sexta-feira, 30 de maio de 2025

Brincando




Uma pequena brincadeira em honra dos fotógrafos clássicos e contemporâneos e dos seus métodos, semioticas e técnicas.

Dedicada a quem gosta e utiliza Pentax.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100mm 1:4



By me

quinta-feira, 29 de maio de 2025

É uma espiga




Lembraram-se do dia da espiga? Eu já nem me lembrava que ele existia.

Foi apenas quando me deparei com uma vendedora de raminhos da sorte, com três cestas cheias deles e vestida a rigor para o negócio, que a memória se me acordou.

De conversa com ela, fiquei a saber que também é o dia da nossa senhora da ascensão e que se celebram quarenta dias após a páscoa que, como sabemos, é feriado móvel.

Consultada a web, que mais a vendedoura não me sabia dizer, fiquei ciente que o dia da espiga é tradição bem anterior ao cristianismo e que popularmente se recomenda pendurar o raminho atrás da porta de casa e aí o manter até ano seguinte, como chamariz à boa sorte e à abundancia de víveres durante o ano.

Não sou supersticioso, mas mal não fará e sempre é algo bonito de se ver.

Em desmontando o set, agora que a fotografia está feita e o texto está escrito, vou tratar de encontrar uma forma de o pendurar onde deve estar e sem se estragar.

Boa sorte para todos, se for caso disso.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 10mm 1:4

 


By me

Amantes




Uma ocasião pediram-me, na escola onde antes havia dado aulas, para lá ir ajudá-los: havia reclamações, por parte das entidades onde eram feitos os estágios, quanto ao cuidado que os alunos tinham com os equipamentos.

Lembram-se de mim para fazer um workshop ou um mini módulo de várias horas, com o intuito de corrigir essa atitude dos alunos.

Eu não era conhecido dos jovens e qualquer referência que pudesse haver seria apenas dada pela escola e por quem ali lecionava. E aparecer assim de repente alguém para lhes falar de disciplina, método e cuidados com o equipamento não seria bem recebida pelos jovens, com poucos efeitos daquilo que se queria: mudar atitudes.

Lembrei-me eu de serem feitos alguns vídeos de curta duração, tantos quantos os grupos que surgissem, sobre o assunto. E dizer a estes mais velhos que os vídeos seriam usados como exemplo pedagógico para os mais novos. Pedir ajuda costuma resultar, e foi o caso.

Indo mais longe, o enredo, a realização, as vertentes técnicas, seriam feitas, concebidos e executadas por eles, bem com a interpretação. O meu papel seria “apenas” o dar apoio teórico ou prático onde eles tivessem mais dificuldades.

Usei como “engodo” adicional o facto de o projecto ter o nome formal de “A minha amiga, a câmara”, mas que era apenas formal, já que eu preferia chamar-lhe “A minha amante, a câmara”, mas que a escola não o aceitara. Mas que seria o nosso segredo perante a hierarquia escolar.

Bingo! Alinharam no projecto, arregaçaram as mangas e a coisa fez-se.

Claro que o meu objectivo era colocá-los a pensar seriamente no assunto e a interiorizar tudo aquilo que iram demonstrar aos mais novos: o cuidado a ter com o equipamento. Transporte, montagem e desmontagem, operação, limpeza prévia e posterior, segurança.

Vem tudo isto a propósito de, de facto, a câmara (vídeo, cinema, fotografia) ser a nossa amante. Aquele objecto, mais simples ou mais complexo, que tratamos com carinho e com o qual temos relações e comportamentos distintos de quase tudo resto na vida.

Não deixamos que qualquer um se encoste a nós, rosto incluído, a menos que seja por questão médica ou estética corporal. Até mesmo com os amigos mantemos alguma distância. Agora um amante, formal ou informal... o nosso desejo e prática é mater essa proximidade total que não permitimos aos demais. E o nosso rosto encostado à câmara como se amante fosse.

O mesmo se passa com os cuidados de segurança, de afagos, de manutenção: um amante, no sentido de se ter amor por, recebe de nós o máximo de atenção. Tal como a nossa câmara, mesmo que pareçamos displicentes no seu manuseio.

A maior parte dos que conheço no mundo da imagem técnica têm esses cuidados e intimidade com a sua câmara. Os que não têm é notório no resultado do seu trabalho. E raramente duram muito tempo no ofício ou nas empresas.

