quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Icones




Há quem goste de apenas consumir. De usar apenas o que outros concebem e fazem. Cinema, fotografia, literatura, música, gastronomia, tecnologia…
Eu gosto disso, mas também gosto de usar coisas ou objectos que saíram das minhas mãos. Ou porque segui o que alguém concebeu, ou porque decidi conceber de raiz.
Esta fotografia é um desses casos, se bem que não completamente de raiz.
Fotografada em diapositivo, já nem sei há quantos anos e com uma Pentax LX, a objectiva foi concebida por mim, tanto quanto possível.
Um tubo de extensão de comprimento variável, uma lupa de dez dioptrias, vários cartões pretos perfurados com agulha, variando entre si na quantidade de furos.
Para garantir a focagem, para canalizar a luz à pelicula, para controlar a quantidade de luz.
Este resultado, quase que o clássico “fundo de garrafa”, será exactamente o oposto do que fabricantes e fotógrafos procuram nos tempos de hoje. E desde quase o início da fotografia, acrescente-se: nitidez.
Mas aquilo que começou por ser um desafio – construir uma objectiva a partir de quase nada – acabou por redundar na produção de algo de que orgulho: a capacidade de juntar estados de alma à imagem técnica.
O sistema, com aperfeiçoamentos no que toca a controlo de fluxo luminoso e de focagem, foi melhorado de então para cá, pese embora as peças usadas estarem guardadas em separado.
Tenho-o usado em momentos formativos e quando me apetece fazer diferente. Não diferente dos outros, que isso em nada me preocupa, mas diferente da minha própria rotina fotográfica, procurando jogar com a luz e o suporte e encontrar o ícone certo para o que vejo bem atrás da retina.
Pouco importa, neste processo de grafar com a luz, se se usam métodos ou objectos saídos das fábricas ou se improvisos ou invenções meio malucas.
Importa, antes sim, que o resultado corresponda ao que sentimos.
E se, por mero acaso ou por esforço aturado, conseguirmos atingir e provocar emoções em quem o vir, tanto melhor.
Mas se não gostarmos do que fazemos, não importa como, mais não seremos que mercenários ou prostitutas da fotografia.


By me

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

A menina das tintas



Esta fotografia tem nove anos, mais ou menos quinze dias, e faz parte de uma série que vou mantendo, agora com menos frequência: "Um olhar".
Publiquei-a na altura com o seguinte texto:
"Era tímida e foi o cabo dos trabalhos para conseguir convencê-la a deixar-se fotografar.
O que não consegui foi que me desse o seu nome.
Sendo que estávamos numa loja de artigos de belas-artes, foi assim que a baptizei, disse-lho e aceitou-o.
Ficou!"
Aquilo que na altura não poderia contar foi o que aconteceu uma ano depois:
Entrando na mesma loja, a Menina das Tintas veio ter comigo e perguntou o que havia eu feito com a fotografia que lhe havia feito e se a poderia ver. 
A internete tem destas coisas e mostrei-lha de imediato. Gostou.

Uma demonstração para além de qualquer dúvida da importância que os fotografados dão às fotografias que lhes são feitas, muito mais que a importância que quem faz fotografia dá ao resultado do seu trabalho. As mais das vezes.
Que uma fotografia, mesmo que dela nos recordemos, é "mais um troféu", é mais "uma" fotografia.
Mas o fotografado, quer se trate de uma fotografia de estúdio ou uma ocasional algures fora dele, considera cada uma como especial. No fim de contas, está ali um pedaço dele/a. Naquele breve instante da obturação, foi o centro do mundo e ele parou para isso. 

Convém que nós, que fazemos fotografia por profissão ou por devoção, tenhamos em conta o que pensa cada fotografado, o que sente cada fotografado. 
E que respeitemos aqueles que se deixam fotografar e ajudam a encher a nossa colecção de troféus. 

By me

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Photographia



Esta é uma fotografia do fazer de uma fotografia.
Será?

Se “fotografia” é “escrita da luz”, então aquela lupa, ao queimar aquela folha de papel, está a realizar uma fotografia.
Está a deixar a sua marca, indelével, naquela superfície. É o concentrar dos seus raios luminosos, e de toda a sua energia térmica, que efectua esse registo essa escrita.
E que faz um fotógrafo senão o conduzir a luz, controlada na sua energia lúmica e térmica, para uma superfície que reagirá a ela?

