domingo, 24 de dezembro de 2023

Uma história




Era a véspera de Natal e ele estava de regresso a casa.
O dia tinha estado francamente tempestuoso e a noite, ainda que aparentasse estar calma, apenas anunciava que a qualquer momento iria igualar o dia.
O caminho entre a estação habitual e casa era longo e a subir. E boa parte dele desabrigado. O risco de ser apanhado a meio caminho pela tempestade era grande e desconfortável.
E decidiu optar pela solução alternativa: desembarcar mais à frente, na estação seguinte, onde havia uma praça de táxis. Sentado e protegido da chuva e do vento, chegaria a casa.
Mas era véspera de Natal.
Os motoristas de táxi estariam na missa do galo ou no aconchego familiar e nem um aparecia para serviço. Nem mesmo a central telefónica atendia, que a telefonista deveria também ter tido a noite livre.
A solução última seria enfrentar a noite e a tempestade, se desabasse.
Na esquina surgiu um. Um táxi. Um carro de praça. Uma viatura que o haveria de levar a casa. Ocupado. E vinha de um outro concelho, não podendo ali recolher passageiros.
“Sorte a daquele!”, pensou ele. “Safou-se!”
Minutos depois, já com decisão da caminhada tomada mas não concretizada, eis que o táxi regressa. Encosta da praça, abre a janela e pergunta ao solitário que ali aguardava por um táxi que não havia:
“Vai para onde?”
Ele lá lhe respondeu, sabendo que de pouco serviria. Aquele carro não podia, ali, recolher passageiros. Manda a lei e a classe profissional é muito ciosa dos seus territórios.
“Venha, que o levo. Hoje, a esta hora, não consegue aqui apanhar um. Tem é que me dizer o caminho, que não conheço esta zona.” E, já em trânsito, acrescentou: “E sempre escuso de fazer todo o caminho para Lisboa vazio.”
Há dez anos, sem barbas e disfarçado de motorista de táxi, o Pai Natal apareceu-me uma hora mais cedo.

By me

domingo, 26 de novembro de 2023

Deduções




Há coisas que podemos deduzir directamente da simples observação, mesmo pouco ou nada sabendo sobre o objecto de per si.

A escala indicada pelo ponteiro é calibrada em footcandles, o que nos referencia para o mercado anglo-saxónico em exclusivo.

A escala de sensibilidades é apenas em valores ASA, o que nos dá a indicação de ser para o mercado norte-americano.

A sensibilidade máxima prevista na escala é de ASA 800 e mínima de ASA 1,2. Admito que o mínimo que usei foi de ASA 12 e foi há bastante tempo.

A abertura de diafragma mínima da calculadora é 45, o que nos dá uma pista sobre o tipo de objectivas em uso aquando do fabrico. Já o seu máximo ser 1 será mais uma fantasia matemática que uma utilidade real.

O tempo mínimo de exposição previsto na calculadora é 1/800 de segundo mas o máximo é de 120 minutos, o que nos leva a pensar nas sensibilidades, objectivas e utilizações da época.

O peso... bem, não é de todo comum um aparelho destes pesar tanto quanto este: 300 gramas, medidos em casa.

Uma observação mais atenta mostra que a forma de a célula receber a luz é tudo menos o habitual.

O logotipo do fabricante remete-nos para uma marca, bem explícita em letras mais pequenas, fundado por Tomas Edison, e que não é conhecida por fabricar aparelhos de medida de luz: General Electric.

O meu palpite foi que seria algures do anos ’50. Acabei por saber que o modelo foi lançado em 1950.

E, bem mais raro com esta idade, reagia à luz.

O preço? Não foi de pechincha mas estava em linha com o que palpitei e, mais tarde, vim a constatar na web.

Acabei por trazer daquela feira de “tralha”, e já no seu final, um fotómetro “2D”, com mais que um ângulo de leitura, com quase 3/4 de século, em muito bom estado “cosmético”, e funcional. Faltará saber da fiabilidade dos seus resultados mas isso será para quando tiver tempo e o tempo estiver bom.

Nota adicional: não confundir um fotómetro com um luxímetro e nenhum dos dois com um exposímetro.

 

Pentax K1 mk2, Tamron SP Adaptal2 90mm 1:2,5


By me

sábado, 25 de novembro de 2023

Relevâncias




Confrontado com uma situação, originária no seu exterior ou interior, o autor tem uma necessidade visceral de a materializar. O resultado dessa materialização é a sua exibição perante algum tipo de público, elite ou generalizado.

O público, por seu lado, procura emoções, tentando encontrá-las nos trabalhos do autor. Por isso vai às plateias ou às galerias, às bibliotecas ou aos estádios, para as receber.
Isto é válido para as artes cénicas ou plásticas, a escrita, a música, as competições desportivas... A fotografia é só uma dessas materializações.
Por outras palavras: a fotografia é pouco ou nada importante se não transmitir as emoções do autor e se não provocar emoções no publico.
O suporte, a fotografia por si mesma, em nada é relevante.

By me

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Academia




Quando a polícia é chamada para prender estudantes dentro de uma universidade por estarem a fazer uma palestra política mas não partidária...
Cheira-me a bafio. Tão bafio e tão velho que até tenho medo ao recordar outros tempos.
A escola no geral, e a universidade em particular, devem ser espaços criativos, incentivadores ao pensamento novo ou diferente, ninho de outras abordagens e conceitos.
Quando a academia assim age está a dizer: “Sejam livres e criativos, mas só se nós concordarmos com o vosso pensamento!”
Com honrosas excepções, os académicos são conservadores e castrantes da diferença. Nas artes e nas ciências. Sempre assim foi desde há uns milhares de anos. 
“E no entanto move-se.”

By me

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Éticas




É verdade que sim: tenho uma opinião muito pouco lisonjeira sobre a chamada “fotografia de rua”. Há todo um conjunto de questões éticas que me levam a tal.