Não sei se será o vosso caso, mas aqui por casa tenho diversas amantes.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M Macro 100mm 1:4


By me

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Duas pequenas irmãs




Ninguém que só conheça a fotografia digital imagina o que significava ter este conjunto ou semelhante.
Por um lado o poder registar em cor e em preto e branco a mesma situação: uma câmara para cada.
Por outro, ter duas objectivas diferentes prontas a serem usadas, sem a perda de tempo para as mudar. Que as objectivas zoom eram caras e pouco comuns por cá.
Por outro lado ainda o ter um “power winder” ou um “motor” numa câmara, em regra a carregada com película em preto e branco, significava poder fazer diversas fotografias sequenciais e rapidamente sem retirar a câmara do rosto para armar o obturador e avançar a película.
Por fim, ou nem tanto, a posse deste conjunto era sinal de profissionalismo, já que quase só os profissionais ligados ao fotojornalismo tinham conjuntos assim.
Acrescente-se que o aparecer com duas câmaras ao pescoço era garantia, ou quase, de portas abertas para locais mais ou menos reservados, como eventos desportivos, encontros do jet set, salas de espetáculos... raramente se era questionado ou nos pediam pelas credencias. O mais que poderia acontecer era perguntarem-nos para qual jornal trabalhávamos, mas as mais das vezes nem isso era confirmado.
Nessa época, há quarenta e muitos anos, estes pedaços de equipamento eram caros. Bem mais, comparativamente, aos preços de hoje. Por isso, possuir duas SLR era coisa reservada aos profissionais, quantas vezes câmaras e objectivas fornecidas pelos jornais ou cedidas por fabricantes. 
Mas havia sempre quem conhecesse onde se vendessem em segunda mão. Como eu conhecia. E com quem se podiam fazer negócios fantásticos, com vantagens para ambas as partes. 
Hoje só possuem e/ou utilizam equipamento destes tempos os revivalistas de outras épocas, os que procuram as abordagens estéticas que a película permite ou os colecionadores. Eu encontro-me algures no meio destas três vertentes. 
Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100mm 1:4

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segunda-feira, 26 de maio de 2025

Pentax MF






Termos uma peça que, não sendo rara como alguns cromos, é realmente pouco comum, é algo que nos enche o ego.

É o caso desta câmara.

É verdade que precisa de revisão interna a vários níveis. É verdade que, do ponto de vista cosmético, denota bastante uso nem sempre o melhor. É verdade que está incompleta, faltando-lhe uma peça semelhante a uma objectiva e o que nela se coloca. Mas também quantos serão em portugal os que têm uma Pentax MF para fazer fotografias endoscópicas?

Trata-se de uma adaptação original de fábrica para receber uma sonda que seria introduzida no interior do corpo e fotografá-lo. Portanto o seu uso é exclusivamente médico.

Pelo muito pouco que encontrei on-line, usar esta câmara convencionalmente é algo de fora do comum, mesmo que se use uma objectiva ao invés de uma sonda. Desde logo pelo controlo de exposição. Seguindo-se pelo enquadramento, já que o visor não possui um despolido, como todas as outras SLR, mas antes produz uma imagem aérea com uma sistema ótico para tal e que necessita daquele “alto” junto à ocular. Some-se-lhe o produzir fotografias “half frame”, verticais e com metade da largura do habitual, coisa que para quem não está habituado é estranho. Esta marca fez mais tarde outra adaptação, também a partir de um modelo Pentax ME, mas produzindo fotografias com o formato a que estamos habituados – 24x30mm.

Do que consegui saber de quem ma vendeu, bem barata, terá pertencido a seu pai que tinha um laboratório de imagiologia que, com o passar dos tempos foi evoluindo, deixando de usar fotografia “analógica”. E isto ficou guardado algures por lá. Entretanto esse senhor faleceu faz tempo e o filho estava agora a desfazer-se do conteúdo em desuso armazenado no local.

Mais não pude saber, porque ele não sabia, nem mesmo onde estariam as restantes peças complementares.

