quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Coisa sérias ou nem tanto




Demasiadas vezes me faço a pergunta: Adianta publicar por aqui temas polémicos, que possam levar quem por aqui passa a pensar e contestar ou concordar?
Cada vez mais me parece que as chamadas redes sociais se restringem a temas fofinhos ou politicamente correctos, de um ou do outro lado da barricada. E alimentadores de ego, também.
Talvez que o melhor seja mesmo dedicar-me a selfies, mesmo que com péssima qualidade. Ou gatinhos, coisa que não tenho mas posso arranjar.



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terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Fotografia e género




Não adianta muito estarmos com ilusões: a Fotografia é um mundo de homens!
Dito isto, e antes que me atirem as óbvias pedras de escandalizados, deixem-me explicar.
Por mais voltas que possamos dar, a verdade é que a grande maioria dos fotógrafos conhecidos são homens. Desde o início da prática da fotografia.
E se, nos primórdios, se poderia argumentar que as artes e as técnicas eram coisas masculinas e que só algumas mulheres conseguiam singrar e a muito custo, nos tempos que correm já não se pode dizer o mesmo.
O papel da mulher no mundo do trabalho e das artes já não é tão segregado e as oportunidades são quase (quase) iguais.
Mas a verdade é que, se dermos uma olhada com olhos de ver, constatamos que, ainda assim, os nomes de gente ligada à fotografia continuam a ser primordialmente masculinos. No jornalismo, na moda, nos desportos, nos eventos, na arquitectura… Quem procurar vai encontrar uma notória desproporção entre eles e elas.
E não é, estou certo, por falta de qualidades por parte das mulheres!
Mas se olharmos para os trabalhos das mulheres fotógrafas podemos concluir o mesmo. Mais ou menos.
Grande parte das imagens feitas por mulheres que contenham seres humanos é de mulheres ou crianças.
Poderíamos imaginar que os homens se sentem mais atraídos por mulheres para as fotografarem. O eros, a fantasia, o mercado, os afectos… Tudo isto poderia e pode justificar que os homens fotografem mulheres.
Mas ver que a maioria das mulheres fotografa mulheres e não homens deita por terra quase todos os argumentos acima enunciados. Que a atracção pelo sexo oposto, quer pela sensualidade, quer pela vivência do quotidiano, faria com que fosse o oposto.
E o argumento da beleza das formas também não colhe. Que o masculino é tão belo quanto o feminino, quando tratado com igual cuidado.
Tenho algumas explicações para isso. Adaptadas do que acontece com a pintura e bem explicada por John Berger:
Quem consome fotografia é maioritariamente masculino.
São os homens que encomendam os trabalhos, são os homens que os pagam, são os homens que compram as publicações. E se quem paga prefere um determinado produto, quem produz tenta satisfazer o mercado.
Claro que poderíamos aqui introduzir toda uma lista de discussões sobre se a mulher gosta mais ou menos de se exibir ou ser fotografada que o homem. Ou se é mais fácil convencer um homem ou uma mulher a ser fotografada. E os motivos que levam a existirem mais mulheres que homens como modelos de moda. Ou os motivos que conduzem a que nas linhas de partida ou nos pódios de desportos motorizados estarem mulheres a saudarem os vencedores e não homens.
É todo um mundo de argumentos e temas sobre a forma como os Humanos enquadram o masculino e o feminino.
Mas é garantido que há mais homens que mulheres a fotografar e a serem reconhecidos neste mister. E que as mulheres, tal como os homens, preferem as mulheres para fotografar.

Depois de tudo isto dito e se, depois de pesquisarem um pouco para contestar ou concordar comigo, podereis atirar-me pedras se o entenderem.

Imagem por Margaret Watkins

Irritações



Aquilo que me irrita quando o despertador toca é saber que fui eu que o liguei!

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segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

A tampa e a luz



Ao longo dos anos vários têm sido os que me questionam sobre a minha preferência de uma luz de recorte (ou contra-luz, ou back light ou hair light ou luz de trás) intensa.
Curiosamente só de há uns anos a esta parte me apercebi que, de facto, essa é a minha luz preferida, seguida de perto por uma luz lateral em relação ao eixo de observação ou de captação.
Por resposta encontrei várias possíveis, de índoles bem diversas.

Numa primeira abordagem, uma luz de recorte intensa é fácil de trabalhar e de, com ela, se obterem resultados se não espectaculares, pelo menos menos comuns. É que basta que a luz vinda de perto do eixo de observação seja suficiente para se perceberem os detalhes e sem sombras contrastadas. A outra, a de recorte ou de trás, pode ter a intensidade que se quiser (1:3, 1:5, 1:10, por comparação com a frontal) que é aceitável alguma falta de controlo sobre ela desde que fique a “queimar” ou quase.
Desta forma, as definições dos diversos planos, os jogos de contraste assim criados e o evidenciar do ou dos centros de interesse na imagem não só são fáceis de criar como de fácil leitura por parte do público. Talvez que o factor preguiça me tenha levado por este caminho.

Mas outras repostas podem ser encontradas, não tão simples.
A luz que vemos e que fotografamos é, as mais das vezes, a reflectida dos objectos. Vinda de uma qualquer fonte (natural ou artificial, apenas disponível ou laboriosamente trabalhada) os raios luminosos incidem no assunto e são reflectidos. Em regra não na totalidade, já que parte dessa energia luminosa é absorvida pelos materiais (e chamamos a isso cor) ou atravessa-os na proporção em que são permeáveis (e chamamos a isso translucidez ou transparência).
Em qualquer dos casos, definimos leis e regras científicas para a radiação, reflexão e refracção, regras essas que quem usa a luz como matéria-prima tem que conhecer medianamente bem.
Mas a verdade é que a esmagadora maioria da luz que traduzimos em “ver” e em “fotografar” é a reflectida. O que significa, na prática, que aquilo que vemos e registamos é, apenas, a superfície dos assuntos. O seu interior, quer lhe chamemos “recheio”, “alma” ou “para além de” fica oculto ou ofuscado por essa reflexão de superfície.
Sendo verdade sou um eterno curioso (um eufemismo para metediço) em relação ao que me cerca, tenho tendência para tentar conhecer o mundo um pouco mais além da superfície aparente.
Uma forte luz de recorte ou contra-luz permite que, ao resvalar nas arestas ou atravessar o assunto se for esse o caso, aquilo que vejo e registo vá um pouco para além das aparências da superfície. Não apenas no conceito metafórico do termo mas também no real, usando a translucidez ou transparência dos assuntos fotografados.
Claro está que este “ir para além da superfície” será, as mais das vezes, uma questão interpretativa. Mas também o é toda e qualquer fotografia, por muito técnica ou “fiel”que queiramos que seja.
E, muito naturalmente também, esta não será uma abordagem que eu use exaustiva ou exclusivamente. Mas, em situações normais, tenho tendência para a procurar ou provocar.