Em qualquer dos casos, de quando em vez há que pensar e repensar sobre os nossos conceitos. Colocá-los em causa, rever argumentos, aceitar como válidas outras perspectivas. Pode sempre acontecer que o que temos por certo desde há muito acabe por se demonstrar errado.

Por isso mesmo estive este fim de semana numa palestra onde o tema era Fotografia de Rua, defendido por quem a pratica. Tentei estar de mente tão aberta e tão ausente de preconceitos quanto o possível.

O que fui ouvindo até parecia lógico e aceitável, com algumas abordagens técnicas e éticas válidas e algum tipo de separação entre a satisfação do fotógrafo e o respeito pelo fotografado. Quase me convenceu.

E digo quase porque o orador “borrou a pintura” com uma das fotografias que exibiu: um homem barbudo e com cara de zangado, numa bicicleta e acompanhado por dois cães, fazendo um inequívoco e bem visível pirete para a câmara. A grande angular usada e perspectiva próxima e baixa usada não permitiam não ver o gesto de protesto para com o fotógrafo e o que fazia.

Interrompi o discurso e questionei porque motivo, sendo bem notório o protesto contra o fazer daquela fotografia, se ignorava a vontade do fotografado e se a exibia.

A resposta esteve bem em linha com o que eu pensava antes de entrar naquela sala: “Sim, mas eu gosto tanto dela...”! “E”, acrescentou alguém que estava presente aquando do fazer da imagem, “o homem não voltou atrás para protestar.”

Toda a capa protectora que eu tinha a envolver os meus preconceitos e opiniões se esbroou. Que estava ali bem plasmada a relatividade de importâncias entre a vontade do fotografado e a vontade do fotógrafo. E a ausência de escrúpulos deste perante aquele.

É interessante pensarmos que o acto de premir o obturador da câmara fotográfica é conhecido por “disparar”. Como quem dispara a caçadeira sobre a sua presa. Cujo troféu se pendura na galeria, real ou virtual, demonstrando a habilidade ou saber do caçador.

 

Pentax MX, Pentax-M 28 1:2,8, TriX, 24/12/1979

 

sábado, 28 de outubro de 2023

Achados




Fui encontrar-me com alguém que vende on-line. Não gosto de fazer negócio de coisas usadas sem as ver primeiro nas minhas mãos e, mesmo assim, corre-se algum risco.

Mas tratavam-se de pára sois, coisa que dificilmente pode estar avariada. Sendo que havia pouca informação sobre cada um deles, e como já nos conhecemos, encontrámo-nos.

Tenho por princípio que as objectivas devem usar um pára sol. Não apenas para a função óbvia – evitar reflexos ou “flares” indesejáveis, como também como protector da parte frontal da objectiva. Já parti alguns por pancadas mas nunca uma objectiva.

Acontece que não é fácil de encontrar estes objectos. Muita gente considera-os supérfulos e os fabricantes não os produzem para compensar perdas ou acidentes. Além do mais, quem vende objectivas usadas raramente os inclui: ou porque não os tem ou porque quer fazer negócio separado.

Assim, em vendo pára sois em venda, e se forem menos comuns, fico com eles. Era o caso.

Só não contava era que, no lote em causa, encontrar algo de bem raro: um pára sol para uma 24mm que tenho. O fabricante de origem, Pentax, alerta para que o seu tem alguns problemas de eficácia e “vinhetagem”, propondo uma alternativa. O que torna ainda mais difícil encontra-lo.

Pois este é de um fabricante independente e eu ignorava que o tinha fabricado. E digo tinha porque já não o produz, o que torna coisa ainda mais difícil de encontrar.

O ter uma fixação por aperto com mola e não de rosca como habitualmente na época, torna o sistema ajustavel para qualquer objectiva com esta distância focal e boca de entrada em que o elemento frontal não rode ao focar. O ter tampa dedicada faz do objecto algo de bonito, o que é uma mais valia. E o ter este aspecto, pouco consentânio com a Pentax, faz do conjunto algo de ainda mais incomum.

Não são as ferramentas que definem o artesão, mas gosto de as ter bonitas. Melhor ainda se forem baratas.

Pentax K1, Pentax-M 35mm 1:2


By me

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Cinquenta anos



Duas da minha família Pentax, vestidas de preto.
Repare-se como cresceu a mais nova, à esquerda: Cinquenta anos e o dobro do peso as separam. 
E sim, esta é forma que mais gosto de iluminar: considerar que a fonte de luz principal vem do lado de lá do assunto. Tudo o mais que coloque é para controlar contrastes ou sombras. 
Pentax K50, Tamron SP Adaptal2 90mm 1:2,5

By me

domingo, 22 de outubro de 2023

A janela à janela


 


By me

Leonor




Uma jovem que se empenha em distribuir sorrisos e simpatia pelos utentes de uma biblioteca de jardim, em Lisboa. E não faz distinção entre pré-escolares, em idade escolar, adultos ou séniores. 
Deu gosto vê-la trabalhar e deu mais gosto ainda com ela conversar que, de um modo ou do outro, também ela é boa observadora daquele mundo que é o Jardim Guerra Junqueiro.
À jovem Leonor o meu obrigado por aquilo que com ela aprendi.
Pentax K1 mkII, Sigma 70-300 1:4

By me

sábado, 21 de outubro de 2023

Seu João




Os olhos dizem sempre mais que aquilo que a boca conta.

E eu não me atrevo a escrever aquilo que a boca falou, que seria indiscrição em demasia.

Fica o facto de um barbudo reconhecer e sentir-se irmanado com outro barbudo. Fica o seu nome: João Reis. E ficam os votos de “Muita merda, seu João”.

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Acrescento um detalhe técnico pessoal: No tempo em que fotografava em película e em preto e branco, carregava comigo uma panóplia de filtros para correcção de contraste em função das cores. O amarelo é o clássico, seguido do laranja. Mas o azul (vários tons), o âmbar (vários tons), o verde, o verde-amarelo, o magenta, o vermelho... 