Nem desconfio de quantas terão sido produzidas, considerando que o mercado para iste tipo de câmara é particularmente restrito. Mesmo no mundo inteiro. Mas trata-se de um “cromo difícil” que será muito bem estimado aqui por casa. Assim que for revisto e reparado naquilo que for possível, tratarei de fazer pelo menos um rolinho e disso dar conta.

E se, por mero acaso, alguém tiver por aí perdido o adaptador para a sonda endoscópica, por favor contacte-me. Ou mesmo o manual de instruções.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M Macro 100mm 1:4


By me

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Relatividade




O tamanho é importante?

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M Macro 100 1:4


By me

Bi-Cromático




Era um exercício que eu propunha a aprendizes de fotografia, fosse qual fosse a idade ou equipamento: cores.

Num pequeno passeio mais ou menos aleatório pela cidade, fotografar o que se via tendo por base as cores do que estava visível. Mas com uma limitação: mostrar o que se queria mostrar mas com não mais que duas cores no enquadramento, excluindo o fundo. Não importava o quê, mas esta condicionante teria que ser cumprida.

O objectivo deste exercício com jogos de cor não era o equilíbrio ou desequilíbrio entre elas. Isto de nada importava. Aquilo que se queria era que se ganhasse o bom hábito de ver com olhos de ver todos os detalhes do assunto e inclui-los ou exclui-los no enquadramento de acordo com o pedido. Saber ver para além de olhar. Saber ponderar antes de obturar. Saber excluir o descartável.

Claro que isto implica também saber jogar com distâncias e perspectiva, por vezes também alguma ginástica acrobática para se conseguir o que se queria. Tal como o recusar premir o botão porque a norma não se cumpre.

Este treino visual e a disciplina que implica é importante para a prática da imagem técnica (fotografia, cinema, vídeo) para que não seja necessário uma multiplicidade de técnicas posteriores de remendar o que ficou roto na tomada de vista.

O passeio era antecedido de umas pequenas “brincadeiras” com smarties ou pintarolas e guardanapos coloridos para despertar a atenção para as cores. No final comiam-se os doces e limpava-se a boca.

 

By me


terça-feira, 20 de maio de 2025

Lixo de gente




Quando saí do café, onde fui por uma bica em jeito de fim de dia, parei cá fora e acendi um cigarro. Quedei-me ali um pouco, olhando em redor, na esperança de encontrar algo que justificasse a presença da minha câmara pendurada no ombro. Não tinha pressas.

De igual forma não tinha pressas aquele homem de uns 30 anos e envergando uma camisola da mesma marca do logotipo na carrinha comercial que acabara de estacionar. Vinha assoberbado com um saco de lixo e uma caixa de cartão cheia de mais cartões.

Chegou-se aos contentores, abriu o de “indiferenciados” e jogou o saco lá para dentro. Sem fechar a tampa, olhou em redor e jogou a caixa de cartão no mesmo lixão.

Ainda ponderei ir ter com ele e perguntar-lhe porque não usara o contentor de papel/cartão, mas parei a tempo. Juntou-se-lhe um outro e ficaram de conversa. Não iria servir de muito, até porque o lixão estava quase vazio pelo que eu havia visto uns dez minutos antes, e ele garantidamente não iria corrigir o erro. E, junto com o amigo, a reação iria ser bem mais veemente. É que são como as matilhas de cães: em conjunto são mais agressivas.

O meu caminho de volta a casa implicava passar junto a eles e, à media que o fazia, ouvi parte da conversa:

“Agora vão ter só uma amostra mas da próxima, em ganhando mesmo, vamos acabar de vez com essa esquerdalha de merda. Seremos os donos disto tudo e ninguém se meterá connosco!”

Fiquei esclarecido.

Já a fotografia fi-la da janela, em trocando de objectiva.

 

Pentax K1 mkII, Tamron Adaptall2 200mm 1:3,5


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domingo, 18 de maio de 2025

Afogar as mágoas




Uma fotografia antes de afogar de vez as mágoas e deixe de poder fotografar.

Amanhã será outro dia. E espero que as artroses se encolham em função dos objectivos.