By me

Desabafo informativo




Dizer “O homem foi morto pela polícia” ou dizer “O homem foi abatido pela polícia” ou dizer “O homem foi assassinado pela polícia” não é a mesma coisa.
Se no primeiro caso é meramente factual, no segundo o mesmo facto reveste-se de um carácter de legitimidade enquanto que no terceiro toma foros de crime.
Os bons profissionais das escrita sabem-no bem, quer sejam ensaístas, romancistas ou jornalistas. A escolha das palavras, mesmo que de significado próximo, fazem toda a diferença.
O mesmo acontece com o tom de voz e o semblante com é dito: sério, contristado, jocoso, cúmplice… a forma como cada uma das frases acima referidas for dita reforça, neutraliza, inverte ou subverte o sentido das palavras. Qualquer actor, político, professor ou jornalista o sabe e o usa.
Na imagem também há variáveis de interpretação perante o mesmo assunto: de perto, com um grande ângulo de visão, bem de longe com uma objectiva potente; de baixo ou de cima; com luz crua ou difusa; com maior ou menor contraste, com maior ou menor profundidade de campo… se uma imagem vale mil palavras, há mil formas de fazer uma imagem de um mesmo assunto ou facto. Qualquer pintor, fotógrafo, director de imagem, jornalista ou realizador o sabe e usa.
A questão põe-se no uso que é dado à palavra, ao som, à imagem.
Se se tratar de ficção, entretenimento, trabalho de autor, qualquer método ou opção é sempre válida, desde que o seu resultado corresponda às ideias de quem faz. Pretende ele criar no receptor sensações como resposta aos estímulos que produz. E o céu é o limite, dirão alguns que entendem haver limite ao acto de criar.
Mas se objectivo for informar, tornar o receptor conhecedor de um dado facto sem lhe querer condicionar as reacções, aí a coisa fia bem mais fino.
As escolhas das palavras, dos sons, dos enquadramentos, luzes e contrastes não devem reflectir a opinião de quem produz. As opções deverão ser tão neutras quanto o possível, deixando que as opiniões sobre o contado sejam produzidas pelo receptor.
Não é fácil esta abordagem! Implica, por parte de quem produz conteúdos, um distanciamento pessoal tão grande quanto o possível dos factos relatados, uma abordagem neutra e isenta. E, convenhamos, só os bons profissionais (ou os que, não sendo profissionais, nasceram com o dom) o conseguem sem esforço.
Os outros, os normais, recorrem a diversas técnicas específicas do ofício e das ferramentas que usam, para garantir a neutralidade do que contam.
Uma delas é, sem sombra de dúvida, a igualdade de tratamento, não importa qual o assunto ou quais as simpatias. Uma abordagem idêntica, na palavra, no som ou na imagem, garante a isenção ou imparcialidade, amemos ou odiemos aquilo sobre o que escrevemos, falamos ou captamos.
Uma vez mais digo que não é fácil. Quem conta o que vê ou ouve também é humano, também reage emocionalmente. Mas é aí, na forma de reagir, que se reconhecem os profissionais, por um lado, e os amadores ou demagogos por outro.
Mais ainda: quanto mais próximo se está do assunto que se conta, mais difícil a separação entre emoções pessoais e o ofício. E o inverso também é verdade: o redactor, frente aos despachos das agências, o pivot num noticiário ou o editor de vídeo ou fotográfico têm a reserva emocional de estarem à distância e de poderem respirar fundo antes de abordarem o assunto.
Por tudo isto (e mais uns trocos que chegariam para encher umas estantes de uma biblioteca) que entendo que alguns que conheço, trabalhando na retaguarda informativa e fazendo questão de ter uma abordagem personalizada e distinta do seu ofício só podem ter duas classificações:
Ou bem que são absolutos incompetentes no que fazem, não percebendo nada da diferença entre informar e recrear, entre comunicação de massas e trabalho d’autor;
Ou então são exímios manipuladores, alinhados por ideais específicos, usando das prerrogativas do seu ofício para manipular a sociedade que consome, ingénua, o que produzem.

Tenho para mim que a um incompetente ou se ensina ou se afasta, com o carinho que uma e a indiferença que a outra situação merecem.

Já um manipulador de opiniões…

By me

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Mistérios desvendados



Em torno de tudo se pode contar uma estória. Basta olhar para o que quer que seja e dar asas à imaginação.
Sobre esta metade de laranja posso imaginar como as flores que lhe deram origem escaparam a um casamento e foram objecto de uma salutar orgia de insectos que as polinizaram. Posso ainda imaginar mãos a colhe-las e depositá-las em caixotes, que seriam levados para calibre e posterior venda. E ainda posso imaginar estar ela, junto com irmãs e primas num escaparate de um mercado ou lugar de hortaliça e a ser apalpada, metida num saco, pesada e trocada por dinheiro. Até chegar aqui e ser violentamente seccionada e esburacada.
Só parte desta estória é passível de ser verdade. A partir do momento em foi colhida não foi enviada para escolha e venda, mas sim amavelmente trocada por um pouco do sei sobre fazer este e outras fotografias.
E o estar aqui desta forma impede-a de ser comida. Foi cortada e colocada neste pires, tal como a sua outra metade, e cravada com estes cravinhos de cabeça, com o único fito de aromatizar a casa. Que a combinação do aroma da laranja com o dos cravinhos é fresco e agradável. E não provem de uma lata nem consome energia eléctrica.
Quanto ao porquê de usar a luz assim: Bem, por um lado é a primeira fonte de luz que concebo – o chamado contra-luz. As demais que coloco são apenas para a controlar e às sombras que ela provoca.
Em seguida, porque permite delinear razoavelmente bem alguns volumes e texturas.
Depois porque eu mesmo sou “do contra” e usar a luz ao contrário do habitual é algo que me agrada.
Por fim, porque cria uma certa dose de mistério, se pouco atenuada, o que se adequa ao deixar a imaginação voar.
Manias!

By me

domingo, 26 de janeiro de 2020

A prática da arte



Um excerto do livro “A prática da arte” (1970), de Antoni Tàpies, Barcelona 1923 – Barcelona 2012

“A arte é uma fonte de conhecimento, tal como a ciência, a filosofia, etc., e a grande luta empreendida pelo homem para ir ajustando a sua concepção da realidade – que é o que o enaltece e torna livre – não pode prosperar se se manipularem ideias que já foram concebidas e realizadas anteriormente. As formas caducas não podem conduzir a ideias actuais. Se as formas não são capazes de ferir a sociedade que as recebe, de a irritarem, de a impelirem à meditação, de fazerem com que ela veja que está atrasada, se não estiverem em ruptura, então não são uma verdadeira obra de arte. Perante uma verdadeira obra de arte, o espectador deve sentir-se obrigado a fazer um exame de consciência e a pôr em dia as suas velhas concepções. O artista deve fazer com que ele compreenda que o seu mundo era estreito, e deve abrir-lhe novas perspectivas. Isto é: deve levar a cabo uma autêntica obra humanista.
Quando o grande público encontra plena satisfação em determinadas formas artísticas, é porque essas formas já perderam toda a sua virulência.
Onde não houver verdadeiro impacto, não haverá arte. Quando a forma artística não é capaz de provocar o desconcerto no espírito do espectador e não o obriga a mudar de forma de pensar, não é actual.”