Em função da luz, das cores e tons do primeiro plano e do fundo e da emoção que queria transmitir, assim escolhia o filtro. Trabalho, tempo, experiência e muitos erros pelo caminho.

No dias que correm a técnica veio substituir o peso e volume, bem como o tempo gasto na tomada de vista. E evitar muitos erros de avaliação e execução.

Fotografias feitas em cor e trabalhadas posteriormente em função da memória das emoções aquando da tomada de vista. O que também implica, entenda-se, conhecer essas ferramentas e tomar decisões ao fotografar que ajudem o trabalho posterior.

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Pentax K1 mkII, Pentax-M 35mm 1:2


By me

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Um retrato




Caroline, algures num café/bar em Lisboa.

Por vezes apetece-me passar pelo P&B.

Tal como por vezes também passo pelo vertical.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M 135mm 1:3,5


By me

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Livros, mentes e arte




É interessante como não nos incomodamos em ver um cão, cavalo, peixe, canário ou gafanhoto como são, sem enfeites ou disfarces e entendemos por pecaminoso um humano total ou parcialmente desnudo. E toma foros de pecado mortal, com direito a punições legais se, nesse desnudo público, a genitália for visível.

Recordo dois episódios que de tão tristes se tornam caricatos:

Há uns anos, numa feira de livro no norte de Portugal, foram apreendidos livros de arte que na capa exibiam o quadro “A origem do mundo”, de Gustave Coubert. E, ainda não há dez anos, foram cobertas estátuas de nús num museus italiano para não ofender um presidente de um país Islâmico que visitava a Itália.

A mente humana é preversa em muitos aspectos, incluindo aquilo que é tão natural como o bocejar, coisa que também não se deve fazer em público.

Vem isto a propósito de um livro que comprei recentemente.

Chama-se “Harvested”, publicado em 2016 e é da autoria de Ilan Manouach.

O único texto que contém está escrito na lombada, o que já de si é incomum:

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“Uma antologia sob a curadoria de microworkers

Haversted é baseado em conteúdos encontrados, uma seleção arbitrária de filmes de adultos. Foi inteiramente criado por um conjunto orquestrado de rotinas planeadas, scripts da web e tarefas baseadas na inteligência de exame. O material deste livro foi reunido por um grupo descentralizado de parceiros e filtrado por uma população anónima de microworkers. Mais de dois mil filmes de adultos foram colhidos de sítios em linha p2p directamente para um servidor. Seguindo dois scripts diferentes, os primeiros dez minutos dos vídeos foram despedaçados em milhares de imagens de baixa resolução no formato jpg á espera de serem filtrados. Este lote de imagens foi submetido a serviços de crowdsoucing. Um grupo selecionado de microworkers foram recrutados para filtrarem estes milhares de imagens de acordo com uma instrução conscientemente vaga: se nelas se apresentava ou não “arte contemporânea”.

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A fotografia da capa do livro está muito naturalmente censurada por mim, só por causa das tosses facebookianas ou outras.


By me

domingo, 1 de outubro de 2023

Uma esquina




Foi há mais de um quartel, talvez.

Seguia com metade da turma para o Largo do Camões, ao fundo à direita, para uns exercícios com câmara de vídeo. Se bem recordo, iriamos praticar panorâmicas a velocidades diferentes jogar com velocidades angulares.

Em chegando a esta esquina, o “bando de pardais” ignorou o semáforo, como este fulano aqui, e atravessou para o outro lado. Em lá chegando, e dando pela minha falta, olharam para trás e chamaram-me.

Fiz orelhas moucas e esperei pelo verde. Só que, ao contrário do que estavam à espera, quando ele surgiu no lugar de eu atravessar chamei-os.

Vieram, meio sem saber o que se passava, e eu nada. Nos entretantos o sinal voltou a ficar vermelho e eu nada.

Quando ficou de novo verde para os peões aí sim, falei: “Agora que está verde, podemos todos passar em segurança.”

Riram-se do insólito da situação, devem ter pensado “Mais uma do stor JC!”, e lá fomos como e ao que íamos: um bando de gente a querer fazer e aprender aquilo de que gostam.

Passados todos estes anos, eu com a cabeça toda branca, eles e elas a começarem a ficar, mesmo que disfarcem, ainda há um ou dois que se recordam do episódio. Fico todo babado com isso.

Pentax K1 mkII, Pentax-M 28mm 1:2,8


By me

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Tempo e fotografia




Quanto tempo usa para ver uma fotografia exposta numa galeria? Quanto tempo usa para ver a mesma fotografia se publicada num livro ou revista? Ou quanto tempo usa para ver a mesma fotografia se divulgada num site da web?

Teremos que convir que são tempos diferentes. Na web serão alguns, muito poucos, segundos. Impressa em revista ou livro, com sorte, talvez uns 30 segundos. Já numa galeria ou museu pode ultrapassar o minuto.

Estas variações, importantes que são e que dependem da atitude do público, estão a moldar a forma generalizada de fazer fotografia.

Se o digital, no último quartel, veio “democratizar” a fotografia, deixando ela de ser algo reservado a alguma elite face aos respectivos custos de equipamento e suporte, veio também “abastardar” a qualidade ou as estéticas envolvidas.

Vejamos:

Sendo a fotografia também uma forma de comunicar, a reação do público ao que é exposto é importante para a esmagadora maioria dos fotógrafos. Quer seja pelo que vende, pelo número de visitantes ou pelos “gosto” que recebe.

Acontece que pouco mais que um segundo, quiçá três segundos, se usa para desfrutar de fotografias on-line. Há muitas outras, de muitas outras origens, para serem vistas e o “tempo” é curto. Donde, se para se desfrutar de todo o conteúdo de uma fotografia é necessário tempo de observação, se ele for complexo dificilmente será apercebido. Ou, se se preferir, não será apreciado. Muitos elementos, contrastes elevados ou muito baixos, linhas complexas ou multiplos planos, diversos centros de interesse, mesmo que interligados, tornam difícil uma “leitura” rápida. Pouco apelativa no on-line.