 

Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100mm 1:4

 

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sábado, 17 de maio de 2025

O lago




O jardim do Campo Grande tem pouco mais de mil metros de comprido e uns duzentos na sua largura máxima. Um jardim estilo lombriga, situado na zona de entrada norte de Lisboa.
Sofreu alterações e funções ao longo do tempo, mais ou menos adaptadas às respectivas épocas. A passagem da primeira para a segunda metade do séc. XX foram das mais significativas, com um estilo arquitectónico característico, que podemos encontrar noutros locais da cidade.
Possui ele três espaços cheios de água.
De norte para sul: o lago grande, onde se pode alugar um bote a remos e dar umas remadas, quer para gaudio da pequenada, quer para passeios mais românticos dos já não tão pequenos.
Segue-lhe, na segunda metade, a piscina. Resultado da técnica do betão armado, tanto o edifício como a cerca são como que uma assinatura de uma época, tanto na capital como pelo país fora. Já foi municipal, onde por pouco dinheiro se nadava, aprendia a nadar ou apenas se refrescava. Foram várias as gerações que ali deram as primeiras braçadas. Agora pertence a uma empresa de fitness e nem desconfio do preço da entrada, que suspeito ser reservada a sócios.
A terceira massa de água mais não é que decorativa e auxiliar à retenção de humidade na zona. Curvilínea nos seus bordos, mais não tinha que uma minúscula ilha e patos. Muitos, com um abrigo dedicado. Este lago é simplesmente conhecido por “lago dos patos”.
Foi neste lago que, pela primeira vez, conheci as agruras de “homem ao mar”!
Em boa verdade deveria dizer-se “criança ao lago”. Eu!
Num banco de jardim próximo e em linha de vista com a água, minha mãe ía cuidando de minha irmã, pouco mais que de mama e quatro anos mais nova que eu. Creio que não a terá deixado cair quando se apercebeu que eu tinha ido fazer companhia aos patos, ainda que involuntariamente.
Se o lago então tinha a profundidade de hoje, nada de grave poderia acontecer, já que qualquer adulto, ali, não se molha muito mais que até meio da canela. Mas é o suficiente para molhar até ao tutano o puto que eu era.
Mais de sessenta anos passaram sobre este episódio, mas nunca o esqueci nem deixei de o recordar cada vez que ali passo, o que é raro.
Este é o local da tragédia, nos dias de hoje. O difícil no fazer a fotografia foi conseguir um ângulo e momento em que não se visse nenhum dos catraios que por ali brincavam. Todos a seco, felizmente.

Pentax K1 mkII, Pentax-M macro 100mm 1:4

By me

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Auxiliar de memória




Leio um artigo sobre fotografia de “eventos”. Aniversários, casamentos, etc.

Começa ele com: “Festa é sinónimo de alegria, descontracção, união, lindas decorações e muitos sorrisos espontâneos, não é mesmo? Mas o que seriam esses momentos se eles não fossem eternizados? Parte fundamental de qualquer evento, a fotografia só tem ganho status com o passar dos anos. É ela a responsável por trazer tudo à tona novamente para ser curtido e compartilhado.”

 

Eu sou fotógrafo. Pelo menos gosto de me pensar assim. Não ganho a vida com ela, mas encho a alma com ela.

Mas uma coisa eu garanto: aquilo que não fica na minha memória do que vivo a cada instante não se torna mais importante por ser fotografado.

Quando precisamos de fazer registo material das vivências para que as não esqueçamos, isso significa que o que vivemos tem pouca importância. Por si mesma ou porque outros acontecimentos vieram relativizar os significados e/ou importâncias.

Indo um pouco mais longe, a futilidade dos dias que correm, o termos que dar importância pública a cada acontecimento ou correndo o risco de sermos menorizados pelos que connosco o viveram, torna-nos ávidos coleccionadores de memórias fosfóricas, relegando bem para segundo plano a capacidade de recordar mais tarde o que não foi registado. A nossa vida, com essa avidez da fotografia de cada instante, acaba por ficar resumida ao que foi fotografado, ao fazermo-nos fotografar, ao que vemos que outros fotografaram. E aquele sorriso lindo mas fugaz, aquele paladar subtil mas inebriante, aquele som que se ergueu no meio da cacofonia ambiente… tudo isso perde importância. Por muito belo que seja. Confiamos a nossa memória ao auxiliar visual do instantâneo, ignorando os instantes significativos que vivemos.

 

Repito que quem escreve estas linhas faz da fotografia um dos alimentos da alma.