As explicações quanto a esta minha preferência não se ficam por aqui: acontece que sou do contra!
Tenho uma atitude de contestação generalizada na vida (já me disseram que a primeira palavra que terei dito conscientemente terá sido “Não!”). Assim, e se a grande maioria dos fotógrafos, conceituados ou anónimos, procura a luz frontal, mais suave ou mais contrastada, na moda, na arquitectura, na paisagem, no retrato, na reportagem, faz todo o sentido que a minha atitude contestatária me leve a procurar outros caminhos, no caso, outros tipos de luz. O próprio termo “contra-luz” é bem elucidativo!

Um outro motivo, desta feita não congénito, pode explicar esta preferência por fortes contra-luzes:
Há mais de uma vintena de anos perdi a capacidade de visão normal da vista direita. Mantive a visão periférica, mas a frontal, a de detalhe, transformou-se numa mancha cinzenta, irremediavelmente.
Com esta “menosvalia” perdi também a capacidade de avaliar distâncias de forma convencional: a visão estereoscópica desapareceu por completo. O que me levou a encontrar soluções no quotidiano para resolver as coisas mais simples, como o saber a que distância se encontra um carro, ou o enfiar uma linha numa agulha ou o descer de uma escada.
Mas o cérebro humano é bem mais poderoso que aquilo que imaginamos e encontrei inconscientemente soluções alternativas: o tamanho aparente dos objectos ou a sua sobreposição (perspectiva, a ferramenta do fotógrafo) e, obviamente, as sombras que eles provocam (luz, a matéria-prima do fotógrafo).
Acontece que se as sombras se projectarem para além do objecto, não são visíveis porque tapadas. É bem mais fácil calcular distâncias se as sombras se projectarem para o nosso lado. Ou seja: se a fonte de luz que as provoca estiver para além do objecto – contra-luz.

Seja como for, há que admiti-lo, esta preferência por este tipo de luz para fotografia tornou-se bem mais fácil de pôr em prática com o recurso à fotografia digital e ao processamento no computador. A tentativa e erro no controlo de contrastes é muito mais acessível e bem mais barato (a custo zero e tempo mínimo) que nos tempos do diapositivo ou do negativo.
Em qualquer dos casos, e seja qual for o principal motivo ou motivos para se gostar de um dado tipo de luz (ou composição, ou perspectiva, ou proporções de imagem ou o que quer que seja) será bom que cada um o perceba e saiba.
Para saber porque o faz e disso tirar proveito ou, pelo contrário e se as circunstâncias assim o exigirem como seja um cliente, poder evitar o excesso de personalização.
E parar para pensar naquilo que fazemos e de que gostamos, mais que gastar tempo, é saber usá-lo.

By me

sábado, 26 de janeiro de 2019

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Hora perdida



Hoje perdi uma hora!
Não se foi ao sair da cama, se ao ler as notícias na net ou a tomar café ali na rua de baixo.
A verdade é que quando dei por mim tinha perdido uma hora.
Bem que a procurei por entre as cobertas da cama, no fundo da chávena na cozinha e até no ralo da banheira.
Mas não encontrei a hora perdida!

Não é que seja muito importante. Atrás de uma vem outra hora, e outra ainda e ainda mais outra, e todos os dias têm muitas horas para usar. O que é frequente é desperdiçar horas em coisas inúteis, ou fúteis ou forçadas.

Mas, se por acaso virem por aí uma hora sem dono e sem uso, avisem-me que a vou buscar.
É que, sabem, gosto de cada hora do dia que vivo. Mesmo das menos boas!

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sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Compra de sapatos



Eu sei que sou um chato! Se em alguns aspectos sou condescendente até à estupidez, noutros sou exigente até à última pinguinha!
Em geral, a minha indumentária cabe na primeira categoria. Visto o que visto e que tenho mais à mão, sem me preocupar nada se esta peça, com esta cor, joga ou não com aquela outra. Desde que me sinta confortável…
Mas se, na minha indumentária haverá aspecto em que sou exigente é no calçado. Não que o seu aspecto seja importante, mas no seu conforto. Afinal, é em cima deles, dos pés e dos sapatos, que estou, e muitas horas por dia. Calçado desconfortável é algo que recuso, liminarmente. Devo mesmo dizer que tenho aqui um par que, por o comprei como confortável e acabei por constatar o contrário, estão ali sem uso.
Pois está na altura de comprar sapatos. Não é pressa, que quando os sinto bem nos pés até me custa trocá-los, mas antes que tenha que ser uma decisão rápida, vou olhando para as montras. E, se vir um par que aparente o conforto de que gosto, trato de saber o preço e, só depois disso, pondero a eventualidade de os comprar. Experimentando-os muito bem, claro.
Foi o caso de um destes dias: vi um par que parecia mesmo ter sido feito para os meus pés. E, estando dentro de valores comportáveis, entrei e pedi para os ver e calçar.
Saiu-me na rifa uma menina que, toda simpática e bonitinha de se ver, tratou de ir lá dentro trazer o tamanho que me servia: o 42. Regressa, minutos depois, com um par reluzente na mão, dizendo-me:
“O 42 já não tenho. Mas trago-lhe aqui o 44, pode ser que lhe sirvam.”
Fiquei a olhar para ela, incrédulo. Foi daquelas situações, raras, em que me faltou de imediato a resposta adequada.
Ainda pensei em perguntar-lhe se ela estaria a fazer alguma comparação entre o tamanho que ela gostaria dos meus pés com qualquer outra parte da minha anatomia. Ou ainda sugerir-lhe que ela poderia dar-me uma eficiente e agradável massagem nos pés até que eles crescessem e se adaptassem àquela medida. Mas qualquer uma destas respostas seria, para além de inconveniente, poucos conforme com o meu próprio comportamento e linguajar.
Acabei por ficar com cara de parvo e limitar-se a responder-lhe que, muito obrigado, mas que não costumo usar os dois pés num sapato só. E saí, lamentando de mim para mim que era pena que atrás daquele palmito de cara bonito de ver existissem apenas dois neurónios, e que ambos estivessem de férias hoje.
Vou acabar por continuar a usar por uns tempos estes dois, já velhotes, mas que se me fazem aos pés como se pele se tratasse e em que não penso quando os uso. E que, garantidamente, não deixarei abandonados numa qualquer rua do bairro.