Imagem: by me

sábado, 25 de janeiro de 2020

Superlux




Mão amiga fez chegar à minha este aparelho, já lá vão uns sete anos ou coisa parecida..
Trata-se de fotómetro (em boa verdade é um exposímetro, já que não indica candelas por pé quadrado mas tão só permite calcular a exposição em função da luz existente.
A sua marca é “Superlux”, tendo atrás a referencia adicional “Edla”.
Nunca tinha eu visto ou lido sobre este aparelho, que se encontra num estado quase perfeito. Uma análise mais atenta informa-nos que já aconteceu uma tentativa de abertura, já que lhe falta um parafuso minúsculo. Talvez que procurando colocá-lo em funcionamento, o que seria impossível. O seu sistema de reacção à luz é antigo e a célula tem uma capacidade limite, naturalmente já extinta.
E este “naturalmente” advém deter sido fabricado nos anos trinta do séc. XX. Por aquilo que consegui apurar, foi fabricado na Hungria, tendo a Kodak usado a patente e o mesmo modelo sob o nome de “Kodalux”.
Acrescente-se que este aparelho possui uma característica invulgar para a época: permite medir a luz (ou calcular a exposição) num ângulo muito restrito (oito graus, pelas minhas contas) usando um sistema muito simples de favo-de-abelha no seu interior. Com o adicional depossuir um sistema de mira, permitindo-nos saber que zona em frente de nós estaria a ser medida. Engenhoso e funcional.
Claro está que ter este aparelho arcaico e bonito (muito bonito) nas mãos me levou a partilhar a sua existência com diversas pessoas, em particular quem está ligado ao uso da luz no seu ofício. Que desencanto!
A maioria dessas pessoas pouca importância lhe atribuiu. Nem à sua beleza, nem à sua antiguidade e menos ainda à forma original de funcionamento. Para essas pessoas, o mais importante no que toca a equipamentos é a modernidade, a novidade, o último grito. O que foi passado, mesmo que já tenha sido o último grito, é passado e pouco importa. Mesmo que de ontem.
Quem deu mais valor ao aparelho, enquanto ferramenta e enquanto objecto, foram pessoas que pouco se relacionam com o ver, analisar e captar luz. Entenderam estas pessoas o “valor” histórico, a raridade do seu funcionamento e ficaram solidariamente satisfeitas comigo por ele ter sobrevivido à voragem do tempo.

Fica um aviso a todos aqueles para quem o último grito da tecnologia é o mais importante:

Todos esses “últimos” em breve, muito breve, serão passado e arcaico. E quem não souber dar valor ao que fomos, às raízes do que somos, dificilmente será um bom utilizador da modernidade. Mais não será que um consumidor compulsivo daquilo que os fabricantes colocarem no mercado, correndo ao ritmo das vendas e dos lucros.

By me

Limitações: tentativa e erro




Um velho compincha, mestre e amigo, com quem tive o privilégio de partilhar actividades lectivas, entre muitas outras coisas, gostava de deixar os seus alunos meio à toa. Com perguntas ou exercícios que os deixassem a pensar, mesmo que as respostas não existissem ou fossem alvo de cogitações desde há séculos.
Aprendi isso com ele e, volta e meia, pratico-o.
Uma dessas perguntas é “Como explicar cor a um cego de nascença”.
Nunca eu encontrei uma resposta completa e definitiva. Do aroma ao tacto, passando pelo paladar e som, qualquer explicação que eu encontre peca sempre por defeito.
Uma outra há, desta feita criada por mim, para a qual também ainda não encontrei resposta cabal: “Como fotografar o silêncio”.
Nunca estive numa câmara anecóica para sentir o silêncio absoluto. Nem nunca estive surdo a ponto de o sentir. Já o silêncio interior, aquele que existe apenas dentro da cabeça, já o senti por diversas vezes, imposto por fora ou por dentro. Mas nunca vislumbrei o como o fotografar satisfatoriamente. Falha minha, talvez.
Eis uma versão.



By me

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Mezinhas



Aprendi isto com um velho parente, falecido há muito.
Trabalhava ele numa estamparia e serigrafia e estava encarregue das artes gráficas.
Para além dos desenhos por ele criados e do tratamento que dava aos que lhes eram trazidos pelos clientes, era também ele que se encarregava de todo o processo de abrir os quadros de seda que haveriam de permitir a impressão das tintas. E isso implicava técnicas de fotografia e laboratório, de muito rigor, incluindo o trabalho de retoque. Aquilo que hoje se faz em minutos num computador, levava então horas, quando não dias, a fazer.
E era também ele que tratava de fazer os químicos que usava.
Nada de comprar as fórmulas já feitas. Nem pensar. Comprava a hidroquinona, o bórax, o metol, óxido de prata e o que mais fosse necessário e misturava-os ele, seguindo ou não a fórmula original de acordo com as necessidades: sensibilizar as sedas, positivos, fotolitos…
Passei eu nessa fábrica, catraio que era, algumas semanas de verão, em vários anos, agarrado à guilhotina a cortar galhardetes, etiquetas e o mais que ali se fazia, para ganhar uns trocos para as férias. E, nos entretantos, ia aprendendo este ou aquele truque do ofício.
Um deles referia-se a um mal de que muito boa gente sofre nesta altura do ano e que não sabe bem como tratar: frieiras.
Pois contou-me esse parente que para tratar as frieiras (sem ferida aberta) nada como revelador de película, já gasto.
Faz-se uma “boneca” com algodão e gaze, embebe-se nesse líquido e, gentilmente, vai-se aplicando nas zona a tratar. Deixa-se assim ficar uns quatro a cinco minutos, após o que se deve lavar bem com água tépida e sabão. Uma vez de manhã, outra à noite. Em três a quatro dias está o assunto resolvido.
Nunca precisei eu de tal remédio. Frieira é “coisa que não me assiste”.
Mas recomendei a várias pessoas e, das que tinham acesso a revelador, disseram-me que funciona.
Mezinhas antigas, artesanais, sem haver que recorrer a médico ou curandeiro. Com a grande vantagem de reciclar os químicos usados. Ou, pelo menos, dar-lhes mais um uso antes de serem descartados.