 

Pentax K100D, Sigma 400mm 1:5,6


By me

domingo, 11 de maio de 2025

Em trânsito para algures




Num profundo desagrado com o actual estado e rumo da sociedade portuguesa, deixei de parte a minha posição política de activista autónomo, que vai intervindo quando, onde e se o entende, para procurar um grupo de gente realmente interessada em fazer mudanças.
Mudanças na organização e modelo de sociedade, em que a solidariedade e a igualdade não sejam palavras vãs.
Não tenho encontrado.
Os grupos e organizações já existentes, com capacidade de fazer algo, são o que conhecemos, com os resultados que temos sentido.
Os grupos e organizações emergentes, onde tenho vindo a espreitar e tentar contribuir, não procuram mudança ou inversão de rumo mas tão só o conservar uma sociedade burguesa, eivada de classes bem diferenciadas, em que o melhor comentário que se ouve perante alguém que busca alimento nos caixotes do lixo é “Coitado! Teve azar na vida.”
Sobram os chamados “grupos solidários”, cujo objectivo primário, não confesso, é fazer da solidariedade o seu próprio ganha-pão.

Não consigo perceber se sou eu que levo o passo trocado, se são todos os outros. Mas que não acertamos o passo, lá isso não!

Resta-me regressar à minha posição de atirador furtivo, intervindo se, quando, como e onde entendo, esquecendo que a maioria dos que me cerca se preocupa bem mais com o seu umbigo proeminente que com qualquer outra coisa.


By me

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Porquê




O acto de fotografar é hoje quase tão banal quanto o beber um copo de água.

Um pássaro, uma festividade, um acidente, um raio de luz e já está! Saca-se da câmara, como o cowboy da pistola, e dispara-se, perdão, fotografa-se.

O relativamente baixo custo das câmaras digitais, por vezes disfarçadas de telemóveis, e o quase nulo custo do apertar do botão do obturador - que nome se dará nas câmaras digitais? - faz com que talvez se produzam mais fotografias por unidade de tempo que cigarros fumados. Ainda bem!

Há cada vez mais gente a registar aquilo que vê - e por vezes aquilo que sente - o que permite que um maior número de pessoas tenha acesso a uma forma de expressão que os satisfaça.

Mas este facilitismo tecnológico e, porque não, económico, tem as suas desvantagens!

Por um lado, a fragilidade do seu suporte. As imagens apagam-se com enorme facilidade, com um simples delete, para poupar espaço nos arquivos. Ou ainda perdem-se com avarias imprevistas nos discos rígidos ou ópticos, desaparecendo assim o trabalho e a memória colectiva.

Por outro, o custo zero do disparo faz com que os fotógrafos produzam muito mais imagens de um mesmo assunto, cada uma delas menos pensada, ponderada.

“Clic, clic, clic, à velocidade do processamento da memória ou da prontidão do flash. Alguma delas estará boa. Depois logo se verá!”

A aprendizagem, através da “tentativa e erro” é francamente mais lenta. O guardar na memória electrónica daquilo que o sensor vê é feito com muito menos certezas e muito mais por acasos.

Talvez por tudo isto eu seja um pouco “conservador”!

Ainda que, no momento, quase só utilize equipamento digital e, com ele, siga um pouco “na onda” do acima descrito, sinto alguma nostalgia das câmaras clássicas de película. Em particular as de médio e grande formato.

O custo de cada imagem, tanto a nível do original como do laboratório, implicava algum grau de certeza no acto de fotografar. E a complexidade do equipamento e o seu peso e tempo usado antes e depois da tomada de vista eram tais que só se disparava o obturador pela certa. Gastar trinta ou mais minutos numa fotografia para “deitar fora” não é apelativo!

Estas câmaras, e o seu manuseio, tinham implicações - limitações, desvantagens, vantagens? - que nos levavam a pensar o assunto, na sua forma e conteúdo, que nos levavam a estudar a técnica e a estética de cada imagem antes de a fazer. Que nos obrigava a “VER” a imagem, antes de a obter.

Não significa isto que as imagens produzidas por estas câmaras e métodos fossem melhores que as actuais. A qualidade das fotografias - e do trabalho do Homem - não depende da ferramenta mas dele mesmo e do uso que lhes dá!

Mas levava a uma maior disciplina interior que hoje cada vez mais se vê menos.