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quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Liberdade



Com a idade vamo-nos repetindo. Ou por falta de imaginação ou por termos encontrado expressões válidas ou completas para as situações que vamos vivendo.
Tenho usado, desde há anos, e uns milhares de vezes, a pergunta:
“Foi à tropa? Não!? Mas se tivesse ido, certamente que seria atirador especial.”
Isto ao mesmo tempo que olho para um enquadramento (fotográfico ou videográfico) que me apresentam.
Esta pergunta, irónica como se deduz, resulta de ver o centro de interesse da imagem bem no meio, bem no seu centro. Por vezes, daria para o usar a descrever uma circunferência bem simétrica às bordas da imagem.
Este tipo de composição é, as mais das vezes, de evitar. Dizem as regras estéticas, bem como o resultado de diversas pesquisas de opinião feitas por especialistas, que o centro da imagem é um dos locais mais aborrecidos e com menos força de uma composição e que, se nele colocarmos o assunto principal, ele perderá importância perante outros elementos colocados em linhas fortes ou algures ao longo ou no fim de uma linha de fuga.
Entendamos, no entanto, algumas outras coisas.
1 – Estes conceitos de estética ou de “agrado” generalizado são fruto de uma cultura, neste caso a ocidental, nascida no extremo leste do Mediterrâneo. Outras culturas, com outras origens e com outros desenvolvimentos, têm outras soluções. E, consequentemente, outras “regras estéticas” e outros “agrados” generalizados.
2 – Tal como ouvi a um ilustre mestre na minha juventude, “As regras existem para serem quebradas”. E isto é válido na vida em geral e na comunicação visual em particular.
Usar o centro da imagem, ou o centro de linhas verticais ou horizontais, para lá colocarmos aquilo para onde queremos que o espectador olhe com mais intensidade (ou que dali retire a principal mensagem da imagem) pode ser um erro. Mas sendo que isso é ditado pelas “regras”, invertê-las ou subvertê-las pode ser uma forma adicional, pelo incómodo, de chamar a atenção para um dado pormenor. São abordagens de excepção mas que, se bem usadas, são de eficácia comprovada.
3 – Por muito importantes que possam ser as regras de composição, tão ou mais importante é o autor sentir-se realizado com o que cria. O ponto seguinte, mas só o seguinte, será o de conseguir ou não comunicar com os demais humanos. E isso depende, p’la certa, do contexto cultural em que se concebe a imagem e em que ela é vista.

Porquê de tudo isto?
Bem, um dia sugeri a alguém que fizesse uma fotografia de mim, comigo bem ao meio. O objectivo desse pedido pouco ou nada tinha de estético, mas tão só um exercício de técnica de exposição.
A pessoa em questão franziu o nariz e comentou “Ao meio?!”
Entendo-a! Estamos tão agarrados a regras e estereótipos estéticos, que fazer algo que  saia do habitual, daquilo que nos ensinaram e daquilo que vamos vendo no cinema, na imprensa, na TV, incomoda e quase que é um insulto ao nosso próprio sentido estético.
Faz falta, no entanto, de quando em vez esquecer o que aprendemos, o que a sociedade nos impõe como “correcto”, e avançar noutras linhas, com outras abordagens. As que nos apetece fazer ou, propositadamente, furando as convenções.
Porque é a partir daí – só a partir daí – que podemos com todas as certezas, saber aquilo de que gostamos e aquilo que queremos realmente fazer.
Que liberdade não é palavra vã nem aplicável apenas a conceitos políticos ou sociais. Mas, e tal como nestes aspectos, também começa dentro de nós e nunca decretada por leis e lentes ou imposta por hábitos ancestrais.

By me

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Perfeito como nos livros



Existem aquelas figuras, femininas ou masculinas, que são perfeitas.
As feições, as formas corporais, as cores da pele e da pelagem, a voz, a forma de moverem… Tudo nessas pessoas é perfeito.
Depois existem aquelas pessoas que são de excepção: ele é o olhar, o formato do queixo, o comprimento dos dedos, o volume de alguma parte do corpo, a voz em tom mais baixo ou mais agudo… alguma ou algumas dessas particularidades transformam aquela pessoa em alguém que não pode deixar de ser visto e apreciado.
Há ainda aquelas pessoas que, não tendo nada em si que seja realmente bonito, têm algum aspecto que é mesmo invulgar. Alguma discrepância na proporção das formas, um formato invulgar de rosto ou o que quer que seja, a cor dos olhos ou do pelo… Ou tão só um conjunto de características que, naquele lugar e tempo são incomuns mas que na sua região de origem são banais.
Apesar de tudo isto, não são estas pessoas, extremamente bonitas ou invulgares, que nos fazem ficar perdidamente apaixonados ou com quem queremos ficar para todo o sempre. São bonitas, vistosas, fazem-nos virar a cabeça ao passar, queremos conhecer melhor, mas… não passa disso: atracção física e visual.
Depois existem todas as outras pessoas, que não possuem nenhum atributo especial, que são completamente banais ou mesmo “feias”, que, quando com elas nos cruzamos na vida, nos prendem irresistivelmente, em quem não podemos deixar de pensar, com quem acabamos por viver momentos de paixão desmesurada ou amor eterno. Claro que isto também pode acontecer com as tais primeiras pessoas, as de excepção, mas sendo que são em percentagem reduzida, é bem mais comum que seja com alguém deste último grupo, o maior de todos.