E se é pouco apelativa não tem reacção por parte do público. E os fotógrafos, profissionais ou não, querem reacção do público.

Tudo isto por junto tem vindo a modificar a forma de fotografar. Tanto a nível de conteúdo como de forma.

Procuram-se imagens simples, de leitura rápida. Minimizam-se os centros de interesse, reduzem-se as linhas, limitam-se os altos e baixos contrastes. Simplifica-se o que se mostra para facilitar a leitura.

Pergunto, sem ironias: quem hoje usa mais que dois ou três segundos para usufruir no on-line os trabalhos de Rejlander, Adams, Capa ou Salgado?

O digital, na captação e no consumo, veio alterar a estética fotográfica. E isto não é nem bom nem mau. É, apenas, uma realidade.

 

Este seria um tema que gostaria que tivesse sido abordado na conversa de ontem, entre Fernando Ricardo e Ana Brigida na Casa da Imprensa, em Lisboa. Duas gerações e duas épocas de fotojornalismo, o antes e o depois da fotografia digital.

Mas hora e meia de conversa, viva e apetitosa, não pode “cobrir” todas as vertentes.

Para quem não esteve resta a consolação de a exposição ainda ficar durante uns tempos. Recomenda-se.


By me

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Celebração



 

Celebramos um montão de coisas ao longo da vida. Aquilo que menos celebramos é a vida por si mesma. O meu contributo.

Pentax K100D, Sigma 400, 1:56 + extensor


By me

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O banco



Eu estava neste banco de jardim, sentado. Enfim, se não era neste exacto banco, seria num outro, mais à direita e que já não existe mas cujas marcas no chão ainda são visíveis.
Estávamos em finais de Setembro, ou inícios de Outubro e corria o ano de 1977. Atrás de mim, no final do relvado, havia então uma sebe. Não seria muito grande, talvez que meio metro, mas era mais ou menos sólida e delimitava o passeio do jardim.
Do outro lado da rua não havia aquele muro, ou parede. Talvez houvesse um pequeno muro de grades em betão, coisa comum na época para separar o espaço público do caminho de ferro. Sim, porque do lado de lá havia, como há hoje, a linha de cintura de Lisboa. Sempre um via, apeadeiros baixos e passagens de nível, para automóveis ou só de peões. Aqui na zona era para viaturas e ainda se nota, mais abaixo à esquerda, onde seria, já que há ruas que terminam no actual muro.
Pois eu estava no banco a fazer tempo e entretido com um livro. Hábito com bem mais de meio século, que vou cultivando. Chegara cedo ao bairro e ainda não eram horas de ir ter com a mocinha que namorava. E ficar parado à porta, mesmo que no jardim fronteiro, não ficava bem pelo que escolhia nestas ocasiões um jardim nas imediações.
De súbito ouvi um restolhar bem forte atrás de mim. Nada que se pudesse esperar. Olhei para onde viera, à esquerda e atrás, e nada vi. Olhei para a direita, também atrás, e vi um homem a correr como se o diabo o seguisse. Havia atravessado ou saltado a sebe e fora isso que ouvira.
Logo de seguida, e do mesmo sítio, novo restolhar. Não me enganei no olhar e vi um homem a correr atrás do primeiro, de caçadeira em punho. “Caramba! Que se passa?”, pensei. E levantei-me do banco.
Nova restolhada, do mesmo local e novo lançar de olhar. Dois polícias, de G3 em punho, correndo na mesma direcção. E não pareciam ir apanhar o comboio.
Corri atrás daquela pequena multidão armada, tentando perceber o que se passava e com a inconsciência de adolescente que era.
Segundos depois, dois tiros lá mais acima. Encolhi-me mas não esmoreci na curiosidade, que crescia tanto quanto a corrida daqueles quatro. E acabei por chegar ao local onde a perseguição terminara, uma esquina mais além.
No chão, deitado de bruços, o fugitivo com as costas ensanguentadas. Um dos polícias apontava-lhe a G3; o outro, de G3 pendurada no ombro, tinha a caçadeira do civil numa mão, enquanto que com a outra o segurava. Ao longe ouvia-se um sirene, com um som típico de então mas que há anos que não escuto: Ti-no-ni! Ti-no-ni! Ti-no-ni!
A história soube-a no local, por entre os relatos atabalhoados dos presentes, dos mirones que, como eu, se chegaram e, dias mais tarde, por relatos de café e de rua nas imediações.
O fugitivo era transportado num carro de polícia, detido que fora algo antes, e não ía algemado. Aproveitando um cruzamento, fugiu da viatura e entrou num prédio. Com os polícias no encalço, naturalmente, mas que se demoraram a ir buscar as armas à mala do carro patrulha.
Quem assim corria, tentando despistá-los, saiu do edifício pela porta de acesso aos quintais nas traseiras, coisa que ainda existe na zona. Para deles sair, entrou pela porta de um rés do chão aberta, atravessou a casa e saiu para a rua.
Acontece que o dono da casa estava a preparar o fim de semana de caça, carregando cartuchos. Pegou em alguns e na caçadeira e correu atrás do intruso. Foi ele que, mais acima, disparou sobre o fugitivo.
Com a chegada de carros patrulha, os curiosos foram afastados, eu incluído.
Mas ainda vi o ferido ser levado por uma ambulância, enquadrado por um agente da PSP. Um dos que o perseguiram e que, na correria, perdera o boné, coisa de que queixava. O caçador, e a respectiva caçadeira, seguiram num carro patrulha. Já não era um “creme nívea”, que já eram raros na altura. 
Do que aconteceu depois aos intervenientes não cheguei a saber mais que o caçador ter passado uns tempos detido, primeiro na esquadra, depois no governo civil, mas que fora libertado.
Mas nunca esqueci o episódio. Nem o ter chegado atrasado ao encontro com a namorada, coisa rara de me acontecer.
Nem esqueci o banco.

