quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"Fora de serviço" - Escalpelizando uma fotografia




Talvez seja defeito de ofício. Talvez seja incapacidade minha. Talvez seja resultante de há tanto tempo andar a brincar com imagem e palavras. Talvez seja por de quando em vez andar a ler coisas sobre semiótica e interpretação da imagem.
Certo é que o meu processo metal, pelo menos nesta fase que atravesso e que se prolonga há uns anos, não me permite fazer uma imagem sem que a ela, logo na altura, uma qualquer história seja associada na minha mente.
Pode ser algo de elaborado e de muitas páginas, como pode ser uma simples frase, com mais ou menos ironia.
Por vezes aquilo que vejo leva-me, ainda antes de fotografar, para um passado e para uma situação. Outras, é a vivência no imediato que provoca a vontade (ou necessidade) de fazer o registo fotográfico.
Em qualquer dos casos, é muito raro fazer uma fotografia sem que algo me trespasse a mente.
Não é coisa nem boa nem má: é apenas um método que adoptei nem sei bem como, mas que funciona. Ajuda-me, na altura do “click”, a saber sem hesitações aquilo que quero mostrar. Aquilo que quero pôr em evidência.
Se uso a perspectiva, a distribuição dos elementos no espaço do enquadramento, a luz ou qualquer outro método, é uma opção tomada em função da história que se me surgiu, da situação que estou a ver, da luz existente, de se posso ou não alterar ou arranjar tudo isso em meu favor.
Mas sempre um resultado do binómio assunto visto/ideias ou histórias geradas.
E, em trabalhando com aprendizes, de fotografia ou de vídeo, em escola ou em trabalho, tenho-os confrontado amiúde com uma pergunta, caso por algum motivo me não agrade o que estão a fazer. “Que história conta esta imagem?”
A explicação à posteriori dada pelos próprios acaba com frequência nalgum tipo de correcção ou alteração que eles mesmos decidem fazer. Não que eu os conduza a isso mas antes porque pensaram um pouco na forma do que estavam a captar e na correspondência entre o visível da imagem e a interpretação que dela se poderia fazer.
Quando vi o que aqui mostro, uma frase se me surgiu de imediato: “Olha se não estivesse fora de serviço!” E, constatando os pontos de ferrugem que se lhe vêem, pensei que já assim estaria há bastante tempo.
Para a fazer, debati-me com alguns problemas:
1- Não gosto de fazer imagens verticais. Os motivos são vários e vastos, mas o que é certo é que não gosto. Donde, haveria de a fazer na horizontal, pese embora a verticalidade do assunto.
2- Para a horizontalidade, haveria que mostrar o abandono do local em redor, pelo que fui obrigado a esperar uns minutos que passassem uns quantos de garotos e garotas recém-saídos de uma escola próxima.
3- Não a querendo colocar rigorosamente ao centro, ainda que a sua simetria o permitisse, haveria que escolher se à direita se à esquerda. Voltada para trás, para o passado, tornava o assunto ainda mais triste e abandonado.
4- Na linha dessa ideia de abandono, haveria que esconder (ou tentar) outros sinais de vida em redor, como o carro que está à extrema-direita ou os prédio atrás e em volta. A proximidade ao assunto ajudou-me a resolver a questão.
5- Aquele pedacinho de luz que lhe incide pela direita dá-lhe uma vida que gostaria que não tivesse, ainda que ajude a dar-lhe volume. Mas não tinha quem lhe fizesse sombra.

Estará esta imagem perfeita? Por certo que não está nem eu tenho a presunção de o afirmar. Mas foi o que me foi possível fazer, confrontado com esta ex-cabine telefónica, o respectivo aviso e o que me veio à mente na altura, durante um pequeno passeio pós-laboral pelo bairro perto de onde trabalho.


Texto e imagem: by me

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