quinta-feira, 29 de maio de 2025

Amantes




Uma ocasião pediram-me, na escola onde antes havia dado aulas, para lá ir ajudá-los: havia reclamações, por parte das entidades onde eram feitos os estágios, quanto ao cuidado que os alunos tinham com os equipamentos.

Lembram-se de mim para fazer um workshop ou um mini módulo de várias horas, com o intuito de corrigir essa atitude dos alunos.

Eu não era conhecido dos jovens e qualquer referência que pudesse haver seria apenas dada pela escola e por quem ali lecionava. E aparecer assim de repente alguém para lhes falar de disciplina, método e cuidados com o equipamento não seria bem recebida pelos jovens, com poucos efeitos daquilo que se queria: mudar atitudes.

Lembrei-me eu de serem feitos alguns vídeos de curta duração, tantos quantos os grupos que surgissem, sobre o assunto. E dizer a estes mais velhos que os vídeos seriam usados como exemplo pedagógico para os mais novos. Pedir ajuda costuma resultar, e foi o caso.

Indo mais longe, o enredo, a realização, as vertentes técnicas, seriam feitas, concebidos e executadas por eles, bem com a interpretação. O meu papel seria “apenas” o dar apoio teórico ou prático onde eles tivessem mais dificuldades.

Usei como “engodo” adicional o facto de o projecto ter o nome formal de “A minha amiga, a câmara”, mas que era apenas formal, já que eu preferia chamar-lhe “A minha amante, a câmara”, mas que a escola não o aceitara. Mas que seria o nosso segredo perante a hierarquia escolar.

Bingo! Alinharam no projecto, arregaçaram as mangas e a coisa fez-se.

Claro que o meu objectivo era colocá-los a pensar seriamente no assunto e a interiorizar tudo aquilo que iram demonstrar aos mais novos: o cuidado a ter com o equipamento. Transporte, montagem e desmontagem, operação, limpeza prévia e posterior, segurança.

Vem tudo isto a propósito de, de facto, a câmara (vídeo, cinema, fotografia) ser a nossa amante. Aquele objecto, mais simples ou mais complexo, que tratamos com carinho e com o qual temos relações e comportamentos distintos de quase tudo resto na vida.

Não deixamos que qualquer um se encoste a nós, rosto incluído, a menos que seja por questão médica ou estética corporal. Até mesmo com os amigos mantemos alguma distância. Agora um amante, formal ou informal... o nosso desejo e prática é mater essa proximidade total que não permitimos aos demais. E o nosso rosto encostado à câmara como se amante fosse.

O mesmo se passa com os cuidados de segurança, de afagos, de manutenção: um amante, no sentido de se ter amor por, recebe de nós o máximo de atenção. Tal como a nossa câmara, mesmo que pareçamos displicentes no seu manuseio.

A maior parte dos que conheço no mundo da imagem técnica têm esses cuidados e intimidade com a sua câmara. Os que não têm é notório no resultado do seu trabalho. E raramente duram muito tempo no ofício ou nas empresas.

Não sei se será o vosso caso, mas aqui por casa tenho diversas amantes.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M Macro 100mm 1:4


By me

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