quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Ferramentas do futuro



Estávamos em 1975.
Era Páscoa e pouco faltava para se comemorar um ano de revolução.
Os ânimos andavam exaltados mas eufóricos, com algumas (muitas) limitações de bens (vi fazer pão no forno do então 5º andar em que morávamos), mas cada passo que se dava era mais um tijolo que se colocava no edifico do futuro que então construíamos.
Os meus 16 anos faziam-me andar no então chamado 6º ano do liceu, numa vivência lectiva em que poucos se entendiam: os programas eram estranhos a muitos dos professores, a novel vivência rapazes/raparigas era um “desassossego” e o permitido e proibido estavam numa “terra de ninguém” não patrulhada mas muito requisitada.
No final do segundo período as carteiras, mesas e cadeiras escasseavam. Há várias teorias que explicam a destruição do mobiliário escolar, mas nenhuma delas fala em vandalismo ou malvadez: apenas descontrolo juvenil.
Seja como for, a verdade é que tínhamos que partilhar as cadeiras com mais que um rabo e, por vezes, nem assim chegava.
As férias pascais foram passadas no longo, sombrio e frio sótão do Liceu Rainha D. Leonor, em Lisboa.
Armados e equipados com martelos, serras, chaves várias, alicates e, principalmente, muita vontade de fazer, endireitámos, cortamos, pregámos, recuperámos boa parte do material que ali estava acumulado sem préstimo. Enquadrados por um dos contínuos do liceu, criámos felizes e aquosas bolhas nas mãos daquele trabalho árduo e novo para todos nós. Sem distinção de idades ou sexo. O trabalho e a vontade tudo nivelou naquelas duas semanas.
O melhor de todo este trabalho foi a não existência de citações ou medalhas. Todo este trabalho e canseira aconteceu no anonimato e, estou em crer que se antecipássemos algum destaque individual, teríamos protestado com o mesmo vigor com que pregávamos pregos nas rijíssimas tábuas das carteiras.
O pior de todo este trabalho foi a não existência de ferramentas eléctricas que nos permitisse ir mais longe na madeira e menos fundo nas palmas das mãos.

Nenhum de nós sabia o que o futuro nos reservava, mas haveria de sair das nossas mãos!

By me

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