Não creio que hoje as frieiras se curem com cartões de memória ou macros de photoshop.

By me

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Imagens pró e contra




A história passou-se há já mais de trinta anos, na praça do Rossio, em Lisboa.
Um polícia agarrou uma mulher jovem, que estava sentada numa esplanada, com o intuito de a levar para a esquadra, a uns trezentos metros de distância.
Em resposta, ela desferiu-lhe um potente pontapé entre penas que eu sei que não acertou em cheio porque ele ficou de pé, tamanha foi a violência.
Em resposta, recebeu um tabefe de tal forma que a virou a ela, à cadeira, à mesa, tudo de valente ferro como é hábito nas esplanadas.
A partir daí foi a confusão total, com agentes da PSP a surgirem nem sei de onde e um montão de civis a lutarem com eles. Um pandemónio!
Eu acabei por ser detido e levado também para a esquadra, pese embora não me ter envolvido no desacato que não apenas por o ter fotografado. E fui libertado passados poucos minutos, após ter esclarecido qual o meu papel naquilo tudo, com uma “ajudinha” do meu cartão profissional, que abre (ou abria) muitas portas. Incólume e sem agressões, ao contrário de todos os que ali vi entrarem.
Isso não me impediu, no entanto, de ser interpelado já cá fora pelo polícia com quem tudo aquilo tinha começado. Quis ele saber se eu havia fotografado o portentoso pontapé que havia recebido.
E, perante a minha negação, desabafou:
“Pois! Quando são os polícias a dar porrada há sempre fotografias! Quando são eles a apanhar, nunca há!”

Não serve este episódio para justificar coisa nenhuma, nem servir de exemplo a nenhuma moral que dele se queira retirar.
Mas certo é que ele, o polícia, estava correcto. E continua a estar, passados todos estes anos.

Nota adicional – A imagem não é desse episódio, arrumada que está num arquivo de negativos bem desorganizado e que não apenas não está digitalizado como não me apetece ir, agora, vasculhar.


By me

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Ferramentas



A história li-a já não sei onde nem quando, e era mais ou menos assim:

Um fotógrafo de um jornal queixava-se ao director da qualidade do material que lhe forneciam para fazer as reportagens.
“Ainda se, ao menos, tivesse uma daquelas da última geração, com aqueles pixels todos…”
A resposta foi lapidar:
“Acha que é a ferramenta que faz o génio? Então tome!” e entregou-lhe uma Mont Blanc, em ouro, que tirou do bolso do casaco. “Vá escrever um best seller.”

By me

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

À lá minuta, Minutero, Lambe-Lambe



Em tempos tive uma pergunta para a qual não sabia a resposta, por muito que lesse:
Quem se quereria deixar fotografar por um desconhecido, gratuitamente, com uma câmara de outros tempos e ter a sua fotografia publicada on-line.
Encontrei algumas respostas para estas perguntas e muitas mais perguntas que não esperava ou em que nem sequer havia pensado.
Foram três anos de trabalho de campo intenso, usando todos os dias que o meu trabalho permitia e que as condições atmosféricas não impediam.
Usei um dispositivo que construí, assemelhando-se às antigas "à-lá-minuta" mas recheado com tecnologia de ponta: uma câmara digital e uma mini impressora de jacto de tinta que funcionava com bateria. Levei mês e meio entre o ter encontrado a peça vital (a impressora minúscula) e o começar o trabalho com ela pronta. Houve que inventar peças, adaptar outras, construir mecanismos, encontrar soluções viáveis e descobrir um local frequentado por diversos tipos de pessoas que ali fossem sem pressas. Naturalmente que um jardim.
Fiz quase milhar e meio de fotografias e uns 20% delas ficaram em privado por decisão dos fotografados.
Tive várias justificações para tal, sendo que as duas mais originais passaram por magia negra uma e "traições" conjugais outra.
Tive gente dos cinco continentes à frente da minha objectiva, de todas cores, opções religiosas, níveis culturais e limitações físicas. Para já não falar nos níveis económicos, que houve gente muito rica e gente com fome. Gente sã de mente e gente não tão sã de mente.
O mais difícil foi aceitarem serem as fotografias gratuitas, que me disseram que nada na vida é de borla. Mas que se calaram quando lhes disse que  não estavam a pagar para ouvir aqueles pássaros ou os risos daquelas crianças, nem para aquecerem os ossos naquele sol. Alguns fizeram questão de fazer algum tipo de pagamento, como objectos diversos, café, água, gelados, bolos... houve mesmo quem decidisse deixar-me a mão cheia de trocos miúdos, o último dinheiro que tinham e que fora o que restara das compras no supermercado. Eles, que viviam da esmola alheia. Fui principescamente pago, dessa vez.
Fui surpreendido de diversas formas neste projecto. Com o que ouvi, com o que vi, com o que pensei... Mas a principal surprea foi o ter fotografado tão poucos namorados. E todos já para além de meio da vida, alguns mesmo em fim de vida.
Deduzi eu, e não passa de uma dedução, que nos tempos que correm, tal como antigamente, uma fotografia formal feita por um "profissional" equivale a um compromisso grafado no papel. E se os compromissos de afectos são cada vez mais difíceis de fazer e/ou manter, por outro lado toda a gente, mesmo há quase vinte anos, tem um modo de fotografar digitalmente. E os momentos com o/a "mais-que-tudo" acontecem informalmente em festas e outros eventos equivalentes.
Apesar disso, ainda acabei por fazer, em dois casos e fortuitamente, "AS" fotografias de casamento: um que aconteceu ali mesmo, no coreto do jardim, o outro celebrado creio que na embaixada daqueles migrantes de Leste, que vieram de propósito do Algarve para o acto e que se passeavam por ali após a cerimónia.
No meio de toda esta aventura, creio que fui eu que mais lucrei: que se cada um ou cada grupo ficou com uma recordação, efémera ou não, eu fiquei com um sem fim de histórias e conhecimento do género humano. E algumas recompensas bastante tempo depois.
Uns sete ou oito anos após ter terminado o projecto sou abordado na rua por um casal na casa dos vinte e poucos anos. Pergunta-me ele se eu seria o fotógrafo do jardim da Estrela, o que confirmei. E ele, voltando-se para ela, diz-lhe:
"Vês? Eu bem te dizia! Aquela fotografia que eu tenho lá no espelho, dos tempos do liceu, foi este senhor que a tirou. Ali dentro, perto do portão e do coreto."
Saber que, passados aqueles anos, aquela fotografia feita de brincadeira e de borla ainda era suficientemente importante para estar em exibição em casa...
Pouco importa se a câmara era uma "fraude temporal" ou se os resultados eram em cor ou em cinza. Os fotografados dão uma relevância ás fotografias que lhes fazem bem maior que aquelas que os fotógrafos dão às que fazem.