By me

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Vertical/horizontal




Brincando com uma 35mm.

Sugestão: Veja-se o filme “Yi-Yi”, de Edward Yang, feito em 2000 e objecto de prémio de melhor realizador no Festival de Cannes 2000.

Entre outros aspectos, observe-se como ele faz enquadramentos de acção verticais num suporte horizontal convencional. Brilhante e sugestivo.

Pentax K1 mkII, Pentax-M 35mm 1:2


By me

sábado, 16 de setembro de 2023

terça-feira, 5 de setembro de 2023

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Ampulheta

 



Aquelo dispositivo de dois depósitos ligados que, ao ser invertido, a areia cai de um para outro, servindo de contador de tempo.

Por comparação pessoas há que, ao inverte-las, nem areia cai.


By me

sábado, 22 de julho de 2023

Aviso




 “Genesis 1

3Deus disse: “Faça-se a luz!”. E a luz foi feita. 4Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. 5Deus chamou à luz “dia” e às trevas “noite”. E houve tarde e houve manhã: primeiro dia.”

Mais detalhe, menos detalhe, esta ou aquela tradução, os livros sagrados das três maiores confissões religiosas (Judaísmo, Cristianísmo, Islamísmo) contam o mesmo.

O que nos pode levar a concluir que quem não respeitar a luz como coisa sagrada desrespeita Deus, seja ele qual for.

Fica o alerta para os fotógrafos.

Pentax K7, Tamron Adaptal2 90mm 1:2,5


By me


sexta-feira, 7 de julho de 2023

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Revoluções




Temos sabido pelas notícias sobre as manifestações de violência contestatária em França.

Sejamos honestos: o ou os motivos originais para esta onda de contestação já se perderam ao longo desta semana. Sobra a contestação pela contestação numa sociedade que não resolveu ainda problemas antigos que passam pela recuperação (ou não) da guerra, do colonialismo, dos guetos, das elites num país supostamente igualitário...

As reações institucionais a esta onda de contestação violenta aconteceram há dois dias, salvo erro.

No meio de tudo o que foi destruído e dos confrontos entre autoridade policial e manifestantes, foi incendiada a residência de um autarca, não sei já em que cidade.

Foi perante isto que os políticos franceses usaram o termo “inaceitável”. Porque os manifestantes ousaram tocar na elite política. Não lhes bastou destruirem lojas e instituições oficiais. Não lhes bastou ficarem ruas inteiras com carcaças de carros queimados e mobiliário urbano reduzido à ínfima essência. Ousarem tocar num político, num eleito, num membro das elite governativa, isso já é inaceitável e contra isso se unirão todas as forças de investigação e repressão.

Aos franceses devemos a Revolução Francesa e o conceito “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. Que está por cumprir, pois haverá sempre por lá uns mais iguais que outros. Também lhes devemos a Comuna de Paris, que teve o desfecho que conhecemos.

Entre mosquetes e cassetetes, gadanhas e petardos, Bastilhas e Maios ’68, as revoltas têm sido e serão muitas. E enquanto a expressão “piet noir” não for algo tão antigo quanto um qualquer trisavô, elas continuarão a existir.

Desde que as elites não sejam postas em causa, ou a mostarda ou pólvora lhes subirá ao nariz.


By me

terça-feira, 27 de junho de 2023

Basta


 


Há sempre um momento em que temos que fazer isto.


By me

domingo, 25 de junho de 2023

Em torno desta imagem, duas histórias: o objecto e a fotografia




O objecto

Comprado numa feira de velharias em segunda mão, quem mo vendeu não sabia para que servia. Nem eu.

Trata-se de um mecanismo de corda que, em escolhendo um tempo entre zero e dez segundos, e tendo encolhido a haste inferior, a solta no final desse tempo. É de fabrico Suisso, e foi-me vendido com o estojo de cabedal de origem pelo preço de um maço de cigarros. Dos baratos.

Não me pude queixar, principalmente por se tratar de objecto cuja finalidade desconhecia.

Cerca de uma hora depois, o mais que tinha encontrado na net foi a data de fabrico (1922), algumas fotografias com e sem a embalagem de cartão original e até o esquema mecânico interior. Mas não a função. Mas acabei por dar com a coisa, depois de dar trabalho às células cinzentas entre orelhas.

Trata-se de um temporizador fotográfico invertido. Por outras palavras, ele não faz começar um exposição mas antes a termina, no máximo de dez segundos, deste que tenhamos ajustado a câmara para “B”. Aplicavel num cabo disparador de “bicha”, para evitar movimentos parasitas na câmara. Ou mesmo directo no botão do obturador, se este tiver uma gola onde prender a haste. Algo impossível de usar nas câmaras actuais.

Peça rara, que irá para a minha coleção de peças raras e antigas.

A fotografia

Só há um coisa mais difícil de fotografar que mecanismos ou cutelaria em metal polido: Mecanismos ou cutelaria em metal polido. Tudo quanto é luz ali se reflete, como num espelho, e controlar esses reflexos não é coisa nem fácil nem rápida. Mas eles devem existir para mostrar o material de que são feitos os objectos.

Neste caso a coisa é mais complicada, já que haveria de mostrar a escala de tempo ajustável, bem como uma outra de afinação. Ambas rasgadas na superfície de metal e igualmente polidas e reflectoras. Indo mais longe, haveria que ter algo visível no enquadramento que desse uma escala de tamanho do referido objecto. Optei pela mão de madeira, que permite uma multiplicidade de posições.