O mesmo sucede com a fotografia.
Há fotografias esplêndidas, perfeitas nos aspectos técnicos e estéticos. Paisagens campestres ou urbanas, de pessoas, arquitectura, naturezas mortas, técnicas, publicidade… Existe um bom número de fotografias, e de autores, por esses mundo fora e ao longo da história da fotografia.
No entanto, com muitas delas, dessas perfeitas, não nos daríamos ao trabalho de as comprar ou recortar de uma revista para as emoldurar e pendurar numa parede. Ou ir folhear amiúde o livro onde constam para com ela deliciar os olhos e a alma.
Mas existem muitas outras, muitas mesmo, que não sendo perfeitas do ponto de vista académico, que não respeitando algumas das regras da proporção, do equilíbrio de massas e de tons, tendo linhas de fuga estranhas, se algumas, contendo assuntos banais ou mesmo desagradáveis, nos fazem ficar horas a mirá-las, degustando cada centímetro do papel ou do ecrã, falando connosco a cada instante e contando-nos sempre algo de novo.

Tenho para mim que uma boa fotografia não tem que ser perfeita! Tem que falar comigo!
Claro que há os academismos, os conceitos de técnica e de estética que são dominantes num dado momento e lugar, que pertencem à linguagem de comunicação e que a todos é comum. São essas ideias, estilos e métodos que ensinamos nas escolas de fotografia, que levamos os aprendizes a usar de modo inconsciente. Como quem conhece as métricas e sabe fazer uma quadra.
Mas também um manual de instruções de uma batedeira ou berbequim está tecnicamente perfeito, as manchas de texto e ilustrações estão equilibradas e de acordo com as modas em uso, o texto está gramaticalmente correcto e de acordo com a ortografia do momento… mas nada disso faz dele algo que queira ver e ver e ver e ver…
Uma fotografia de que realmente goste tem que me falar, tem que me contar algo, tem que me levar a imaginar mais que não apenas o que ali está expresso, tem que provocar a excitação da minha memória ou desafiar-me a memórias novas. Mesmo que as regras de ouro, os equilíbrios, as definições ou nitidez, os tons e as cores, mesmo as luzes, não estejam “perfeitos”.
Uma fotografia que não fale comigo, mesmo sendo “perfeita como nos livros” mais não  me faz que pensar mais que naquelas pessoas que são extremamente bonitas, mas que não passam disso.

By me

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Para pensar um nico



Excerto da obra “Modos de ver” de John Berger.
Editado por “Edições 70”, na colecção “Arte e comunicação”, Lisboa, 1999


“(…)
Uma imagem é uma vista que foi recriada ou reproduzida.

É uma aparência, ou um conjunto de aparências, que foi isolada do local e do tempo em que primeiro se deu o seu aparecimento, e conservada - por alguns momentos ou por uns séculos.

Todas as imagens corporizam um modo de ver. Mesmo uma fotografia. As fotografias não são, como muitas vezes se pensa, um mero registo mecânico. Sempre que olhamos uma fotografia tomamos consciência, mesmo que vagamente, de que o fotógrafo seleccionou aquela vista de entre uma infinidade de outras vistas possíveis. Isto é verdade mesmo para o mais banal instantâneo de família. O modo de ver do fotógrafo reflecte-se na sua escolha do tema. O modo de ver do pintor reconstitui-se através das marcas que deixa na tela ou no papel. Todavia, embora todas as imagens corporizem um modo de ver, a nossa percepção e a nossa apreciação de uma imagem dependem também do nosso próprio modo de ver.

(Por exemplo, Sheila pode ser uma entre vinte pessoas; mas, por motivos pessoais, só temos olhos para ela.)

As imagens foram feitas, de princípio, para evocar a aparência de algo ausente. A pouco e pouco, porém, tornou-se evidente que uma imagem podia sobreviver àquilo que representava; nesse caso, mostrava como algo ou alguém tinham sido - e, consequentemente, como o tema havia sido visto por outras pessoas. Mais tarde ainda, a visão específica do fazedor de imagens foi também reconhecida como parte integrante do registo. A imagem tornou-se um registo de como X tinha visto Y.

Constituiu isto o resultado de uma crescente tomada de consciência da individualidade, acompanhada de uma crescente consciência da história. Seria ousado pretender datar com rigor este último avanço. No entanto, pode afirmar-se com certeza que esta consciência existe na Europa desde o início do Renascimento. Nenhuma outra espécie de vestígio ou de texto do passado nos pode dar um testemunho tão directo sobre o mundo que rodeou outras pessoas, noutros tempos. Sob este aspecto, as imagens são mais rigorosas e mais ricas que a literatura. Esta afirmação não nega a qualidade expressiva ou imaginativa da arte, como se a considerássemos uma mera prova documental; quanto mais imaginativa é a obra, mais profundamente nos permite compartilhar da experiência que o artista teve do visível.
Ainda assim, quando uma imagem é apresentada como obra de arte, o modo como as pessoas olham para ela é condicionado por toda uma série de pressupostos adquiridos sobre a arte. Pressupostos que se ligam a:

Beleza
Verdade
Génio
Civilização
Forma
Estatuto Social
Gosto
etc.

Muitos destes pressupostos não se encontram já ajustados ao mundo tal como ele é (o "mundo tal como ele é" é mais do que um puro facto objectivo: inclui também a consciência). Em desacordo com o presente, estes pressupostos obscurecem o passado. Mistificam, em vez de clarificar. O passado nunca está pronto a ser descoberto, reconhecido, exactamente como foi. A história reconstitui sempre uma relação entre um presente e o seu passado. Por consequência, o medo do presente conduz à mistificação do passado. O passado não serve para se viver nele; é uma mina de conclusões que utilizamos para agir. A mistificação do passado arrasta consigo uma perda dupla: as obras de arte tornam-se desnecessariamente remotas; e o passado dá-nos menos conclusões a completar com a acção.