Na imagem? Eu, a minha câmara e uma mocinha tailandesa em turismo pela europa, que fez questão de, cumprida a função do fotógrafo, ser fotografada com ele e a sua câmara.

By me

domingo, 19 de janeiro de 2020

Velho como eu




A objectiva que se pode ver na imagem não é artigo fácil de encontrar.
Trata-se de uma Takumar Asahi 135mm f/3,5.
Torna-a invulgar de encontrar o facto de não ser uma “super takumar”, de ser montagem m42, o não ser SMC e o ser uma focal longa e o não uma teleobjectiva (não vou aqui explicar as diferenças).
O seu preço no e-bay ronda os 40 dólares, o que a coloca na fasquia inferior a nível de preços.
O que a torna mesmo rara de encontrar são dois outros factores.
Por um lado os ter dois aneis de comando de diafragma. Bem na frente da objectiva. Um deles, o prateado, marca a abertura que queremos usar; o segundo, preto, faz com que, estando rodado totalmente para um lado, o diafragma se mantenha sempre na sua máxima abertura, para efeitos de enquadramento e focagem, e, rodado para o lado oposto até ao limite possível, ficarmos com a abertura que seleccionámos. Pouco prático para trabalhar, diremos nós hoje. Mas numa época em que as objectivas eram totalmente manuais, este era um avanço notável.
Por outro lado, o que a torna absolutamente improvável de encontrar, o facto de ter sido fabricada no mês e no ano em que nasci.
Foi comprada numa loja de artigos em segunda mão pela módica quantia de 20 euros, sem que eu soubesse do detalhe da data. Visto tratar-se de montagem M42, tive que comprar o respectivo anel de adaptação, que me custou exactamente o dobro da objectiva.
Está em perfeito estado de conservação, tanto estético quanto funcional, o que a torna um belo objecto de colecção considerando que tem mais de meio século de idade.
A melhor semelhança entre ela e o seu actual dono é que está mais “perra” no anel de focagem que eu, mas para lá caminho.
As duas imagens abaixo foram feitas da seguinte forma: a da direita com a Takumar, a da esquerda com uma Tamron 18-200, ajustado em 135mm, ambas com diafragma 8,5. Na velhinha tive que acrescentar um anel de extensão, visto que a sua distância mínima de foco é de dois metros.

Tenho diversas peças de outros tempos, que faço questão de estarem funcionais, se bem que não seja possível fazê-lo com todas. E gosto de, volta e meia, dar-lhes uso.
Esta é, pela certa, uma daquelas de que nunca me separarei.


Nota adicional: para fotografar a objectiva usei uma Tamron SP2 90mm f/2,5 e para as três imagens foi usada uma Pentax K7.


By me

Vinganças



Qualquer um entende e concorda que prender alguém contra sua vontade é uma maldade. Nalguns casos, pode mesmo ser considerado um crime.
No entanto a sociedade, através da justiça que aplica as leis desejadas pelos cidadãos e definidas pelos deputados, considera a pena de prisão algo correcto, legal, passível mesmo de ser suportado pelos contribuintes.
Mas, analisemos as justificações para pena de prisão. Ou, se se preferir, analisemos o motivo de aplicar justiça.
Por um lado para que o infractor à lei aprenda que o que fez é um erro.
Por outro para que, e no decurso do cumprimento da sua pena, aprenda formas de ser um cidadão útil e integrado na sociedade.
Por outro lado ainda, e no caso de crimes particularmente graves, a sociedade não quer o criminoso no seu seio e a condenação a pena de prisão é forma de o excluir.
Por fim a vingança. É banal ouvirmos a populaça à porta de um tribunal quando decorre um processo, com o qual nada têm a ver nem como vítimas nem como testemunhas, clamarem por penas pesadas, afirmando “ainda é pouco” ao saberem do veredicto.
Mas também sabemos que a vingança é um sentimento feio, mesmo quando “servida fria”. E ensinamos isso às crianças. Pese embora os livros sagrados de diversas religiões considerarem que a vingança divina é natural e correcta.
E vive-se naquela contradição de considerarmos algo como maldade, a menos que provenha de deus.
Ora se a vingança é uma maldade (e o ensinamos às crianças) e se a privação de liberdade é uma maldade (mesmo que a termo certo), a justiça e os seus códigos são maldades sob a forma de lei. E o ser humano, que concebe como lei o fazer maldade, é um ser maldoso.