Já quanto ao metal, optei pela minha abordagem incial do costume: a luz haveria que vir de cima e de trás. Mas para evidenciar as inscrições, haveria que usar uma luz razante, tão tangencial quanto possível. Que, de caminho, não apenas evitaria que a superfície ficasse um bloco de luz como se refletiriam nos bordos, criando volume. Usei uma da esquerda e de cima e um espelho de baixo e da direita que a refletia em oposição de 180º.

Propositadamente, deixei ficar algum pó na superfície metálica para ajudar a defini-la. O mesmo em relação aos reflexos que nela se vêem. Já o fundo deveria ter algo colorido para evidenciar a ausência de cor do metal.

Foi barato o objecto, considerando que usei mais de uma hora para o conhecer e mais de hora e meia para o fotografar.

Todos os prazeres fotográficos fossem assim.

Pentax K1 mkII, Tamron Adaptal2 90mm


By me

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Disciplinas

 



Lisboa

Pentax K1 mkII, Yashinon-DX 35mm 1:2,8

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Numa escola onde lecionei, antes de o digital se impor como norma fotográfica, tive uma discussão enorme com um dos directores.

Havia que comprar conjuntos para os alunos usarem e a nossa escolha recaiu em Pentax. Pelo que havia no nosso mercado então e por questões de orçamento. Uma P30, uma 28-80, uma 80-200 e uma 50. Para além de um flash, um saco e um tripé. Seriam seis conjuntos.

Pois o director não queria aceitar, já que a 28-80 cobria o ângulo da 50 e esta seria uma despesa a evitar. Não entendia ele que, e para além da luminosidade da 50, ela permitia uma disciplina visual, um saber escolher a perspectiva sem recorrer à variação de ângulo de visão, atitudes e disciplinas pessoais vitais em fotografia.

Acabámos por ganhar a discussão, mas foi difícil.

Ainda hoje mantenho essa disciplina. Apesar de gostar de captar detalhes com teleobjectiva, tenho épocas, como a que estou agora a passar, em que me imponho o uso de grande-angular. Fixa. Grande-angular moderada ou extrema.

Apesar de ter no saco ou mochila a ou as objectivas com as quais me sinto mais confortável visualmente, a que mantenho na câmara é de ângulo largo e é com isso que “vadio” na cidade ou me encaminho para um local definido. Trabalho ou outro. E é divertido forçar-me a encontrar soluções estéticas para aquilo que quero captar com esse ângulo de visão. Perspectiva e luz. Que quero ter na mente ainda antes de ligar a câmara. Saber ver com o olhar antes de ver com a objectiva.

Para quem não tem objectivas fixas (ou primárias como também se diz) sugiro uma abordagem um pouco mais difícil de respeitar: sair de casa com o firme propósito de usar apenas um ângulo pré-definido da zoom que possui. E manter-se com esse ângulo (ou distância focal) todo o dia ou boa parte dele. É bem mais difícil, já que a facilidade da zoom nos leva a “fazer batota”, mas é uma questão de disciplina individual.

Esse foi um dos principais motivos de querermos, num conjunto para jovens aprendizes, uma 50mm. Disciplina visual, por muito “louco” que possa ser o resultado final.


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domingo, 30 de abril de 2023

Peças raras


 


Um fotógrafo sente-se realizado quando o trabalho final cumpre aquilo que imaginou antes de primir o botão da câmara. Essa é a sua satisfação.

E a câmara (objectivas, luz, etc), bem como a pós produção, são as ferramentas que usa para tal.

Mas também encontra satisfação no uso da ferramenta. Não apenas porque lhe permite obter o resultado pretendido mas no seu manuseio: facilidade no uso, o bem ficar na mão que a usa e, não pouco importante, a estética da ferramenta. A “Belle Époque” e o movimento Bauhaus bem o sabiam e bem se esforçaram para o conseguirem.

Há uns anos “deitei as mãos” a esta objectiva. A da esquerda. Uma Takumar 135 1:3,5. Para além de bonita, para além de ter sido fabricada no ano em que nasci, para além de estar em estado de práticamente nova, custou metade do que me custou o adaptador para a poder usar nas câmaras digitais. Guardo-a com carinho.

Tem ainda a particularidade de ter um sistema de “presset” para o diafragma. Um sistema hoje obsoleto e poucos saberão o que é ter o diafragma aberto para enquadramento e focagem e ter que o fechar manualmente para fotografar.

Eis que hoje, numa feira de rua, encontro outra peça igualmente incomum: um multiplicador focal. À direita. Para quem não sabe, o colocar isto entre a objectiva e a câmara aumenta a “potência” da objectiva. Para quem sabe, saberá igualmente que este sistema era e é o sistema dos pobres para se ter uma objectiva potente, com o sacrfício da qualidade da imagem.

Este é mais incomum por dois motivos: por um lado porque em vez de multiplicar por dois, o habitual, multiplica por três. A perda de qualidade é equivalente. Mas também divide por três (grosso modo) a luminosidade do conjunto. Este tem de incomum o possuir uma escala na sua base que nos indica qual o diaframa (ou transmissão de luz) real que se tem para usar. Coisa que hoje, com os medidores de luz incorporados nas câmaras, nem se pensa ser nessessário. Na época (anos ’60), o habitual era usar um fotómetro manual ou ter o olho treinado. Ou usar a regra do “Sunny 16”. E haveria que ter esta ajuda se se queria uma fotografia bem exposta.

Se me perguntarem se o irei usar, a resposta é sim. Não faz sentido possuir uma peça destas, a funcionar, sem lhe dar uso ou, pelo menos, ter testado. Com a antecipação óbvia das questão de qualidade do resultado.

Fica na mala das M42.


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domingo, 23 de abril de 2023

Abris




Já não há fascismo. Já não há PIDE. Já não há censura. Já não há guerra colonial. Já não há caciques. Já não há bufos.

Não é verdade!

Ainda há censura, embora encapotada.

Ainda há caciques, embora com vários cartões.

Ainda há bufos, mas não ideológicos: ambições de carreira, actualmente.