No caso da fotografia, cada vez mais se vêem imagens que, sendo bastante razoáveis e tendo grande potencial, poderiam ser muito melhores se o fotógrafo tivesse “pensado” e “visto” a imagem antes de a fazer.

O facilitismo e a quantidade nem sempre - ou raras vezes - significam um aumento da qualidade na mesma proporção.

 

E contra mim falo, entenda-se!


By me

terça-feira, 6 de maio de 2025

Oportunidades




Fui enganado. Talvez antes deva dizer enganei-me. Para ser franco: fui no embrulho!

No quiosque onde compro cigarros, demorei-me um pouco mais a ver as capas, ou o que estava visível delas face à quantidade de títulos disponível.

A um canto de um escaparate, dois exemplares de um terço (em boa verdade é um rosário, já que são mais que três as orações correspondentes). Estavam quase que escondidos, mas dei com eles.

O cartão que dava volume ao saco plástico da embalagem dizia, simples e directo, “Terço Papa Francisco”. E a medalha ali aposta, como se vê, a fotografia do defunto papa.

O meu pensamento imediato não teve dúvidas: ainda há dias o homem foi sepultado e já há disto no mercado. São rápidos, caramba! Talvez num esforço antecipado no santificar o pontífice.

Acabei por reduzir o stock a um exemplar.

Em chegando a casa abri o saquinho e observei com atenção. Na parte de trás da medalhinha a referência ao centenário das aparições de Fátima, 1917-2017. E aí percebi tudo.

Há oito anos não venderam toda existência. E aproveitaram a agonia e morte de Francisco para esvaziaram armazéns através de um jornal.

Recordam-se dos vendilhões do templo?

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


By me

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Ir ao cheiro




Gostar de uma determinada marca, sem ser fanático, é como ser fã de um músico ou adepto de uma equipa de futebol.

O simples som, cheiro ou vista fazem-nos acordar de alguma letargia e encontrarmos a nossa preferência.

Há algum tempo veio parar-me às mãos o adaptador para fotografia stereo da Pentax. Foi simpático da parte de quem o fez, mas inconsequente. Sem o visor respectivo não se usufrui do efeito 3D.

Este fim de semana fui desafiado para ir a uma feira de antiguidades e velharias. A uns 100 km daqui e de grandes dimensões, aquele certame bi-anual promete sempre algumas surpresas.

Fui, mas convicto de pouco ir encontrar relacionado com fotografia ou imagem em geral. Estava enganado.

Algumas bancas dedicavam-se ou tinham alguns itens este género, ainda que a maioria com peças notóriamente em mau estado.

Mas, ao longe num corredor, vi uma promissora e apressei o passo. E, a meia distância e no meio de tudo o resto, umas letras gravadas gritavam por mim: Pentax.

Era a única peça com este nome, mas exactamente aquela que me faltava: o visor 3D.

Tão em bom estado uma como outra, veio sem caixa original. Mas também veio por um preço absurdamente baixo, mesmo pelos padrões internacionais on-line.

Claro queste este conjunto, interessante do ponto de vista de um colecionador de uma marca, me é completamente inútil. Tendo o meu olho direito cego, a visão 3D é-me inacessível. Mas fica, para além de coleção, para divertir visitas.

Terei agora, claro, que adquirir um ou dois rolos de slides a cores ou positivar em película negativos em preto e branco, mas isso será outra história.

 

Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5


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domingo, 4 de maio de 2025

Pudor




Pudor!
É uma palavra que todos conhecem mas da qual raramente nos lembramos. Um destes dias ouvi-a num contexto curioso e fiquei com ela na cabeça.
Era a palavra que me faltava e que melhor descreve alguns dos meus sentimentos.
Tenho pudor em fazer certas fotografias.
Durante 45 anos fiz televisão. Comecei ainda no tempo do preto e branco e da aventura do inicio da cor. Cem por cento, menos umas milésimas de unidade, das imagens por mim captadas, registadas e transmitidas foram de seres humanos.
No estúdio e no exterior, dentro e fora do país, anónimos ilustres e ignóbeis figuras públicas, ou qualquer outra combinação, como entenderem.

