Uma ocasião, há já muitos anos, fiz uma brincadeira com um
compincha de fotografias:
Escolhemos uma zona delimitada na cidade, poucas vielas de uma
“vila operária” e combinámos fotografá-la em conjunto. Duas condicionantes:
teríamos apenas uma hora e haveria que usar todo o rolo de 36 exposições.
Quando reveladas, compararíamos os trabalhos.
Não havia nenhuma competição. A ideia foi compararmos
abordagens e visões, nas suas diversas vertentes: luz, perspectiva, momento…
Foi tão divertida a experiência, tanto na tomada de vista
como na comparação, que repetimos o exercício noutras ocasiões e noutros
locais, acrescentando outros compinchas à brincadeira. Que era muito séria,
diga-se de passagem. E com a qual nos fartámos de aprender.
Uma das coisas interessantes que daqui resultou foi
apercebermo-nos da objectiva preferida de cada um. Havia quem optasse por usar
a grande angular, havia que preferisse a “normal”, havia quem fotografasse maioritariamente
com “meia tele”. Com tudo o que isso implica de variações nas imagens
resultantes. Nem melhores nem piores, apenas outras visões, outros problemas,
outras soluções.
Acabámos por perceber que o conceito de “objectiva normal”
era (é) um quase perfeito disparate, uma formatação técnica e comercial dos
fabricantes.
Em boa verdade (e falando de câmaras que produzem negativos
com 24mm por 36mm, vulgo reflex ou SLR ou nas full frame) a objectiva que mais
se usava ou usa é de 50mm.
Dizem os entendidos que é a que tem o ângulo de captação
mais próximo da visão humana. Mas também é que mais facilmente se constrói com
maior abertura de diafragma, o que acaba por a transformar numa objectiva multi
usos, prática e luminosa.
Mas se dermos um conjunto variado de objectivas fixas ou
zoom a vários fotógrafos com alguma experiência e domínio de perspectiva,
acabaremos por verificar que talvez nem metade deles a use preferencialmente,
se as condições de luz não forem exigentes. Optam por grande angular (24mm,
28mm, 35mm) uns, por meia tele (85mm, 90mm, 100mm, 135mm) outros.
O que levará, então, a esta variedade?
Em boa verdade, a nossa capacidade de visão é
particularmente estreita. Considerando a nossa “objectiva”, o cristalino, e a
área “útil” da nossa retina, variará entre 1º e 3º, dependente do individuo
estudado. A objectiva de 50mm (novamente em película de 35mm ou full frame) tem
um ângulo de captação de cerca de 46º.
As diferenças entre uma e outra, para que à segunda se chame
de “normal” prendem-se com a nossa capacidade de concentração, com a capacidade
imobilizar mais ou menos os movimentos do globo ocular, com a densidade de
terminais nervosos sensíveis à luz na retina, desde a zona mais “útil” até à “visão
periférica”. Isto do ponto de vista meramente fisiológico.
Por outro lado, haverá que considerar a forma como cada um
se relaciona com o mundo envolvente.
Gente há que vive mais interventivo, mais próximo dos
acontecimentos e interagindo mais com o que o cerca; gente há que tem uma
atitude mais distante, mais de observador que de “actor”, ficando um pouco mais
afastado da acção envolvente. Isto não é nem bom nem mau, é apenas personalidade
e forma de viver. Que se reflecte, naturalmente, nas preferências sobre o
ângulo de visão da sua câmara.
A isto acrescente-se o factor comunicacional. Pretende o
fotógrafo mostrar o que viu e sentiu ou colocar o espectador consigo e ver sentir
com ele? Cada uma destas abordagens tem necessidades diferentes de perspectiva
e, como é óbvio, necessidades diferentes de ângulos de captação. A grande
angular coloca o espectador lá, no meio da acção, a meia tele cria um espaço de
segurança ou de conforto.
Por fim, haverá que considerar as condições em que o
fotógrafo costuma trabalhar. A reportagem (eventos, guerra, política…) implica
estar perto dos acontecimentos, pelo que a solução é, em regra, a grande
angular. Excepção feita ao desporto, em que a posição possível é distante.
Já a paisagem, a arquitectura, a publicidade, o retrato, permitem
ou exigem um maior distanciamento, com uma perspectiva que conduz a uma
reprodução mais “geométrica” dos assuntos.
O muito abordar um determinado tema e com as soluções
técnicas correspondentes acaba por “viciar” o fotógrafo em algum tipo de ângulo
de visão, acabando por ser esse a sua “visão normal”. E procurando a objectiva
correspondente.
Tenho para mim que não há um “objectiva normal”, tal como
não haverá uma “visão normal”. As condições de trabalho e respectivos “vícios”,
aquilo e como queremos e gostamos de contar e a personalidade do fotógrafo
condicionam em muito essa normalidade.
No meu caso específico, a objectiva com que mais gosto de
trabalhar (35mm ou full frame) é a 90mm. Em formato APSC (crop 1,5) é a 50mm.
Mas se há coisa que me dá prazer é forçar-me a encontrar
soluções com ângulos que não os meus habituais. Quer seja usando o telemóvel,
com a sua grande angular, quer seja saindo de casa com o firme propósito de
fotografar nesse dia sempre em tele ou sempre em grande angular. E encontrar as
soluções técnicas e estéticas para contar o que quero.
Recomendo este exercício a todos os que se querem conhecer
melhor na prática do que fazem, seja qual for a experiência fotográfica que
tenham.
Na imagem, algumas das teleobjectivas que possuo, mas que
uso apenas em ocasiões especiais.
By me
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