Uns dias antes tinha
estado mesmo na fossa, mais por baixo que barriga de jacaré. Por isso, quando
me abordaram no comboio, não só não os afastei como é meu hábito como ainda caí
na patetice de lhes dar a minha morada. Assim, quando naquela tarde os dois “Elder’s”
me bateram à porta, tive que a franquear e conversar com eles. Afinal o convite
tinha sido meu…
Tenho que admitir que
possuo alguma admiração por aqueles que, tendo uma fé, dão o seu tempo e o seu
esforço por ela, na tentativa de “salvar almas”, seja lá isso o que for.
E como sou curioso do
género humano, tentei tirar partido da situação, aprendendo com eles o
possível, apesar da dificuldade do fazer a ponte entre um crente e um
agnóstico.
As suas técnicas de
catequização eram bastante primárias, para não ir mais longe. Faziam acompanhar
os seus discursos bem ensaiados com ilustrações em tons aguarela, bem
semelhantes àqueles que eu não conheci de perto nas aulas de moral e religião
da escola. Não só a coloração, como o próprio traço eram de uma ingenuidade
própria para cativar crianças… de outras épocas. Mas quem sou eu para criticar
os métodos (desde que legítimos) de missionários?
Desta conversa retive, e
retenho, três aspectos principais:
Em primeiro lugar, a
maioria das minhas perguntas, materialistas e racionais, não podiam ser ali
respondidas. A todas ou quase era-me dito que as respostas só as poderia obter
em sessões posteriores, quando os rudimentos estivessem aprendidos;
Em segundo lugar,
deveríamos, eles e eu, ajoelharmo-nos para rezar, mostrando assim a nossa
humilhação perante o criador. Como não sou crente, fiz algumas fintas e
escapei-me desta. Entre outras coisas, porque seria uma hipocrisia da minha
parte;
Mas não me escapei de
ouvir – e nunca mais esquecer – um dos seus dogmas sobre a criação do mundo e
do Homem.
De acordo com eles, o
criador terá povoado o planeta em dois locais simultaneamente: o Médio Oriente
e o continente Norte Americano. Neste, o género humano vivia no paraíso, porque
de acordo com as leis divinas. Mas, a partir de dada altura, alguns
desviaram-se delas, passando a viver na luxúria, no deboche, na violência.
E então, de castigo, o
criador escureceu-lhes a pele!
Quando ouvi isto, ainda
ponderei a situação, mas achei que o preço a pagar pelas vidraças quebradas era
demasiadamente alto comparado com a satisfação que sentiria vê-los sair pela
janela do meu 7º andar.
Engoli em seco e tentei
acabar a conversa rapidamente, procurando mostrar alguma urbanidade para com as
visitas.
À saída, ainda tentaram
dar-me uns papéis com excertos do seu livro sagrado, para que o pudesse
conhecer melhor. Perante a minha recusa em aceitar, argumentando que não seria
por excertos que poderia conhecer a fundo uma religião, entreolharam-se e
acabaram por me ofereceram o exemplar que possuíam.
Ainda lhe dei uma olhada,
mas nunca fui mais longe que isso.
Queima-me os dedos e a
retina ler um livro que tão primariamente defende o racismo e a segregação
racial.
Não! Não na minha casa
nem na minha convivência! E, se pudesse, não na convivência dos demais seres
humanos!
Porque estes que ali
estiveram, são infra humanos!
Mas, ao relê-la e
recordar os detalhes do que então vivi e aqui não contei, não posso deixar de
fazer um paralelismo com o que vai acontecendo por cá, hoje em dia.
É que sairiam pela
janela, desta feita um terceiro andar, aqueles que me tentassem convencer para
efeitos eleitorais que os migrantes que por cá vivem são úteis para trabalhar
nas obras, nos campos e na limpeza de casas e ruas, mas que a sua maioria
estaria bem era atrás das grades ou recambiados lá p’ra terra deles. Sejam eles
loirinhos de leste, amarelinhos do sol-nascente, escurinhos d’áfrica ou
meias-tintas dos brazis. Porque alguns há por aí que vão defendendo, mais ou
menos francamente, que os nossos males actuais advêm dessa “cambada” que estão
aqui a subverter a lusitaniedade.
Tal como usariam o mesmo
caminho de saída aqueles outros que, a pretexto de tentarem obter votos, me
viessem dizer que merecem melhores cuidados de saúde, de educação, de justiça,
melhores tectos, alimentação e vestuário aqueles que nasceram em condomínios
fechados que os que nasceram em habitações sociais.
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