Quando "vemos" uma paisagem, situamo-nos nela. Se "víssemos" a arte do passado, situar-nos-íamos na história. Quando nos impedem de a ver, estamos a ser privados da história, que nos pertence. A quem lucra esta privação? Ao fim e ao cabo, a arte do passado vem sendo mistificada porque uma minoria privilegiada se esforça por inventar uma história que possa justificar retrospectivamente o papel das classes dirigentes e porque tal justificação já não faz sentido em termos modernos. Por isso, inevitavelmente, mistifica.
(...)

Imagem by me

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Sonhos




Deito-me e acordo com a tristeza de saber que há gente abaixo dos trinta que não entende que gente com o dobro da sua idade possa ter como ambição o não ter rotinas, o procurar coisas e caminhos novos, o querer diversificar e inovar...
Mas igualmente com a tristeza de saber que essa mesma gente quer começar a vida por cima, não querendo saber que o “em cima” só é útil e saboroso se soubermos o que é subir.
Tal como não sabem que o importante na existência não é o chegar a algum lado mas antes o trajecto que percorremos. E que o sonho faz parte desse caminho.



By me

domingo, 20 de janeiro de 2019

Memórias




Talvez por ser Janeiro, talvez por estar um dia bonito depois de um dia de chuva, talvez porque está frio mas não tanto como há dias, talvez…
O certo é que calhou ler duas ou três crónicas, em jornais ou em espaços de amigos virtuais, que são melancólicos. Falam de passados distantes, juvenis e pueris, de espaços que foram e que o deixaram de ser, de vivências que não se repetem.
E, talvez por tudo o referido acima, eu próprio me melancolizei e recordei outros tempos e vivências.
Recordei, por exemplo, o primeiro café ou tasco onde passei a ser cliente habitual, daqueles que já se não precisa de pedir o que se quer, pois que já nos conhecem os hábitos.
Não recordo o nome. Era “qualquer-coisa-ense”, em honra da terra natal do seu proprietário. Ficava pertinho de uma esquina e quase todos os dias, pouco antes das oito da manhã, eu lá entrava para beber um café.
Nada de invulgar isto, não fora eu ter 16 anos e estar a caminho do liceu. E a paragem ali acontecia para queimar tempo até serem horas de subir a rua para ir buscar uma pessoa. Fomos colegas, amigos, namorados, colegas, amigos, namorados, colegas, amigos… a vida deu-nos muitas voltas. E morava ela perto do liceu. Mas tinha tido um encontro violento numa manhã e ganhara medo de se fazer à rua antes do nascer do sol, a caminho das aulas. Passei a ser o seu guarda-costas matinal, a caminho da sala que partilhávamos, enquanto não mudei de estatuto.
Essa mudança de estatuto levou-me um dia a ser convidado a jantar em sua casa, junto com a mãe, que já tratara de conhecer aquele rapazola que todos os dias de inverno ia buscar a filha à porta de casa, o façanhudo pai, de fama terrível em casa e que ninguém se atrevia a incomodar, e uma senhora velhinha que com eles morava e que tratavam por madrinha. A família completava-se com a criada, membro da família, confidente da minha amiga/namorada, e que foi a primeira a conhecer-me, que desceu as escadas uma manhã para ver que aspecto eu tinha e que, nas outras manhãs, ficava da janela a ver-nos afastar, regra geral sob um guarda-chuva.
Esse jantar foi quase de cerimónia, com todos muito simpáticos e hospitaleiros. Felizmente eu conhecia alguma coisa de etiqueta e não me atrapalhei com os talheres. Até eu ter cometido o pecado de fazer uma pergunta sobre um assunto tabu lá em casa. Que eu ignorava que o fosse e que transtornou por completo o pai e, com ele, os bom humores até ao momento vividos. Foi confrangedor, aquele primeiro contacto.
As linhas da vida deram muitas voltas, cruzando-se e afastando-se. De todos nós, os que vivemos aquele jantar. Tal como as do café/tasco, cujo nome esqueci. Modernizou-se, com aços e alumínios, desapareceram os barris e as branquinhas ou amarelinhas. E não creio que ainda ali entre alguém a pedir café com cheirinho, como tantos ouvi naquelas manhãs escuras, frias e chuvosas.
Sobram as memórias melancólicas de um passado que foi, com princípio, meio e fim.
Agora sou cliente habitual de outras paragens e tenho por companheira/amiga/namorada quem eu quero e espero acompanhar por muitos Invernos frios e chuvosos e muitas Primaveras, alegres e luminosas.



By me

Embustes piedosos




Anda por aí, nas redes sociais, uma fotografia em que se afirma ser ela a melhor do ano.
Sobre ela se conta, “grosso modo”, que a leoa estaria muito cansada e o elefante a teria ajudado a atravessar a estrada, transportando o filhote. Ou algo do género.
Fico surpreendido com a ingenuidade de quem tal partilha.
E com o não se darem ao trabalho, por pouco que fosse, de o verificar. E é fácil de encontrar páginas na net que nos explicam que é mentira ou fake. E quem e quando as fabricou. Algumas chegam mesmo a mostrar-nos as três fotografias originais: elefante, leoa, filhote.
Sabemos que a natureza nos surpreende a cada instante, mas ninguém se surpreende com a tranquilidade de uma leoa, sabendo o seu filho assim transportado e nas imediações de humanos a fotografarem?
Mas, mesmo que aceitem isso como possível, não vos incomoda a diferença da orientação das sombras?
Eu sei que aquela imagem ou parábola do leão e do cordeiro juntos num mundo melhor é apelativa, enche o imaginário e faz parte da utopia futurista. Mas não precisam de exagerar!



By me

sábado, 19 de janeiro de 2019

Fotografia




E se uma fotografia não contar uma história, seja ela qual for, não sei para que serve.


