Digam o que disserem, a grande vantagem da literatura sobre
as demais formas de contar histórias (pintura, cinema, fotografia, escultura) é
a capacidade de deixar à imaginação de quem a frui tudo aquilo que lá não está
contado.
De uma forma genérica assim é. Se eu ler que o homem entrou
num restaurante, deixo à imaginação a cor da toalha, o tipo de luz, o formato
da cadeira… Ficará até ao critério do leitor se o empregado de mesa é ou não
careca. A menos, claro está, que qualquer destes detalhes, ou outros, sejam importantes
para aquilo que que o autor e, consequentemente, para o leitor.
Já nas demais formas de contar histórias (ou estórias) esses
detalhes têm que estar presentes. Quando o cineasta, ou fotógrafo ou pintor,
nos quer mostrar o entrar no restaurante, veremos o dito restaurante, com a cor
das toalhas, o tipo de luz, o formato das cadeiras. Até se o empregado é
careca, se aparecer na imagem.
Isto deixa pouco à imaginação de quem vê, reduzindo as
possibilidades de se fantasiar com base nas experiências ou vivências de quem
vê. O restaurante é aquele e ponto final.
É, talvez, este facilitismo que a comunicação plástica nos
impõe, este menos exigente esforço de interpretação, que leva a que o consumo
de literatura vá sendo menor. Para quê esforçar-me a imaginar se posso
deixar-me levar pela imaginação do autor?
Indo mais longe: quando a obra exposta não é explícita
(fotografia, cinema, pintura) a reacção generalizada é de não gostar. Ou de não
sentir empatia. “Então eu estou aqui para não pensar e este obriga-me a
fazê-lo?”
Recordo um filme em particular intitulado “Dogville” e
realizado por Lars von Trier. O minimalismo cénico, perfeito dentro do enredo e
das emoções (fortíssimas) entre personagens, é algo difícil de digerir e que
afasta a grande maioria do público. Apesar de ser uma obra magistral.
De igual modo, uma pintura ou fotografia que não nos conte
tudo, deixando ao espectador o trabalho de imaginar o resto é algo que não
agrada, merecendo pouco ou quase nada de atenção.
Será necessário que o trabalho exposto seja particularmente
bem feito, estimulando fortemente as memórias ou emoções, para que mereça mais
que uns segundos, poucos, de observação.
No caso específico da fotografia, que é um “recorte” do
espaço/tempo que cercou o fotógrafo, ou o trabalho é explícito ou a primeira
questão que é colocada é “o que é isto”. Logo seguida de “onde é” ou “quando
foi”.
A necessidade do ser humano de tudo catalogar e organizar,
aliada à preguiça de usar a imaginação para completar o que ali se não vê, leva
a estas questões, ficando o espectador como agente passivo, incapaz de se relacionar
emotivamente com o que assiste ou observa.
E a actual forma de divulgação massiva da fotografia – a internete
– incrementa esta forma de “não consumir” a imagem.
O tempo que a esmagadora maioria das pessoas usa para ver
uma fotografia on-line é mais que diminuto. Poucos segundos mesmo. Que à
distância de um click estão outras e outras e há que ver todas. E se não for
explícita, completa, pouco exigente no que toca a imaginação e uso das nossas
próprias experiências, rapidamente é esquecida, merecendo menos atenção que
nada.
Aqueles que querem vingar no mundo da fotografia on-line
vêem-se na obrigação de executar trabalhos bem explícitos, inequívocos, pouco
provocadores da imaginação.
A subjectividade nas formas e conteúdos, nas técnicas e
abordagens aos temas, o sair da normalidade, são formas de expressão que, em
geral, estão a ser preteridas pela velocidade de consumo e a preguiça de
digestão.
O fast-food invadiu a fotografia. E a pintura. E o cinema. E
a escultura.
By me
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