Por vezes tenho vergonha de ser um humano e de viver entre humanos!

By me

Edição limitada nº1



By me

sábado, 18 de janeiro de 2020

Gritos




Quem cirandar pela cidade verá, se estiver com os olhos abertos, inúmeros escritos nas paredes.
Alguns foram elevados à categoria de arte, passando da clandestinidade a trabalhos encomendados, não sei se bem pagos.
Outros não passam de tags, afirmações territoriais ou grupais, as mais das vezes juvenis. Clandestinos ou ilegais, possuem códigos de conduta que passam, as mais das vezes, por não se sobrepor a outros já existentes.
Outros ainda são de cariz político ou social. Mais elaborados ou mais simples, com desenhos ou simples frases, são as mais das vezes protestos contra imposições ou condicionantes governamentais. Alguns nomeiam alguém, passando pelo insulto ou votos pouco simpáticos.
Tal como existem aqueles que serão incentivos a comportamentos  político-sociais, como eleições ou manifestações. A favor ou contra, explícitos ou implícitos, há de tudo.
Aquilo que é menos habitual de ver são inscrições como esta: de afectos.
Bem sei que o amor é algo privado. Mas é algo que, sendo-o, apetece gritar ao mundo.
Talvez que se houvesse mais grafittis de afectos no lugar de protesto ou competição, o mundo fosse melhor.

Nota adicional: este muro ainda existe, num recando esconso em Lisboa. O tempo ou uma camada de tinta terão apagado a inscrição. Espero que não o expresso.



By me

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

D'arquivo



“Chovia”, contou ela. “E chovia bem!
E logo naquele dia em que tinha mesmo que ir ao banco. Não tinha forma de não ir.
Agora estás a ver: a meio da manhã, a chover daquela forma, encontrar lugar para estacionar o carro nas avenidas novas… quase que só mesmo por milagre.
Pois quando tornei a passar pela porta do banco, vejo aquele homem a correr e entrar num carro que estava estacionado. Ia sair, quase certo.
Parei o meu, recuei um pouco para lhe dar espaço e esperei.
Ele fez a manobra com o carro, meteu-lhe o nariz de fora e parou. Saiu do carro – e como chovia – e veio ter com o meu, fazendo sinal para eu abrir a janela.
- Não quer ficar com o meu papel do parquímetro? – perguntou. – Ainda tem uma hora.
Agarrei nele, incrédula, e ele voltou a correr para o carro, debaixo daquela chuva e foi-se embora.
Ainda há gente assim.”

A cara dela, ao contar-me esta história, exibia um sorriso de orelha a orelha.

E eu sorri por dentro, sabendo que são estes pequenos episódios, a que não costumamos dar valor, que me fazem ainda acreditar no género humano em geral e nos portugueses em particular. Não por qualquer motivo em especial que não seja porque, apesar de tudo o que vamos vivendo, este espírito vai-se mantendo.

By me

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Memória




Estou em crer que é um dos problemas dos fotógrafos:
Podem ter uma memória fraca para nomes, datas, números de telefone… Mas não esquecem fotografias que tenham feito ou, em alternativa, em as vendo recordam-se com algum detalhe das circunstâncias em que foram feitas.
É o meu caso.
Porque o assunto surgiu numa troca de mensagens, recordei-me desta fotografia. E de um montão de detalhes sobre ela.
Recordo mais ou menos quando e onde tive a vontade de a fazer, recordo onde a fiz e a que horas a fiz, recordo os materiais que usei: arame de cobre, ferro de soldar, molas de roupa, lâmina X-acto, Apyrol…
Vale o que vale e a minha satisfação hoje é bem diferente da de então. Que essa também recordo.



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terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Magias




Há quem tire coelhos da cartola.
A fotografia também é magia ou ilusionismo.



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segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Piada de mau gosto:




A Cultura cristã fala-nos no inferno: que arde, que os ali enviados sofrem, que fica “em baixo”, ao contrário do céu ou paraíso, que fica “em cima”.

Os tempos que correm confirmam isso:
Mais ou menos nos antípodas de Portugal fica a Austrália que, sabemos, está a arder infernalmente.



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O estado e o povo




Desde Outubro do ano passado que a ilha das Flores, nos Açores, está quase isolada do resto do mundo, no que a bens diz respeito.
Uma forte tempestade destruiu quase por completo o único porto que recebe abastecimentos. De alimentos a combustível, passando por todo o resto.
Por aquilo que as notícias nos contam, a recuperação do porto demorará anos. E os abastecimentos chegam “às pinguinhas”, transportados para terra em pequenas lanchas semi-rígidas dos navios que fundeiam ao largo.
Pergunto onde estão e a fazer o quê as lanchas militares de desembarque como esta na fotografia, pertencentes à marinha portuguesa.
Por aquilo que consegui saber, Portugal possui duas, no continente. Também por aquilo que consegui saber, levaria pouco mais ou menos três dias a lá chegar.
As únicas dúvidas que tenho passam por se estas lanchas podem enfrentar o Atlântico nesta altura do ano e se haverá vias de acesso terrestre até junto de alguma praia para desembarque nas Flores.



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domingo, 12 de janeiro de 2020

Relevâncias




Morreu um piloto de competição português. No decurso de uma competição, das mais duras das que existem.
Poderá dizer-se que morreu a fazer aquilo de que gostava: competir em cima de uma moto.
Vieram a terreiro diversos políticos e figuras públicas lamentar a sua morte e fazer-lhe um elogio póstumo. É bonito e fica-lhes bem.

