mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5
Viveu como pôde, onde pôde. Comeu como pôde o que pôde.
De Kiev a Vladivostok, foi cumprindo o seu ofício militar
até desistir e vir, embarcado ou não, até aqui onde a terra acaba e o mar
começa. Há vinte e tal anos.
Foi trolha, almeida, coveiro. Foi o que os outros não
quiseram, enquanto pôde. Casou e foi corrido, que o álcool é mau conselheiro.
Nunca se drogou.
Sonhava. Sonhava, muito timidamente, em ter uma companheira.
E sorria, enternecido e envergonhado, quando disso falava. Sonhava em regressar
à Ucrania e às divisas de capitão, “para ajudar, que aquilo está mau”. Sonhava
acordado, sabendo que estava a sonhar.
Rebelde a regras, como é apanágio nestes casos prolongados,
nunca se deu bem nos abrigos que lhe arranjaram. Conheci-o a viver num carro
velho. O apoio social internou-o num hospital e, quando regressou, tinham
roubado o carro e todo o conteúdo. Todos os seus bens. Contou-me, alguns dias
depois, que tinha encontrado uma das suas malas bem velhas no lixo. Vazia,
claro. Refugiou-se com uns papelões e paletes, num recanto pacato, a meia distância
entre um salão paroquial e uma sala de culto islâmica. Dizia que estava bem
acompanhado.
De dia parava por aqui, na entrada da lavandaria. Não
incomodava ninguém, lá dentro há cadeiras sem consumo obrigatório e o calor das
máquinas é reconfortante. Toleravam-no.
Encontrávamo-nos quase todos os dias por aqui, no cruzamento
da rua, as mais das vezes junto ao café-pastelaria. Amiúde era ele que se
aproximava, com o seu passo lento e sofrido. E entre uma moeda para um “café” e
um ou dois cigarros que partilhávamos, falávamos. De deus, de militares, da
vida e dos ofícios, das pessoas. Algumas vezes, em indo eu à lojinha por um
artigo de última hora para o meu almoço ou jantar, convidei-o a entrar e
escolher o dele. Acedia relutante e sempre comedido no que trazia. Nunca foi
vinho.
Mal visto pela vizinhança, poucos éramos os que lhe dirigiam
a palavra. E os demais quando dele falavam sempre foi com sete pedras na mão. E
foi de uma dessas bocas que hoje fiquei sabendo que as sirenes que ouvi de
manhã eram para lhe vir buscar o corpo.
Creio que este é o único epitáfio que o Pedro terá.
Esta tampa traseira de objectiva é minha conhecida há
dezenas de anos. Sacrifiquei-a originalmente num projecto que resultou e que
foi refinado de outra forma e com outras tampas. De então para cá tem servido
para vários usos que, convenhamos, não lhe aumentaram a beleza. Alguns para uso
privado, outros para efeitos didáticos. E se assim está é porque não é coisa
fácil de encontrar e não sacrifico uma tampa em bom estado à toa.
Fará parte de um projecto que tenho em mãos e que resulta de
duas frases velhas, uma dita por um mestre e compincha faz muito, outra que se me
surgiu uma manhã no banho e que tenho
usado até me cansar:
“Sei como se faz mas ainda não sei fazer” e “Se eu souber
porquê sei como”.
Em completando e testando o projecto decidirei se faço o
sacrifício de outra e guardo esta para outras ocasiões ou se ficará agregada ao
que agora criar.
Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100mm 1:4
By me
Quem não recorda o primeiro amor? Ou o primeiro carro? Ou,
no caso de fotógrafos, a primeira câmara?
De um modo ou de outro, para além de a recordar conservei-a.
Esta.
Uma pobre coitada, com mais de meio século, que não
mereceria um segundo olhar pela sua simplicidade, mesmo na sua época. E
imaginamos (sei-o) pela sua modesta qualidade óptica. E pelo seu estado de
conservação, que levará qualquer um a perguntar porque ainda existe.
Mas, seja como for, foi a minha primeira e dessa nem
esquecemos nem desvalorizamos.
Veio parar às minhas mãos de uma forma insólita: a empresa
onde meus pais trabalhavam tinha o hábito de dar uma prendinha pelo natal aos
filhos dos funcionários. Ajustada a prenda à idade de cada um dos ofertados. E
todos os anos mudavam de prendas.
No ano em que fiz 12 anos, idade limite para se receber a
lembrança ou brinquedo, foi uma câmara destas. Esta mesmo foi a que recebi.
Nunca lhe dei a devida atenção. Se, por um lado a fotografia
era coisa particularmente cara de praticar, eu ainda não tinha descoberto o que
ela poderia ser e fazer. Creio que fiz dois rolos de 120, (doze exposições
cada) e nada mais.
Tem vindo a ser guardada em caixas ao longo dos anos, nem
sempre com os melhores cuidados de conservação. E está neste estado agora. Mas apenas
visual, que simplicidade do seu mecanismo é de durabilidade garantida. Claro
que a óptica e o visor sofrem de “cataratas”, mas também nada tenho feito para
o evitar.
Nas voltinhas que tenho dado por feiras de velharias, de
quando em vez lá vejo uma. Com tão bom aspecto que apetece traze-la para
substituir esta pobre coitada, há muito a pedir a reforma eterna.
Mas, caramba, esta foi a primeira. E por muitas e bem mais
valiosas que tenha ou venha a ter, nada nem ninguém lhe retira esse título nem
os afectos.
Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100 1:4
By me