Em todas elas, de uma forma mais ou menos explícita, existiu uma cumplicidade no fazer dessas imagens. A câmara estava lá, bem visível, e o cidadão sabe que eu estou lá, o que estou a fazer e para quê. Uns exibem-se e quase que pagam para constar no registo ou transmissão, outros são apanhados ao correr da objectiva, mas nada há de sub-reptício.
Além do mais, mercenário que sou da imagem televisiva, não me sinto eu, enquanto indivíduo, a fazer aquelas imagens. Faço parte de uma equipa, de uma organização. A minha co-responsabilidade na captação e utilização das imagens que faço é limitada. Ainda assim, alguns escrúpulos que tenho tido ao longo dos tempos, têm-me trazido alguns amargos de boca.
Já enquanto fotógrafo a minha atitude tem sido diferente.
Raramente fotografo pessoas desconhecidas ou anónimas. Pelo menos ao ponto de estarem em evidencia no enquadramento ou de serem reconhecíveis.
Os trabalhos que tenho feito a pedido (não gosto do termo profissional) têm sido na área do teatro, da publicidade e da arquitectura, passando ao de leve pela reportagem.
Nestas circunstâncias, as figuras fotografadas fazem parte do evento e querem “ficar no boneco”.
Mas, sendo o Homem aquilo que quero retratar nas minhas imagens pessoais - aquelas que faço para minha satisfação exclusiva -, procuro fazê-lo sem que conste explicitamente delas.
Aquelas imagens de instantâneo – uma expressão, um gesto, um evento – que poderia fazer para meu prazer e deleite, não as faço. Tenho pudor!
Com conhecidos, próximos ou não tanto, sou mais atrevido. A cumplicidade existe, as pessoas em causa sabem o que sou e o que faço e, se bem que possam não “se fazerem à fotografia”, sabem que ela pode acontecer e comportam-se mais ou menos em conformidade.
Agora os estranhos, aqueles que apenas me conhecem de vista ou nem isso, vivem a sua vida ignorantes da possibilidade de eu os poder fotografar. São o que são, sem reservas, acanhamentos ou exibicionismos, alegres, tímidos, carinhosos ou bem pelo contrário, inconscientes que um gesto, uma expressão pode ficar registada para todo o sempre.
Da mesma forma que não espreito ou fotografo para dentro de janelas alheias, também tenho pudor em o fazer quando estão da parte de fora delas.
Esta minha atitude e sentimentos é tanto mais forte quanto mais “frágil” é a pessoa ou situação em causa. As misérias, materiais ou outras, tantas vezes vistas em espaços públicos, estão ali porque não podem estar em qualquer outro local privado.
Os pedintes, vagabundos, sem abrigo, catadores de lixo, para não citar todos, são-no, estão-no e fazem-no não por vontade própria mas como último recurso, muitas vezes já sem pudor algum porque não se podem dar a esse luxo. A seguir a este degrau…
Se eu soubesse, com certezas ou alto grau de probabilidade, que o eu fazer estas imagens iria de alguma forma melhorar-lhes a vida – na auto-estima, na fome, na saúde ou no conforto – esta minha invasão das suas intimidades públicas poderia fazer algum sentido.
Mas eu sei que do meu acto de fotografar nada de diferente lhes acontecerá. Apenas ficarei com mais um troféu de caça na minha galeria que, eventualmente, exibirei dizendo: “Vejam o que eu vi, sintam o que eu senti!”
Poderão dizer os fotojornalistas: “Mas uma das missões nobres do nosso ofício é denunciar as misérias do mundo e tentar com isso melhora-lo!”
É verdade que sim! Tal como eu o faço com a minha câmara de vídeo, que é o meu ofício.
Mas as minhas fotografias não se destinam a nenhuma publicação, de pequena ou grande tiragem. Faço-as porque me dá prazer fazê-las e, raramente, exibi-las, se as entendo como capazes e se me apetecer.
Se, de alguma forma, as imagens que faço e exibo podem melhorar o mundo, não sei, ainda que o tente. Mas prefiro fazê-lo mostrando os objectos, a luz, as atmosferas, as consequências e as causas e não as pessoas em si mesmas, não violando a sua privacidade pública.
Há uma palavra que define o que sinto e que me inibe de fotografar amiúde desconhecidos:

Pudor!

Pentax K7, Sigma 70-300


By me