Volta e meia, não sei com que frequência, morre um professor. Do ensino básico, profissional ou superior. Da mesma forma, volta e meia morre um artista: escrita, artes plásticas, artes cénicas.
Dessas mortes não se ouve falar. Nem da boca dos políticos ou figuras públicas nem nos noticiários. Para além da família e amigos próximos, poucos mais saberão disso. No entanto…
No entanto, enquanto os desportistas competem, querendo ser mais que os outros, professores e artistas fazem mais pelos outros que por si mesmos, fazendo com que alunos e cidadãos em geral cresçam e seja melhores.

Os lugares no pódio são bonitos. Mas nenhum dos que lá chega o conseguiria sem professores ou artistas!



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sábado, 11 de janeiro de 2020

Luvas



Aquela peça de vestuário que, se não tiver dedos, se chama mitene.
Luvas para o frio, luvas de boxe, luvas de cerimónia, trabalho ou desporto.
Dar luvas.
Todo o mundo conhece o termo “Dar luvas”. O que já não é tão conhecido é o motivo pelo qual se associa este termo a corrupção ou qual a origem da expressão.
Em tempos de antanho, as luvas eram uma peça reservada às mais altas classes sociais. Os comuns, vilãos ou servos tinham que conviver com o frio ou com a aspereza das tarefas que realizavam.
Mas a nobreza usava-as que não apenas para o frio. Para combate. Faziam parte das armaduras ou cotas de malha metálica com que enfrentavam os adversários, em campos de batalha ou liças de torneios.
Estas couraças metálicas eram fabricadas pelos ferreiros ou armeiros, a quem os nobres combatentes agradeciam a robustez dos seus artefactos, após os combates a que sobreviviam, com uma das luvas que tivessem usado. Eram troféus exibidos pelos artesãos para demonstrar as qualidades dos seus trabalhos.
Com o passar dos tempos, começaram a perder importância como tal, mas o agradecimento manteve-se, agora com umas moedas incluídas no seu interior.
Por muito bom que seja o ferro ou o aço, o ouro vale sempre mais.
Quando os tentáculos metálicos perderam a sua função bélica, com eles desapareceram os troféus. Mas manteve-se a tradição de pagar ou agradecer de uma forma dissimulada, os favores ou dívidas assumidas. De metal passaram a couro ou tecido, sempre com as moedas no seu interior.
Hoje esses pagamentos dissimulados não circulam dentro de luvas. Mas continuam a ser presentes valiosos, as mais das vezes não confessos nem públicos. Mas mantêm-se no campo dos contratos, bélicos, industriais, políticos ou outros, para garantir favores prestados, atenções dadas, opções tomadas, que, tal como os presentes, não são nem confessos nem públicos.

Confesso que cada vez mais tenho vontade de recuar no tempo e procurar as velhas luvas metálicas e bem sólidas. E delas fazer prenda, pela cara dentro, de muitos gabirus que por aí andam usufruindo do nosso esforço para encherem a sua própria barriga.

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sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

A tampa e a luz



Ao longo dos anos vários têm sido os que me questionam sobre a minha preferência de uma luz de recorte (ou contra-luz, ou back light ou hair light ou luz de trás) intensa.
Curiosamente só de há uns anos a esta parte me apercebi que, de facto, essa é a minha luz preferida, seguida de perto por uma luz lateral em relação ao eixo de observação ou de captação.
Por resposta encontrei várias possíveis, de índoles bem diversas.

Numa primeira abordagem, uma luz de recorte intensa é fácil de trabalhar e de, com ela, se obterem resultados se não espectaculares, pelo menos menos comuns. É que basta que a luz vinda de perto do eixo de observação seja suficiente para se perceberem os detalhes e sem sombras contrastadas. A outra, a de recorte ou de trás, pode ter a intensidade que se quiser (1:3, 1:5, 1:10, por comparação com a frontal) que é aceitável alguma falta de controlo sobre ela desde que fique a “queimar” ou quase.
Desta forma, as definições dos diversos planos, os jogos de contraste assim criados e o evidenciar do ou dos centros de interesse na imagem não só são fáceis de criar como de fácil leitura por parte do público. Talvez que o factor preguiça me tenha levado por este caminho.

Mas outras repostas podem ser encontradas, não tão simples.
A luz que vemos e que fotografamos é, as mais das vezes, a reflectida dos objectos. Vinda de uma qualquer fonte (natural ou artificial, apenas disponível ou laboriosamente trabalhada) os raios luminosos incidem no assunto e são reflectidos. Em regra não na totalidade, já que parte dessa energia luminosa é absorvida pelos materiais (e chamamos a isso cor) ou atravessa-os na proporção em que são permeáveis (e chamamos a isso translucidez ou transparência).
Em qualquer dos casos, definimos leis e regras científicas para a radiação, reflexão e refracção, regras essas que quem usa a luz como matéria-prima tem que conhecer medianamente bem.
Mas a verdade é que a esmagadora maioria da luz que traduzimos em “ver” e em “fotografar” é a reflectida. O que significa, na prática, que aquilo que vemos e registamos é, apenas, a superfície dos assuntos. O seu interior, quer lhe chamemos “recheio”, “alma” ou “para além de” fica oculto ou ofuscado por essa reflexão de superfície.
Sendo verdade sou um eterno curioso (um eufemismo para metediço) em relação ao que me cerca, tenho tendência para tentar conhecer o mundo um pouco mais além da superfície aparente.
Uma forte luz de recorte ou contra-luz permite que, ao resvalar nas arestas ou atravessar o assunto se for esse o caso, aquilo que vejo e registo vá um pouco para além das aparências da superfície. Não apenas no conceito metafórico do termo mas também no real, usando a translucidez ou transparência dos assuntos fotografados.
Claro está que este “ir para além da superfície” será, as mais das vezes, uma questão interpretativa. Mas também o é toda e qualquer fotografia, por muito técnica ou “fiel”que queiramos que seja.
E, muito naturalmente também, esta não será uma abordagem que eu use exaustiva ou exclusivamente. Mas, em situações normais, tenho tendência para a procurar ou provocar.

