quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Tempo e fotografia




Quanto tempo usa para ver uma fotografia exposta numa galeria? Quanto tempo usa para ver a mesma fotografia se publicada num livro ou revista? Ou quanto tempo usa para ver a mesma fotografia se divulgada num site da web?

Teremos que convir que são tempos diferentes. Na web serão alguns, muito poucos, segundos. Impressa em revista ou livro, com sorte, talvez uns 30 segundos. Já numa galeria ou museu pode ultrapassar o minuto.

Estas variações, importantes que são e que dependem da atitude do público, estão a moldar a forma generalizada de fazer fotografia.

Se o digital, no último quartel, veio “democratizar” a fotografia, deixando ela de ser algo reservado a alguma elite face aos respectivos custos de equipamento e suporte, veio também “abastardar” a qualidade ou as estéticas envolvidas.

Vejamos:

Sendo a fotografia também uma forma de comunicar, a reação do público ao que é exposto é importante para a esmagadora maioria dos fotógrafos. Quer seja pelo que vende, pelo número de visitantes ou pelos “gosto” que recebe.

Acontece que pouco mais que um segundo, quiçá três segundos, se usa para desfrutar de fotografias on-line. Há muitas outras, de muitas outras origens, para serem vistas e o “tempo” é curto. Donde, se para se desfrutar de todo o conteúdo de uma fotografia é necessário tempo de observação, se ele for complexo dificilmente será apercebido. Ou, se se preferir, não será apreciado. Muitos elementos, contrastes elevados ou muito baixos, linhas complexas ou multiplos planos, diversos centros de interesse, mesmo que interligados, tornam difícil uma “leitura” rápida. Pouco apelativa no on-line.

E se é pouco apelativa não tem reacção por parte do público. E os fotógrafos, profissionais ou não, querem reacção do público.

Tudo isto por junto tem vindo a modificar a forma de fotografar. Tanto a nível de conteúdo como de forma.

Procuram-se imagens simples, de leitura rápida. Minimizam-se os centros de interesse, reduzem-se as linhas, limitam-se os altos e baixos contrastes. Simplifica-se o que se mostra para facilitar a leitura.

Pergunto, sem ironias: quem hoje usa mais que dois ou três segundos para usufruir no on-line os trabalhos de Rejlander, Adams, Capa ou Salgado?

O digital, na captação e no consumo, veio alterar a estética fotográfica. E isto não é nem bom nem mau. É, apenas, uma realidade.

 

Este seria um tema que gostaria que tivesse sido abordado na conversa de ontem, entre Fernando Ricardo e Ana Brigida na Casa da Imprensa, em Lisboa. Duas gerações e duas épocas de fotojornalismo, o antes e o depois da fotografia digital.

Mas hora e meia de conversa, viva e apetitosa, não pode “cobrir” todas as vertentes.

Para quem não esteve resta a consolação de a exposição ainda ficar durante uns tempos. Recomenda-se.


By me

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