As revoluções são momentos específicos no tempo. As mais das vezes, o mais notório que dá origem aos actos revolucionários extingue-se de um modo ou de outro.

Mas aquilo que é inerente ao ser Humano mantém-se. Por cultura ou por genética.

Quase meio século passou sobre Abril. E festeja-se a data com alegria. Mesmo que a maioria dos cidadãos não saiba, na pele, o que foi o “antes de”. Saberão por aquilo que leram, por aquilo que ouviram aos antigos, pelos filmes e séries, por aquilo que romancearam.

Mas quando alguém é afastado de funções porque a chefia não gostou do olhar que recebeu; quanto se ouve “cala-te, que falas e escreves demais”; quando se “inventa um caso” para esconder outro; quando há figuras que são alvo de notícia, várias vezes ao dia, em detrimento de outras; quando os representantes representam os seus próprios interesses ou ideias, em detrimento dos representados; quando os ideais políticos e partidários semelhantes aos de antigamente ganham força entre os cidadãos...

Abril acabou há quase meio século. Hoje estamos em Maio, ou Outubro, ou Fevereiro. O mês é outro, os ingredientes e métodos são outros, as guerras fazem-se com petro-dolares ou petro-rublos.

Se não estivermos alerta para o regresso daquilo que não quisémos, se não nos acautelarmos para novas ditaduras e métodos repressivos, se não escutarmos com espírito crítico os discursos castrantes, mais ou menos inflamados, se não afastarmos os candidatos a não democratas no poder...

De nada servirá descermos a avenida dando vivas ao que foi. O que será virá igual com outras roupagens e outras formas de servidão famélica.

Festeje-se a revolução. Mas acautele-se o futuro. Todos os dias.


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sábado, 15 de abril de 2023

Ferramentas




A importância de uma ferramenta está na proporção directa daquilo que se é capaz de fazer com ela.

É por isso que eu, em tendo acesso a uma ferramenta que não conheço mas sobre a qual só posso deduzir as suas potencialidades, trato de ir praticando e fazendo experiências com ela até que me seja “natural” o seu uso. Tentando perder a lógica e hábitos de outras ferramentas e procurando adaptar-me a novas lógicas e métodos.

No caso de objectivas, haverá que “ver” com o seu ângulo de visão, com as suas distâncias de trabalho, focagem e profundidades de campo. Haverá que antever as perspectivas que permite, o como evidenciar centros de interesse pertinentes e anular conteúdos impertinentes.

E perceber quais as potencialidades e limitações que cada uma tem e decidir se é aquele ângulo de visão (vulgo distância focal ou potência) é ou não útil para materializar aquilo que vimos e imaginámos.

Admito que é um desafio pessoal e muito intimista o olhar para algo e decidir qual a objectiva certa para o que quero. Claro que o uso das objectivas zoom facilita o trabalho, mas quero mesmo é dizer-me “Para isto é uma XXmm”. E sinto-me realizado se a minha escolha, com mais ou menos algum ajuste, é a certa.

Tal como é um desfio pessoal encontrar soluções técnicas e estéticas para contar o que quero dispondo apenas de uma objectiva: perspectiva e enquadramento. E é aqui que recorro à objectiva zoom mais antiga que conheço e que funciona a dois tempos: pé direito e pé esquerdo. Porque, e como costumo dizer, se a luz é a minha matéria-prima, a perspectiva é a minha ferramenta.


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terça-feira, 11 de abril de 2023

A minha janela




A minha câmara é a minha janela, de onde vejo outras janelas, mais pudica ou despudoradamente permeáveis, cada uma contendo um minúsculo pedaço daquilo a que chamamos vida.

No rectângulo do meu visor só cabe uma ínfima parte das janelas que vejo com a minha janela, abrindo as vidraças ou obturador, fixando num efémero para sempre aquilo que a janela da minha alma viu.

Mais que um voyeur como muitos portadores de câmara, mais que um caçador de troféus imagéticos como tantos outros, mais que um pseudo-artista que tenta pintar com a palete de cor da luz, da ou com a minha janela tento juntar as peças de um puzzle com o qual talvez seja possível construir um outro e melhor edifício a que chamamos vida. Em que a beleza do material e imaterial esteja dos dois lados da vidraça.


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domingo, 9 de abril de 2023

À tardinha




Uma ocasião, regressava eu a casa ao fim do dia e sou saudado por um motociclista numa esquina. Buzina e aceno.

Acenei de volta, claro está, que sou bem educado, mas não tinha a certeza de quem seria, ainda que o capacete e a moto me dessem algumas pistas.

Uns dias passados, em encontrando uma colega, questionei-a sobre o episódio e se teria sido ela então.

Retorquiu-me que sim e que tinha achado graça o ver-me ali, parado, no meio de quase nada.

Tentei explicar-lhe, mas não sei se consegui, que desde sempre ou quase que faço isso. Em não tendo motivos para andar depressa, caminho devagar, parando de quando em vez para apreciar o que me cerca e deixar que a mente me leve para outras ideias e paragens. Pessoas, espaços e luz, mesmo que conhecidos por ao pé de casa, são sempre diferentes, sempre apelativos, tanto quanto uma cidade desconhecida algures nos antípodas. E as ideias não têm nem tempo nem geografia.

Não sei se me entendeu. Consumidora dos últimos gadjets, alheada do que a cerca com música nos auscultadores, creio que a vida e o mundo passam por ela como chuva no vidro, protegida que está no mundo que escolheu e onde se refugia. À velocidade das redes de comunicação e das publicidades da tecnologia.

Sei-a mais ou menos feliz nesse rumo que segue. Pelo menos aparenta, que não somos próximos. Mas o seu mundo não é, garantidamente o meu. E, estou certo, muito do de belo que vou vendo e apreciando é-lhe tão rápido que nem dele se apercebe. Ou lhe altera a vida.

Vantagem de quem caminha, no lugar de se deslocar de moto.