By me

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Velocidades




Quase toda a gente fotografou pela janela aquando de uma viagem de avião.
Os frequentes viajantes já não o farão, pela rotina da coisa, a menos que queiram usar a imagem como marcação específica de uma ida ou regresso especial. Mas, de um modo ou de outro, quase todos o fizeram.
Aquilo que raros fazem, convenhamos, é fotografar pela janela de um comboio. Mesmo aquando de uma estreia no meio de transporte ou no trajecto.
Talvez pela banalidade da ferrovia. Talvez porque não necessitam de sublimar os receios do vencer a gravidade com tamanho pássaro metálico. Talvez porque a velocidade angular não ajude a uma imagem nítida.
Mas eu não me considero um “talvez”.


By me

Boa noite

Digam depois o que quiserem, mas não me contenho!
Faleceu ontem alguém que atingiu um alto cargo em diversas estações televisivas.
São diversos, muitos, os que vão apresentando votos de pesar e/ou condolências.
Nada contra.
Lamentável mesmo é irem também falecendo realizadores de televisão, daqueles que fizeram centenas, milhares de horas de programas de todos os géneros, mesmo os infantis que formaram muitos dos que hoje se manifestam, e nem uma palavra oiço ou leio. Teatro, bailado, canção, desporto, informação… foram já muitos os que conceberam e concretizaram grande parte do que todos os portugueses viram ao longo de mais de sessenta anos, na RTP, na SIC, na TIV. Conhecem-lhes os nomes? Ouviram alguma palavra de elogio póstumo? Algum discurso de pesar?
Dirão alguns que sou suspeito neste texto, que advogo em causa própria. Talvez!
Mas a justiça não se faz apenas nos tribunais. Melhor: faz-se principalmente fora deles, no que dizemos ou fazemos. 
Tenham uma boa noite!

By me

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

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Ao longo dos anos tenho tido inúmeras guerras e batalhas. Com pessoas.
Porque não simpatizamos, porque estamos em campos ideológicos opostos, porque o meu “refilanço” incomoda a sua incompetência… Sempre com pessoas.
E sempre entendi que as pessoas passam pelas nossas vidas, umas mais céleres que outras, mas que as instituições que integram, ainda que contendo e sendo geridas por pessoas, não são o alvo.
No passado mês de Dezembro mudei de opinião.
Vivi uma situação em que a instituição me maltratou como nunca. Não foram pessoas, que ao longo dos tempos as pessoas foram mudando, mas a instituição.
Foi pena!
Que o que sucedeu arrancou de vez a camisola que tinha vestida. Que sempre honrei, mesmo que à minha maneira. Que sempre defendi, contra quase tudo e quase todos.
A partir daquela data, e enquanto me relacionar com essa instituição, continuarei a ser quem era: honrando compromissos, fazendo o que tenho a fazer, mantendo a minha personalidade.
Mas sem camisola vestida, sem ir além do estritamente acordado, sem contribuir em nada mais do que aquilo que tenho contratualizado.

Há uma canção, datada de 1980, intitulada “Video killed the radio star”. É o caso, apesar de não ser eu uma estrela. E levaram 40 anos para o fazerem.
Para os que sabem a que me refiro, fica a informação. Para os que não sabem, sigam em frente, que não tenciono quebrar compromissos de honra.



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O nó



Arrumações dá nisto: tropeçarmos em coisas de que nem nos lembrávamos ou mesmo sabíamos que ainda existiam.
No meio do pó dos livros (saiba-se que é, também, o nome de uma excelsa livraria em Lisboa) e do pó das caixas, mesmo fechadas, eis que encontro duas preciosidades do passado: dois cartões de estudante, distando entre si um ano apenas.
Trata-se do cartão do Liceu D. Leonor, um do ano 74/75 outro do ano 75/76, altura em que frequentei os antigos 6º e 7º anos dos liceus, já então chamados de “curso complementar dos liceus”.
Poupo-vos ao triste espectáculo de me verem sem bigode. Ainda o não tinha deixado crescer na altura e, desde que veio, nunca mais saiu. Tal como vos poupo à evolução do olhar dos 16 para os 17 anos. Não apenas a natural evolução da adolescência, mas uma adolescência vivida naqueles anos, rica de acontecimentos e emoções como poucas, de então para cá. E patente no olhar e o ricto ainda sorriso. 
Mas não vos poupo a este pequeno mas sintomático detalhe: o haver ou não gravata. 
Se a memória me não falha, ambas as fotografias foram feitas no mesmo fotógrafo em Lisboa. Ainda existe, ainda que muito modernizado, com outro nome e com o acrescento de “estúdio digital” na tabuleta. Já por lá fui perguntar e soube que os actuais donos são os filhos do que me fotografava, e que já se preparam para se reformar. Dos arquivos de então, já não há memória.
Mas o que acaba por ter graça é que no verão/outono de ‘74, altura em que a primeira foi feita, ainda subsistia um dever de usar gravata num documento importante. Que o retrato, feito no fotógrafo, era algo de importante! Um ano depois, no verão de ‘75, já a gravata era coisa do passado, que se não usava senão… nem eu sei bem quando.
Ficou-me um semi-hábito. Tenho umas dezenas de gravatas, a esmagadora maioria com o mesmo tema e por brincadeira. Raramente as usei, e sempre as mais discretas e em ocasiões em que fiz questão de não destoar: num ou noutro casamento, num funeral, por dever de ofício numa sessão solene com o papa João Paulo II e, confesso, quando está frio. Que a gravata é para isso que serve: proteger o pescoço.

Sobre as fotografias de passe, do seu uso e do seu fazer, tenho uma ou duas teorias que, em tendo eu tempo e disposição, as passarei para o papel, com respectivas ilustrações.
Mas que nos contam histórias, assim as saibamos ler, disso não haja dúvidas!
E vivam as arrumações e os tropeções, que nos justificam uma pausa apetecida mas não merecida.