As explicações quanto a esta minha preferência não se ficam por aqui: acontece que sou do contra!
Tenho uma atitude de contestação generalizada na vida (já me disseram que a primeira palavra que terei dito conscientemente terá sido “Não!”). Assim, e se a grande maioria dos fotógrafos, conceituados ou anónimos, procura a luz frontal, mais suave ou mais contrastada, na moda, na arquitectura, na paisagem, no retrato, na reportagem, faz todo o sentido que a minha atitude contestatária me leve a procurar outros caminhos, no caso, outros tipos de luz. O próprio termo “contra-luz” é bem elucidativo!

Um outro motivo, desta feita não congénito, pode explicar esta preferência por fortes contra-luzes:
Há mais de uma vintena de anos perdi a capacidade de visão normal da vista direita. Mantive a visão periférica, mas a frontal, a de detalhe, transformou-se numa mancha cinzenta, irremediavelmente.
Com esta “menosvalia” perdi também a capacidade de avaliar distâncias de forma convencional: a visão estereoscópica desapareceu por completo. O que me levou a encontrar soluções no quotidiano para resolver as coisas mais simples, como o saber a que distância se encontra um carro, ou o enfiar uma linha numa agulha ou o descer de uma escada.
Mas o cérebro humano é bem mais poderoso que aquilo que imaginamos e encontrei inconscientemente soluções alternativas: o tamanho aparente dos objectos ou a sua sobreposição (perspectiva, a ferramenta do fotógrafo) e, obviamente, as sombras que eles provocam (luz, a matéria-prima do fotógrafo).
Acontece que se as sombras se projectarem para além do objecto, não são visíveis porque tapadas. É bem mais fácil calcular distâncias se as sombras se projectarem para o nosso lado. Ou seja: se a fonte de luz que as provoca estiver para além do objecto – contra-luz.

Seja como for, há que admiti-lo, esta preferência por este tipo de luz para fotografia tornou-se bem mais fácil de pôr em prática com o recurso à fotografia digital e ao processamento no computador. A tentativa e erro no controlo de contrastes é muito mais acessível e bem mais barato (a custo zero e tempo mínimo) que nos tempos do diapositivo ou do negativo.
Em qualquer dos casos, e seja qual for o principal motivo ou motivos para se gostar de um dado tipo de luz (ou composição, ou perspectiva, ou proporções de imagem ou o que quer que seja) será bom que cada um o perceba e saiba.
Para saber porque o faz e disso tirar proveito ou, pelo contrário e se as circunstâncias assim o exigirem como seja um cliente, poder evitar o excesso de personalização.

E parar para pensar naquilo que fazemos e de que gostamos, mais que gastar tempo, é saber usá-lo.

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terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Métodos



O quarto objecto a sério para fotografia que comprei, há quase quarenta anos, foi um fotómetro especial: um spotmeter. No caso, um Pentax digital, de um grau de leitura.
Queria eu seguir as pisadas dos mestres, fazendo as leituras de luz com o máximo rigor possível. Influenciado por eles e por um mestre e amigo, professor de fotografia que mais tarde irmanei nessas andanças.
Possuo ainda o aparelho, mas não o mestre, que já faleceu.
A prática veio a reduzir o uso de tal aparelho, bem como o ter adquirido, passados muitos anos, um outro, mais moderno e multi-funcional.
Esta forma de medir a luz, que muitos pensam ser facilmente substituível pelas leituras das câmaras, com os seus sistemas programados, é de tal forma rigorosa que, não a sabendo bem usar, resulta em disparate. Muitas vezes em imagens mal expostas.
Na verdade um spotmeter, mais que nos indicar a exposição correcta em função da luz existente e da sensibilidade do material, permite-nos medir contrastes. Qual ou quais os contrastes de luz no assunto toleráveis pelo suporte lúmico e, em função disso, tomar as respectivas decisões. Tanto na tomada de vista como no processamento posterior.
A fotografia digital, com os ajustes no computador, permitem uma multiplicidade de correcções. Nos contrastes, de intensidade e de qualidade, no detalhe, nas calibrações cromáticas…
Mas não saber antecipar o resultado final acaba por resultar, todo esse processamento, em “remendar” aquilo que correu menos bem no momento da obturação.
O treino de olhar e aquilatar as diversas reflectâncias é fundamental. Um olhar treinado pode resolver muitas situações, mais a mais ajudado pelas imagens de teste que se possam fazer a analisar no momento. Uma das vantagens dos sistemas digitais de captação de imagem.
Mas o para pensar, o medir e decidir, mesmo que mal, será a base de todo esse treino e os consequentes bons resultados.
Nos tempos que correm o uso de um spotmeter não será vital. Os sistemas de medição das câmaras, nas suas diversas variantes, podem substituir esses aparelhos. Com a vantagem de não se ter que carregar com tanta tralha, de se ser mais discreto (se essa for uma necessidade) e de serem mais baratos os conjuntos em que investimos.

Actualmente possuo dois spotmeters que referi. Na prática, e no quotidiano, não os uso. Encontrei outras formas ou métodos que me vão satisfazendo.
No entanto, volta e meia, lá saio de casa (ou mesmo dentro dela) e faço o gosto aos dedo (e ao olho): Medições rigorosas antes de tomar decisões de exposição.
Com isto, vou recalibrando olho e mente, tentando garantir que as operações que realizo estão correctas. Se quiserem dizer de outra forma, vou fazendo exercícios de reciclagem e treino.
Não serei perfeito no que faço. Nem pouco mais ou menos. Mas vou fazendo o possível por conseguir que o faço corresponda com o que vi com o olho da alma. E, para isso, preciso de luz.

Na imagem, roubada da net: Capa do manual de um dos primeiros spotmeter, que não possuo, dos anos 30/40 do séc. XX.
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