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terça-feira, 4 de abril de 2023

Equivalente




Longe de mim equiparar-me aos mestres! No caso Edward Weston (1856-1958).

Mas o mestre por vezes fotografava formas, por vezes nuvens, e titulava essas fotografias de “equivalente”.

Na sua forma de ver, pensar, sentir, aquelas formas, fotografadas daquele modo, equivaliam aos seus sentimentos naquele momento. Algumas dessas fotografias são magistrais, outras apenas formas que para ele foram apelativas mas que, pelo menos para mim, mais não são que formas ou nuvens sem que me transmitam mais nada que isso isso mesmo.

Também eu, por vezes, me sinto tentado a seguir o mesmo caminho. Formas ou objectos sem outro significado que corresponderem ao que sinto no momento. De bom ou nem tanto.

Neste caso não começou por aí. Em saindo do cafézinho perto de casa, notei como estes galhos despidos balanceavam com a aragem, que quase nem se sentia cá em baixo, no chão. Foi ao aproximar-me das árvores que elas falaram comigo e que me impeliram a um ou vários “bonecos”. Sem mais significado que isso: um equivalente do que sentia.

A objectiva de 50mm limitava-me as possibilidades de enquadramento. Ou, vistas as coisas de outro modo, obrigava-me a procurar o enquadramento que correspondesse ao que me ía por dentro.

Um “boneco”, outro com outra perspectiva, escolha de outra árvore e outro “boneco” e, na última, parei.

Por entre os galhos escuros, contrastando com o céu branco, um apontamento de cor: uma folha verde, piquinininha, despontava. Um aviso indiscutível sobre os ciclos da vida e que, depois do inverno, a primavera chegará. Nas árvores e nos homens.

Não a fotografei. Não tinha a objectiva certa para tal. Mas ficou-me o registo, indelével, no local onde guardo todas as minhas fotografias: na alma.


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segunda-feira, 3 de abril de 2023

O pára-sol




Quais são as probalilidades de encontrar este pára-sol em estado novo, com o respectivo estojo e na caixa original numa feira de rua? E vendido por 10 euros?

Particularmente diminutas, convenhamos.

Mas acordar com aquela sensação de “tenho que lá ir”, deixar para depois outras tarefas para ceder ao impulso, abalar de casa com destino certo e acabar por voltar com um prémio destes... é quase como comprar uma cautela e ter prémio.

O problema é que gosto de saber um pouquinho da história de cada peça que tenho. E deste pára-sol só encontro na net que está esgotado. Nenhuma outra referência ao Pentax PH-S49 para 50mm 1:1,4 ou 1:1,7. Existem de outros fabricantes, a preços que nem se comparam, mas aquilo que quero...

Alguém sabe, ou desconfia, entre que anos foi isto fabricado?

É anterior aos pára-sois de baioneta, o que o coloca no séc. XX. É de plástico rígido, o que o coloca posterior aos anos ’70, suponho. Mas algum rigor para além de suposições?


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sábado, 25 de março de 2023

segunda-feira, 20 de março de 2023

Peças raras



 

É verdade que sim! Gosto de me passear pelas feiras de rua, em particular as de velharias e artesanato, por vezes tudo misturado na mesma banca.

As mais das vezes o que consta por lá não me interessa, pelo que acabo por não fazer despesa. Mas às vezes...

Às vezes aparecem, no meio de muita tralha, pequenas coisas em que o meu olho se prende e acabo por trazer uma preciosidade. Claro que o conceito de preciosidade varia muito com quem classifica.

Daquela vez foi num local onde não tinha ainda estado e não ía com grandes ou pequenas expectativas: avaliar o locar e os vendedores, que variam muito em função dos eventuais clientes da zona.

Numa banca, meio perdida, esta caixinha. Pequenina que é, quase nem se notava, não fora a alvura da toalha, que a deixava em evidência. Pedi para ver e era o que pensava: um rolo de película fotográfica. De um formato que não conhecia, mas que mais tarde vim a saber ser 16mm, o mesmo que consta nas cassetes formato 110.

Três coisas me atraíram: os três euros que me pediram por isto, o formato e a data de validade. Junho de 1957. Confesso que rolos antigos não são a minha paixão. É sabido que perdem qualidades de registo, ou sensibilidade, com o passar do tempo. Creio ter lido ou ouvido algures que será algo como metade da sensibilidade por cada dez anos.

Sendo certo que a embalagem tem escrito 30º Sch, que corresponde a Scheiner, que o fabricante é alemão, o faz com a escala seja a europeia e não a americana, e consultando uma tabela de equivalências de diversas escalas de sensibilidade, temos que em 1957 a sensibilidade correspondia a ISO 64, em valores e escalas actuais.

Usando a regra do “metade por cada dez anos”, temos que se quisesse usar este rolo hoje, supondo que tenho câmara para ele e não tenho, teria que pensar que tem uma sensibilidade de 1 a 2 ISO.

Já fotografei, há uns bons 40 anos, com película de sensibilidade 6 ISO. Agora 1 ISO, juro que nunca.

Fica, como está, junto com algumas outras peças estranhas ou incomuns, de âmbito fotográfico, que por aqui tenho.

Na fotografia ilustrativa, a caixa que comprei e a tampa de uma caixa de um rolo de 35mm, hoje o habitual nas lojas.


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Votos de boas festas




Na antiga Pérsia e nesta data astronómica celebrava-se o ano novo.

Faz sentido, se pensarmos que é na primavera que temos as primeiras colheitas, em que os dias se tornam maiores que as noites, em que o clima se torna mais ameno. E é um momento ou um dia observável e importante, não importa as guerras ou os nascimentos entre os homens.

Ainda hoje, e como tradição, tal efeméride é celebrada, pese embora os calendários sejam outros e a cultura ocidental tenha imposto o seu próprio ritmo pelo mundo fora. Ou tentado, pelo menos.

A todos vós feliz equinócio e bom novo ano.


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