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quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Estilos




Torna-se assustador pensar que ter um estilo é uma forma de ser conservador.
Ter um estilo ou uma forma primordial de se exprimir significa ter encontrado uma linha de actuação (nas artes, nas letras, na gastronomia, no vestir) e ficar confortavelmente satisfeito com isso.
Ter um estilo significa não evoluir a partir do ponto em que o passamos a ter.
Ter um estilo significa deixar de procurar, de investigar, de ousar deixar o conforto e partir para novos caminhos.
Ter um estilo, sabê-lo e ficar satisfeito com isso, mantendo-o, é assumir o arrumar de botas na criatividade.
Ter um estilo é a morte do artista.



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Dar e partilhar




Assusta-me ver gente que, quase “não tendo onde cair morta”, pensa e age à margem da solidariedade.
Que defendem e se comportam de modo a manter os fossos sociais, mesmo pertencendo ao “nível inferior” e que, mais que vivendo, pouco mais fazem que existir.
Que agarram oportunidades e bens como se a vida e o universo tivesse a obrigatoriedade de lhas proporcionar, ignorando que outros também terão direito a isso de acordo com esse pensar.
Que funcionam como se o universo girasse em torno do seu umbigo e tudo o mais “tivesse sido criado” para os servir.
Que aplaudem o topo da pirâmide e menosprezam a respectiva base, esquecendo-se que eles mesmos fazem parte desta.
O que será mais grave não é a existência destas pessoas. É o elas organizarem-se e quererem impor o seu pensamento aos demais. Nos diversos grupos sociais e com diversas amplitudes de influência. Discreta ou assumidamente na governação, no trabalho, na vizinhança. À revelia das vontades e necessidades dos que com eles irmanam na vida e nas dificuldades.
A diferença entre partilhar e dar é tão grande que não sei se pertencerá ao mesmo universo.



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terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Do arquivo, de há mais de dez anos



Namoravamo-los, todos, de manhãzinha a caminho da escola ou, pelo almoço, no regresso.
Na montra de uma loja que hoje é um pronto-a-vestir, ali na Av. Da Igreja, Lisboa, havia-os de todos os tipos: a cavalo e a pé, de espada, de pistola, de espingarda. Com quepi ou com chapéu de abas, de lenço vermelho ou amarelo. Os cavalos, esses, estavam a galope ou a trote, de sela vermelha ou azul, pretos ou brancos. Não me recordo de nenhum baio.
Mas eram caros. Não tanto quanto os cruzados, com espadas e maças de armas, escudos e armaduras, também a cavalo ou apeados.
Em qualquer dos casos, os soldados da guerra civil americana eram caros. Eram aqueles que se desmontavam, que se trocavam cabeças e chapéus, lenços e armas.
E, com essas trocas e baldrocas, formavam-se exércitos formidáveis de meia-dúzia, com que nos defrontávamos nas planícies do soalho ou nos canyons entre almofadas.
Entre nós, canalha miúda da vizinhança, poucos tínhamos, obtidos de um parente por via de muita pedinchice. Ou fruto das economias forçadas que fazíamos: lanches não comprados, trajectos de autocarro feitos a pé, lápis usados até ao coto…
Estas poupanças, mais as magríssimas semanadas que tínhamos faziam com que, quando um fosse comprar um de sua eleição, fosse uma festa. Íamos juntos, gabando as vantagens e os defeitos deste ou daquele, antevendo os jogos e as trocas, escolhendo pela cor e pelas armas. E pela pose, pois está claro!

Hoje continuam estupidamente caros, que tiveram o desplante de me pedir a enormidade de 15 euros por este numa feira de velharias. Mas não resisti agora, a roçar os 50, como não resistia há quarenta anos atrás.
Mas os jogos de então eram reais, palpáveis, com fortes por nós construídos e estratégias por nós engendradas. E o limite estava na nossa imaginação.
Hoje joga-se em rede, com oponentes de que desconhecemos a cara e que tratamos por alcunhas inverosímeis, atados a personagens e estratégias delineadas por programadores de software. E a imaginação dos jogadores fica atida ao rato, teclado e ecrã.
Sem se saber o que fazer aos paus dos gelados, que as canas fazem lindíssimas pontes e que com tubos de caneta, botões e paus de fósforo se fazem potentíssimos canhões.

Outros tempos, em que o digital era só a partir da 4ª classe, a impressão no BI.

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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Uma questão de ética



É verdade que sim! Gosto de fotografar flores e folhas.
Gosto de ver a suavidade das suas texturas, gosto de registar os seus contornos trabalhados, gosto de sentir como a luz as atravessa, gosto de constatar como as suas nervuras se espraiam e desenvolvem.
Agora é garantido que nunca as fotografo em ambientes controlados! Aquela coisa de termos a luz como a queremos, de sabermos que o vento não as tira de foco e de podermos usar o tempo de exposição que entendemos sem que haja imagens tremidas… esse tipo de fotografias não faço!
E o motivo é razoavelmente simples: não me entendo dono do universo para poder decidir quais os seres vivos que devem morrer para meu deleite!
Matar um animal – mamífero ou insecto – ou uma planta – flor ou folhas – apenas porque me apetece fazer uma fotografia, numa espécie de orgasmo visual, isso é algo que me recuso fazer.
Se as condições o permitirem – luz, terreno, vento, perspectiva, técnicas – lá tentarei dar um arzinho da minha graça e trazer para casa um ícone daquilo de que gostei. E, se tiver arte e engenho, será quase tão bonito quanto o animal ou planta vivo de que gostei.
A alma também se alimenta. E, ao contrário do estômago, é de coisas vivas e belas. A morte pouco ou nada tem de belo, mesmo a de uma folha, se for eu a provocá-la!

