sexta-feira, 24 de novembro de 2017

fast-food visual



Digam o que disserem, a grande vantagem da literatura sobre as demais formas de contar histórias (pintura, cinema, fotografia, escultura) é a capacidade de deixar à imaginação de quem a frui tudo aquilo que lá não está contado.
De uma forma genérica assim é. Se eu ler que o homem entrou num restaurante, deixo à imaginação a cor da toalha, o tipo de luz, o formato da cadeira… Ficará até ao critério do leitor se o empregado de mesa é ou não careca. A menos, claro está, que qualquer destes detalhes, ou outros, sejam importantes para aquilo que que o autor e, consequentemente, para o leitor.
Já nas demais formas de contar histórias (ou estórias) esses detalhes têm que estar presentes. Quando o cineasta, ou fotógrafo ou pintor, nos quer mostrar o entrar no restaurante, veremos o dito restaurante, com a cor das toalhas, o tipo de luz, o formato das cadeiras. Até se o empregado é careca, se aparecer na imagem.
Isto deixa pouco à imaginação de quem vê, reduzindo as possibilidades de se fantasiar com base nas experiências ou vivências de quem vê. O restaurante é aquele e ponto final.
É, talvez, este facilitismo que a comunicação plástica nos impõe, este menos exigente esforço de interpretação, que leva a que o consumo de literatura vá sendo menor. Para quê esforçar-me a imaginar se posso deixar-me levar pela imaginação do autor?
Indo mais longe: quando a obra exposta não é explícita (fotografia, cinema, pintura) a reacção generalizada é de não gostar. Ou de não sentir empatia. “Então eu estou aqui para não pensar e este obriga-me a fazê-lo?”
Recordo um filme em particular intitulado “Dogville” e realizado por Lars von Trier. O minimalismo cénico, perfeito dentro do enredo e das emoções (fortíssimas) entre personagens, é algo difícil de digerir e que afasta a grande maioria do público. Apesar de ser uma obra magistral.
De igual modo, uma pintura ou fotografia que não nos conte tudo, deixando ao espectador o trabalho de imaginar o resto é algo que não agrada, merecendo pouco ou quase nada de atenção.
Será necessário que o trabalho exposto seja particularmente bem feito, estimulando fortemente as memórias ou emoções, para que mereça mais que uns segundos, poucos, de observação.
No caso específico da fotografia, que é um “recorte” do espaço/tempo que cercou o fotógrafo, ou o trabalho é explícito ou a primeira questão que é colocada é “o que é isto”. Logo seguida de “onde é” ou “quando foi”.
A necessidade do ser humano de tudo catalogar e organizar, aliada à preguiça de usar a imaginação para completar o que ali se não vê, leva a estas questões, ficando o espectador como agente passivo, incapaz de se relacionar emotivamente com o que assiste ou observa.  
E a actual forma de divulgação massiva da fotografia – a internete – incrementa esta forma de “não consumir” a imagem.
O tempo que a esmagadora maioria das pessoas usa para ver uma fotografia on-line é mais que diminuto. Poucos segundos mesmo. Que à distância de um click estão outras e outras e há que ver todas. E se não for explícita, completa, pouco exigente no que toca a imaginação e uso das nossas próprias experiências, rapidamente é esquecida, merecendo menos atenção que nada.
Aqueles que querem vingar no mundo da fotografia on-line vêem-se na obrigação de executar trabalhos bem explícitos, inequívocos, pouco provocadores da imaginação.
A subjectividade nas formas e conteúdos, nas técnicas e abordagens aos temas, o sair da normalidade, são formas de expressão que, em geral, estão a ser preteridas pela velocidade de consumo e a preguiça de digestão.

O fast-food invadiu a fotografia. E a pintura. E o cinema. E a escultura.

By me

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