Nota prévia: sei que para alguns o conjunto de pensamentos
abaixo expresso será um “chover no molhado”. “Lá está ele outra vez com isso!”
dirão alguns.
Mas ser honesto naquilo que se diz e relembrar o que vai
caindo no esquecimento não creio que seja pecado. E, ao contrário de tantos,
não imponho comportamentos nem defino leis. Apenas refiro aquelas que, por
muito que nos esforcemos, não dominamos nem compreendemos.
Por aquilo que vou vendo do que se fotografa e fotografou ao
longo do tempo, há quatro assuntos, excluindo o ser humano, que são os mais
registadas: roupa, automóveis, monumentos e contadores de tempo.
A roupa, muito naturalmente, como publicidade. As modas
variam todos os anos, ou os fabricantes não venderiam nem os consumidores se
evidenciariam pela diferença, pelo que a roupa (e calçado e assessórios) surgem
em tudo quanto são publicações, da especialidade ou não.
Os automóveis (e motos) também pela publicidade, que o
negócio impera e há que convencer os potenciais compradores das vantagens dos
novos modelos. Mas outro motivo há para que se os fotografe, ou se mostre as
respectivas fotografias: afirmação. Desde quase sempre que a posse de um
automóvel é uma forma de se demonstrar o seu lugar na sociedade: o último
modelo, o mais rápido, o mais confortável, o mais espaçoso, o mais aventureiro…
Personalidade e carro andam de mão dada, apenas limitada esta união pela
disponibilidade económica.
Já os monumentos, para além da publicidade das agências de
viagens, são pura afirmação pessoal. Fotografam-se (ou exibem-se postais
ilustrados) para demonstrar que se esteve ali. Por vezes isolados, muito
frequentemente como fundo a alguém, é o orgulho da viagem, a demonstração inequívoca
do que se relata. “Eu estive lá”. Testemunho quantas vezes exibido para
demonstrar o cosmopolitismo do fotógrafo e, ainda que quase inconsciente, para
fazer alguma inveja aos demais.
Já os contadores de tempo (relógios ou outros) têm,
parece-me, três motivos distintos: Publicidade, como não poderia deixar de ser;
afirmação social, através da complexidade, preço ou aparência do exibido;
controlo do que não se controla. Podemos registar os espaços e os volumes,
vivos ou inertes, mas nunca o tempo. Podemos possuir ou dominar espaço e
objectos nas suas três dimensões. Mas, no que ao tempo concerne, o mais que
podemos é usa-lo e mostrar que existe. Nada mais.
Da marcação da passagem do tempo, contando-o por dias ao
mais minúsculo intervalo de tempo com os atómicos contadores, o mais que
podemos fazer é regista-lo. Relógios, calendários, riscos na parede… só o
podemos contar, nunca dominar. E mesmo entendê-lo é complicado, quase tanto ou
mais ainda que todas as teorias sobre o universo.
Este registo ou contagem é questão antiga. Quase tão antiga
quanto a existência do Homem. Relógio de sol, clepsidra, ampulheta, mecanismos
e electrónica, tudo tem sido usado para a sua contagem ou constatação.
Os antigos, os muito antigos, regulavam-se pelos astros:
sol, lua, constelações…
O dia, o ciclo lunar e as suas fases definindo as semanas, o
ano pela posição do sol no zénite ou no horizonte…
Ainda hoje os ciclos astrais estão na base de algumas das
nossas contagens de tempo: o dia (o meio dia e a meia noite são importantes),
as semanas nas gestões comerciais e laborais, os anos nas efemérides pessoais
ou sociais… Mesmo algumas actividades primárias, como as pescas e a agricultura
definem os tempos de acção pela lua e a sua influência no planeta.
Se consultarmos os escritos antigos, as mais das vezes de
cariz religioso e onde as regras sociais ficaram definidas, o factor tempo e a
sua relação com os astros está lá: o sol e a lua, nos seus movimentos
regulares, marcaram eventos e definiram, até hoje, a passagem temporal e as
actividades humanas.
Mas, anterior a livros sagrados, anterior mesmo à escrita
codificada em caracteres, já o tempo e a sua evolução era objecto de pasmo, celebração
e registo. Apenas com recurso aos meios então disponíveis: observação e força
humana.
Refiro-me aos monumentos megalíticos. E se alguns celebravam
ou honravam morte ou vida de alguns humanos, outros organizavam-se de forma a
assinalarem momentos importantes. Marcados pela posição do sol ao longo do ano.
Solstícios e equinócios estão marcados um pouco por todo o
planeta, independentemente das civilizações e suas complexidades. O esforço
para o fazerem deixa-me espantado: toda a sociedade deveria intervir nos
arrastar e orientar penedos de toneladas. Em datas que nem sempre seriam
constatadas, que as nuvens nem sempre permitem saber o momento exacto do zénite
ou do ocaso.
Chamamos hoje a esses dias de “mudança de estação”. A
duração do dia e da noite altera-se na sua proporção, estios, invernos e
intermédios dizem-se começar ou terminar. E ainda hoje há onde o ciclo anual se
celebre num equinócio e não numa data arbitrária ou numa celebração de
actividade humana.
A próxima segunda feira é um desses dias celebrados desde
sempre: o equinócio do outono. Muito menos celebrado que a passagem do ano ou
festividade religiosa. Nem sequer dá direito a brindes, descanso ou referência
na comunicação social.
Sugiro que, à revelia das modernidades, parem um pouco.
Pensem nos antigos a verem as sombras a projectarem-se no
local previsto e a questionarem-se sobre o motivo.
Pensem nos ciclos que se completam e no tempo que não
dominam.
Pensem se, para além de um deus, o vosso ou qualquer outro,
esta manifestação da natureza não será mais constatável e venerável.
Pensem que não dominamos o tempo mas tão só podemos gerir a
utilidade que lhe damos, com prazeres e desprazeres.
Pensem que tivemos os sábios, as bibliotecas, as
enciclopédias e agora os googles. Mas que os antigos honravam aquilo que hoje
desprezamos mas continuamos a não dominar: o tempo.
By me