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domingo, 13 de janeiro de 2019

Na web



A estória é velha e já não sei quem ma contou:
Nos tempos em que nenhuma senhora se atrevia a ir onde quer que fosse sem um chapelinho na cabeça, esta recebeu um convite-surpresa para uma festa nessa mesma noite.
Aflita por não ter nada de novo para exibir, foi numa corrida ao que então existia, uma modista de chapéus, para que lhe fosse feito um, original.
Sentou-a a especialista numa cadeira e, tirando de um armário um rolo de fita de cetim colorido, começou a enrolá-lo na cabeça da cliente. Voltas e mais voltas até que, em acabando, rematou com um alfinete comprido e decorado. E deu o trabalho por concluído.
A dita senhora, encantada com a perícia e imaginação, teceu-lhe rasgados elogios e perguntou-lhe pelo preço. Mas, perante a enorme quantia que ouviu, indignou-se por ser tanto apenas por um rolo de fita e um alfinete de pechibeque.
A costureira não se atrapalhou: tirou o alfinete, refez o rolo de fita de cetim colorido e, prendendo-o com o tal alfinete, entregou-os à cliente, afirmando:
“Minha senhora: a fita e o alfinete são oferta da casa!”

Vem esta estória a propósito de um episódio recente:
Num fórum a que pertenço, veio alguém pedir ajuda sobre um tema premente e que atrapalhava. A terreiro vieram duas pessoas, eu mesmo e outrem, oferecendo ajuda à medida de cada um. De graça, de borla, a troco de nada. Apenas porque a vontade de ajudar existe e porque cada um de nós também sabe o que é estar-se atrapalhado e ter que pedir ajuda. Que a vida é assim e no âmbito profissional também.
O que me incomoda, no meio de tudo isto, é a ingratidão de quem pediu ajuda. Passados que são quinze dias, e sendo que sei que as ajudas disponibilizadas já foram usadas, não veio a terreiro dar um obrigado.
Não é importante nem é este e outros casos semelhantes que me, melhor, nos impedirão de continuar a ajudar quem nos pede e casos possamos ou saibamos como.
Mas é uma boa forma de definir o que se passa na web: a esmagadora maioria dos seus utilizadores parte do princípio que esta serve apenas para seu próprio benefício, sem se preocupar em, para além de consumir os conteúdos disponibilizados, contribuir com algum tipo de conteúdo ou mesmo retribuir o que recebe.
Ficam os actos para quem os pratica!

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sábado, 12 de janeiro de 2019

Então como é?




Vejamos as coisas como elas são: pese embora façam parte da vida pública, os partidos políticos são entidades privadas.
São conjuntos de pessoas que se organizam em torno de ideias comuns com o objectivo de influírem na vida do país. Esta influência acontece no quotidiano, na legislação e na governação, se existirem cidadãos suficientes que concordem com os seus ideais e propostas.
A existência, organização e gestão de partidos políticos depende em exclusivo da vontade dos seus membros, desde que sejam respeitadas as normas nacionais sobre a matéria. E pertencer a um partido político com estatuto de membro ou militante, é algo que depende dessa organização, sendo admitidos, recusados ou expulsos pelos seus membros e normas internas.
De algum modo se pode comparar a existência e organização de um partido político com a existência e organização de uma sociedade recreativa, cultural ou comercial: gente que se junta em privado para actuar em conjunto.
Daqui se podem concluir ou questionar dois aspectos:
Por um lado temos o país, nas suas vertentes de legislação e governação, liderado por sociedades privadas. E se tudo o acima descrito não bastasse, veja-se como se discute a questão da disciplina de voto aquando da votação de orçamentos (nacionais ou locais) ou outras leis. Parece ser mais importante que quem pertence a partidos políticos deve mais obediência à direcção e orientação do partido, entidade particular como explicado, que à vontade de quem os elegeu para o cargo.
Por outro lado, e como nos é dado a saber pelos acontecimentos recentes, as questões internas de partidos, disciplina ou poder no seu interior, parecem ser algo em que o Presidente da República deva intervir. Por aquilo que vamos sabendo, existe uma guerra de poder e orientação política dentro de um partido político. Coisa que não apenas extravasa para a comunicação social, com fugas de informação ou falsas fugas de informação, como acontece em ano eleitoral. E apesar de Marcelo Rebelo de Sousa ter dito para a mesma comunicação social que o Presidente da República não se deve pronunciar em público sobre tal questão, sempre vai reunindo e conversando com os oponentes internos desse partido. Não sabemos se porá água na fervura se achas na fogueira. Mas o simples facto de quem ocupa o cargo de Presidente da República usar do seu tempo e capacidade de influência sobre questões internas de um partido político demonstra que extravasa o seu papel de presidente de todos os portugueses, dando relevo a uma corrente de pensamento partidária sobre todos as outras.
No ano em curso estão programados três actos eleitorais de relevo internacional, nacional e regional: Eleição dos deputados para o Parlamento Europeu, eleição dos deputados para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e eleição dos deputados para a Assembleia da República.
Em todos eles se espera e deseja transparência e isenção por parte da comunicação social e dos órgãos do Estado. Não parece ser este o caso.



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sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Quase todas




Não, eu não as colecciono.
Mas, de um modo ou de outro, vieram parar-me às mãos.
Creio que só me falta mesmo uma para ter o sortido completo: a 50mm f/2.
Alguém tem que dispense?



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Preciosidades



Pena é que, as mais das vezes e com o corre-corre do quotidiano, não prestemos atenção às pequenas preciosidades que existem ao virar da esquina.

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Havaiana



Sapatos abandonados, inteiros ou em partes, aos pares ou solitários, já não são fáceis de encontrar.
Mas o cãopanheiro dá uma ajuda preciosa.

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Rectas e curvas



Variações sobre um neoclássico

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quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Fotografia de um acto fotográfico



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Coisa nenhuma



É sabido que qualquer bicho-careta decreta o dia mundial Disto, o dia europeu Daquilo, o dia nacional Daqueloutro.
Assim eu, que não sou menos que qualquer bicho-careta, decreto que hoje, 10 de Janeiro de 2019, é o dia de Coisa-Nenhuma.
Ficam desta forma convidados a celebrar Coisa-Nenhuma, a dar vivas a Nada e a fotografar o Vazio como símbolo deste dia.

Nota – em termos fotográficos, e face à dificuldade do tema, podereis acrescentar um cabelo ou uns restinhos de tabaco, só por via do foco.

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quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Sobras




Sim, sou guloso. Sobraram rigorosamente zero.
Para os curiosos: Pentax K7, Tamron SP Adaptal 2 90mm f/2,5

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